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O que cabe num abraço

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Espero que, quando a pandemia passar, não nos tenhamos tornado pessoas menos espontaneamente afetuosas, menos "latinas" e mais, sei lá, "germanizadas", "orientalizadas". Espero que não percamos nossa capacidade de estreitar entre os braços nossos amores e nossos irmãos. Espero que abraçar e beijar afetuosamente nossos irmãos e amigos não se transformem em gestos repulsivos aos olhos alheios, já desacostumados de nossa proverbial efusividade.

Pois é, no recolhimento compulsório das noites e madrugadas frias, tenho me perguntado sobre o que cabe em um abraço e não tenho dúvida nas respostas que encontrei: em um abraço cabem o encurtamento de todas as distâncias e o suprimento de todas as ausências; cabem todas as saudades doloridas, machucadas, e todas as palavras caladas à força.

Em um abraço cabem o fim dos ressentimentos mal digeridos e o sepultamento de rancores guardados em gavetas mal fechadas do coração. Em um abraço cabem o gesto encabulado de reaproximação e o perdão incondicionado.

Um abraço, talvez a senhora concorde comigo, amiga leitora, é capaz de engolir diferenças que pareciam incontornáveis e estabelecer um diálogo sem palavras, porque desnecessárias estas, capaz construir pontes levadiças sobre fossos que cavamos em torno de nós mesmos.

Em um abraço cabem os rascunhos de todos os discursos que ensaiamos, ensaiamos e ensaiamos, sem nunca trazê-los à luz, seja por velada covardia seja por insegurança e timidez.

Discursos que poderiam transformar nossas relações com o próximo e com o mundo e acabam condenados à permanente reclusão em recônditos escaninhos da alma, onde murcham e definham até quase fenecerem os projetos não realizados.

Quando se trata de aprofundar ou transformar nossas relações interpessoais, um abraço, e quanto a isso eu não tenho a menor dúvida, vale por todos os discursos ensaiados e não ditos, por todos os soluços trancados na garganta, por todas as lágrimas mal contidas, por toda saudade incontida, que se transforma em pranto e soluço.

Quando as máscaras tecidas por mãos humanizadas na dor, que, hoje, nos protegem do vírus mutante e rebelde e nos impedem de respirar livremente, forem finalmente guardadas, espero que nossas máscaras anímicas também sejam postas de lado para que possamos, olho no olho, selar nossas promessas de paz e concórdia, de solidariedade e de amor, com um longo e generoso abraço.

Mas fazer do meu sonho meio caduco realidade, reconheço, não será tarefa simples ou de pronta de realização, pois implica capacidade de doação e de renúncia, que, talvez, nem a pandemia nos terá legado. De qualquer forma, como se diz por aí, sonhar não custa nada e a expectativa de um abraço pleno de afeto justifica qualquer sonho, mesmo aqueles eivados pelos excessos de um cronista de jornal, paciente crônico e incurável dessa estranha doença chamada otimismo.

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