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OPINIÃO: Genese e meu pai

Passam os anos, esquecemos e - de repente - relembramos. Talvez eu já tenha mencionado por aqui os encontros do meu pai com o Genese Coelho Leal, dos quais outro dia li na internet, por acaso, o que já sabia!

Werner Grau, meu pai, encontrou o Genese por volta de 1937. Fora a Umbu, designado pelo juiz Ciro Pestana para uma perícia judicial, se bem me lembro de avaliação de terras. Para matar o tédio levava sempre consigo um pequeno tabuleiro e livros. Após o jantar escolhia uma mesa de canto e reproduzia partidas. Quem o ensinou a jogar xadrez foi o professor Cícero Barreto. E Henrique Bastide, que era fã do meu pai, jogava sistematicamente com ele. Lá em Umbu, em 1937, meu pai perguntou no hotel se alguém jogava xadrez na cidade. Veio então o Genese, de bombachas e chinelos, com um toco de cigarro de palha no canto dos lábios.

O pai jogava muito bem, de verdade. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, com minha mãe - eu fiquei em São Paulo, já na Faculdade de Direito -, jogava xadrez em um quiosque no Posto 6 da Praia de Copacabana. Lá ia sempre outro gaúcho, bem jovem, nascido em Santa Cruz no início dos anos 50, o Mequinho - como era e ainda hoje é chamado o Henrique Mecking, campeão brasileiro e expoente no ranking mundial. Tornaram-se amigos naquele quiosque. Mas volto ao Genese - repito - que veio ao seu encontro de bombachas e chinelos, com um toco de cigarro de palha no canto dos lábios. Sentaram-se, meu pai imaginando que perderia tempo com ele, e o velho aplicou-lhe um xeque-mate nos primeiros lances! "Conte-me toda, toda a tua história" - pediu-lhe o Werner.

O pai do Genese, que era um homem muito rico, estancieiro, mandou-o a Paris para estudar Medicina. Lá, o Genese conheceu o Alexander Alekhine - campeão mundial por quase vinte anos, russo de nascimento e francês por opção -, de quem se tornou amigo de verdade. Acompanhava as partidas por ele disputadas, jogavam os dois com frequência. Alekhine ensinou- -lhe as sutilezas do xadrez, que dominava. Enquanto isso, seu pai começou a enrolar-se em maus negócios, perdeu os bens que possuía e faleceu de repente, deixando dívidas sem fim. Ao filho, não restava senão o retorno ao Brasil. Daí que, retornando a Umbu sem que houvesse realmente estudado medicina em Paris - só jogava xadrez! -, Genese nada conseguiu senão um emprego de amanuense na prefeitura da cidade. Sorriram então os dois, entre si, e continuaram a se pelear no tabuleiro. Meu pai levou-o a Santa Maria. Era divertido assistir o velho de bombachas estraçalhando, no tabuleiro, inclusive (suponho) o professor Cícero Barreto e o Henrique Bastide.

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