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Ensaios sobre burocracia: desconfiança e controle

Este é o segundo de uma série de artigos sobre burocracia que faço publicar neste espaço. Trago neste texto o exemplo da burocracia ínsita ao magistério superior, atividade que deveria ser simples, mas que ilustra de maneira clara e fiel como a burocracia é sintoma, não opção, numa sociedade em que reina a desconfiança generalizada.

Ao ponto: antes de começar o semestre letivo, o professor deve publicar aos alunos um plano de ensino minucioso. Esse plano de ensino deverá ser baseado no Plano Político-Pedagógico da instituição, o qual será analisado e avalizado pelo Governo quando da certificação do curso.

Diariamente, o professor deve fazer chamada, de preferência mais de uma vez por aula. Em caso de ausência, deve o professor atribuir falta, mesmo quando justificada e, excedendo o limite de faltas, deverá reprovar o aluno, mesmo que seu rendimento acadêmico seja aparentemente satisfatório.

Ao propor trabalhos domésticos, o professor deve ser rígido nos prazos e conferir se todos a fizeram, inclusive investigando para se certificar de que não se tratam de plágios. Em caso de trabalho em grupo, deve conferir se todos participaram de sua elaboração. A avaliação deverá basear-se em critérios objetivos, previamente combinados.

Bimestralmente o professor deve aplicar provas. Para evitar contestações, é conveniente que elas sejam objetivas. Se a prova for oral, deve ser gravada ou filmada, a fim de possibilitar revisão posterior. Em qualquer caso, as provas devem versar sobre conteúdo previamente definido e abordado em aula. Não importa se na prova o aluno estava num mau dia ou se o conhecimento dele é superior ao suscitado na prova. O critério de avaliação deverá ser o mesmo para todos e não será considerado nada além do ali contido.

É obrigatório que se oportunize aos alunos que façam provas atrasadas. Provas, não trabalhinhos domésticos, já que ninguém pode receber tratamento diferenciado. Isso significa que deverão ser elaboradas provas extras. As notas, assim como as faltas, devem ser publicadas dentro dos prazos definidos no regimento da instituição.

Ao fim do semestre, serão aplicados exames de recuperação, o que deverá ser acompanhado de ata assinada por todos. Estes exames serão arquivados na instituição de ensino, à disposição dos alunos e também do governo, que a tudo fiscalizará.

E a pergunta é: por que tanta burocracia? Minha hipótese: porque o governo não confia nas instituições de ensino, que por sua vez, não confiam nos professores, que não confiam nos alunos, que não confiam nos três primeiros. Isso faz com que sejam criados procedimentos rígidos para que uns controlem os demais.

Surge, então, a burocracia como sintoma, não como doença. Não é ela, em si, o problema. Ela é apenas o sintoma de um mal maior. A incapacidade de confiarmos reciprocamente. Mas, e como combater esse mal maior? Bom, a sociologia poderia ajudar. Mas, hoje, os burocratas são contra a sociologia. Fica, então, a resposta para um outro texto, quem sabe. Ou não.

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