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Esses músicos, pobres músicos...

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Lupicínio Rodrigues foi um dos maiores gênios da música brasileira. Dentre seus clássicos, compôs "Esses Moços", falando das dores e das desilusões do amor. A letra começa dizendo: "Esses moços, pobres moços, ah! se soubessem o que eu sei, não amavam, não passavam, aquilo que eu já passei". Foi o criador do termo dor-de-cotovelo, inspirado em quem acomoda os cotovelos em uma mesa de bar para beber e chorar a perda da mulher amada. Pegando um gancho em bar, em música e em tristeza, venho trazer um pouco da aflição da classe musical, que juntamente com os demais profissionais de eventos, estão com os cotovelos na mesa há 9 meses, remoendo as dores por praticamente não conseguirem trabalhar.

O músico, através do seu dom, leva alegria e emoção às pessoas. Materializa o prazer e a sensibilidade de quem gosta de escutar música. O músico profissional faz da sua arte e do seu talento a sua subsistência, o seu ganhapão. É uma profissão como qualquer outra. A diferença mais notada é que, enquanto o público em geral está no seu momento de folga, o músico está trabalhando, incumbido de levar o merecido conforto sonoro para quem os assiste. Para transmitir a sua arte, dedica horas e horas de estudos e de ensaios. O conteúdo musical que leva ao palco é o resultado do seu trabalho diário.

Desde março, com o início da pandemia, a profissão de músico se tornou dramática. Seu trabalho é considerado perigoso. O argumento é de que, em virtude da música ao vivo, as pessoas falam mais alto, tornando elevada a chance de contaminação. Um músico de bar, por exemplo, que geralmente toca sozinho, passou a ser uma figura que coloca em risco a saúde da população.

Recentemente, tivemos um período de campanha eleitoral, que se estendeu por mais de dois meses. Candidatos e seus apoiadores, em todas as partes do Brasil, foram buscar o voto dos eleitores. Para isso, abraços na população, apertos de mão, discursos inflamados e aglomerações. Coincidência ou não, pós-período de campanha o vírus, que andava meio acanhado, se apresentou com toda a força. E o músico, o pobre músico, que vinha conseguindo trabalhar precariamente, de novo recebeu para pagar uma conta que não contraiu.

Para se manterem ao longo dos últimos nove meses, os músicos têm feito malabarismos. Um dos caminhos mais adotados tem sido a venda do instrumento musical, aquele mesmo que o acompanhou durante anos e que foi adquirido a muito custo, fruto do seu talento e da sua dedicação. Há casos em que, com a água batendo no pescoço, estão tentando trocar de profissão. No começo da pandemia, as "lives" surgiram como uma opção interessante. Porém, com o passar do tempo, esse mecanismo ficou meio saturado e as colaborações financeiras foram minguando. O período eleitoral, em termos de trabalho, foi importante, pois quase todos os candidatos fizeram jingles, o que serviu para movimentar o meio musical. Ainda teve, é verdade, o auxílio emergencial do governo, que foi importante, mas que está findando.

Nesse imbróglio todo, de meses e meses de quase inatividade, o músico debruçou os cotovelos na mesa para lamentar, se afastou do público e se aproximou da desesperança e da apreensão. Sua voz silenciou. Seus instrumentos estão parados ou à venda. Vozes caladas, mãos amarradas, instrumentos desligados e palco vazio. Ah, esses músicos, pobres músicos.

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