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Natal sem digital



Minha amiga Maria fez quatro anos e fui à festa levando o que me parecia ser "o" presente: um livro de histórias, capa dura, com muita ilustração e pouco texto. Ela recebeu-o, agradeceu, desatou a fita que o envolvia e tentou folheá-lo passando o dedinho, tentava altear a página, achando que era uma tela touchscreen. Mostrei-lhe que no livro era diferente, ela tentou e conseguiu, se encantou, depois foi curtir sua festa, e eu fui andar entre os convidados com idade entre dois e 10 anos. Observei que a maioria usava algum aparelho eletrônico, que muitos não se sentiam à vontade com o toque dos colegas e preferiam a comunicação via WhatsApp, mesmo estando lado a lado.

Ali pensei, realmente, o toque não é para todos, e o uso desmedido do computador, tablet e smartphone está afetando a capacidade de reconhecimento tátil destes pequenos para além das telas. Lembrei de teorias dizendo que tocamos as pessoas para mostrar afeição, compaixão, compreensão, interesse, segurança, e sentimentos potencializados pelo toque. Porém, quando o valor do toque passa despercebido, e o único contato que se tem é uma tela azul, isso se reflete no comportamento da sociedade.

Esse pensamento pode parecer exagero para quem amadureceu construindo suas capacidades cognitivas brincando na rua e marcando eventos com apertos de mão. Mas o toque, para quem nasceu digitalizado, tornou-se obsoleto, e pode afetar construções importantes ao seu desenvolvimento.

Não é surpresa que, mesmo conectados à internet, ficamos mais egoístas, individualistas, preguiçosos e desleixados, já que o Facebook avisa os aniversários, e o Whatsapp oportuniza a comunicação com qualquer um, a qualquer hora. Cabe afirmar que a tecnologia não é ruim. Ruim é não prestarmos atenção ao impacto que o uso de suas ferramentas, vindas para melhor a conectividade, está afetando nossa vida.

Nós somos culpados por nossos pequenos não saberem folhear um livro, não se sentirem à vontade quando abraçados, e não comerem sem publicar a foto do prato no Instagram. A internet é ótima. Não é proibindo seu uso que evoluiremos como sociedade, nem podemos culpar a tecnologia por um ato que deveria ser nosso, mas como somos um povo afetivo, que toca as pessoas, podemos informar às novas gerações que o tocar é obsoleto.

Imagine quando os pequenos não souberem mais o que é intimidade, construir relações interpessoais, porque hoje cremos que dar-lhes um smartphone é melhor do que compartilhar experiências. Esse é o recado cruel do nosso comportamento digital dizendo que só vale o que acontece nas telas.

Se o que vemos no ambiente digital acontece no físico. Se desejamos transformação pelo digital, então devemos nos conectar pela internet, mas antes pelo toque, pelo abraço. Pense nisso e que tal fazermos deste um Natal sem digital?

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