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Nós, os juízes de plantão

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Na primeira metade do século passado, o jurista italiano Pietro Calamandrei publicou uma obra clássica intitulada Eles, Os Juízes, Vistos Por Um Advogado. Nele, relata suas experiências como advogado e suas impressões sobre a atuação dos magistrados, destacando a luta e a paixão pela busca da justiça.

No livro, o autor descreve um quadro pintado por Champaigne, onde foi retratado o cardeal Richelieu com três expressões diferentes de acordo com a posição pela qual se olha. Calamandrei compara a obra ao processo judicial, em que cada advogado defende um dos dois lados, apresentando a versão de seu cliente, e o juiz permanece à frente, onde a imagem central é a mais harmônica e a síntese das outras duas.

Perfeita descrição do chamado contraditório e da desejada imparcialidade do julgador. A busca pela verdade trilha um caminho aberto pelo processo, instrumento definido pelo legislador que visa a garantia dos julgamentos justos, com penas dignas e adequadas.

Nos dias de hoje, todo o conhecimento e a experiência acumulados na busca do aperfeiçoamento do processo judicial são absolutamente desconsiderados por todos nós, usuários da rede social.

Os direitos fundamentais são esquecidos, o contraditório é negado, a verdade é desconsiderada, a lei e a ética são violentadas. Todos personificamos a condição de juízes de plantão da rede social e, mesmo sem conhecer a causa que julgamos, levados pelo "assunto do momento", proferimos nossas sentenças de forma implacável, com indisfarçável preconceito, através de nossas impulsivas postagens.

As penas que impomos aos nossos "réus" têm efeitos perpétuos e muitas vezes atingem até a família do sentenciado, pois a publicidade imediata de nossas palavras não conhece fronteiras ou censura.

O direito à defesa prévia, ao perdão e mesmo ao esquecimento, é totalmente ignorado, num verdadeiro retrocesso da evolução dos direitos, renegando conquistas históricas e até mesmo princípios éticos e religiosos.

Desconhecemos o fato de que julgar os outros implica no dever de ajustar as contas com nossa própria consciência. Isso nos foi ensinado por Cristo quando defendeu a mulher adúltera dizendo que atirasse a primeira pedra aquele que não tivesse pecados.

Por isso a solidão e a liberdade devem ser as grandes companheiras do legítimo magistrado. Somente pela reflexão e pelo conhecimento efetivo das questões, postando-se de frente às duas imagens que lhe são apresentadas, o julgador conseguirá formar sua convicção, fundamentar as suas decisões e julgar com imparcialidade.

Certamente a leitura de uma mera notícia da rede social não nos capacita como juízes de plantão. Agindo assim, renegamos a função mais bela da humanidade que é a prática da justiça para com nossos semelhantes. Essa somente é conquistada através da apresentação das duas versões, função dos advogados que representam as partes, que serão harmonizadas através da sentença do legítimo julgador, como na antiga pintura descrita por Calamandrei.

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