pandemia do coronavírus

Conheça os bastidores das tomadas de decisão do governo Jorge Pozzobom

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style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Arquivo pessoal 

Em quatro anos de governo, nenhuma data marcou tanto o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) quanto o último 14 de março. Neste dia, o chefe do Executivo teve uma conversa com os médicos infectologistas Jane Costa e Alexandre Schwarzbold. A data: um sábado ensolarado e de calor na casa dos 40 °C, típico do verão santa-mariense. A pauta: a dúvida, inquietante, acerca dos possíveis efeitos do novo coronavírus que já habitavam a cabeça do tucano, um ávido consumidor de notícias.  

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À época, o Brasil tinha 121 casos confirmados e 1.496 casos suspeitos em 13 Estados e nenhuma morte. Ainda assim, governos e prefeituras já anunciavam, ainda que timidamente, restrições a eventos e limitações a reuniões de grupos. Do encontro, que ocorreu no auditório interno do hospital, e que durou cerca de duas horas, Pozzobom - acompanhado do chefe da Casa Civil, Guilherme Cortez, fiel escudeiro do prefeito - veio o recado contundente: "esteja preparado, prefeito, o que está por vir é algo complexo, perigoso e letal".

DIAGNÓSTICO DADO
Durante as duas horas de conversa, regada a café e água mineral, em que Pozzobom consumiu toda água da reunião, os médicos expuseram os efeitos práticos, e nada animadores, da Covid-19 em um ambiente de saúde pública onde a regra é a escassez de toda ordem. 

A fala didática e carregada com a praticidade de quem lida com o binômio mais valioso da humanidade (vida e morte), teve sob o prefeito o mesmo efeito do diagnóstico de um médico que revela ao paciente a existência de uma doença temida.

- Poucas vezes, eu vi o Jorge (Pozzobom) tão preocupado - recorda o irmão e vereador Admar Pozzobom (PSDB).

NO TRAJETO
Ao fim da reunião, naquele sábado de 14 de março, que o prefeito diz ter sido "uma conversa informal", mas, que em poucos dias, "evoluiu para um compromisso de governo", Pozzobom rumou para a inauguração da Escola Municipal de Educação Infantil Glaci Corrêa da Silva, no Bairro Divina Providência. 

E, por falar em providência, no meio do caminho, Pozzobom ligou para assessores que cuidam do cerimonial do Executivo, e determinou que a solenidade fosse breve e feita ao ar livre. Com um detalhe: que não deixassem as pessoas próximas umas das outras.

DIA DETERMINANTE
Após um fim de semana, de sono cortado e de muita introspecção, Pozzobom, que é sempre falante, estava com um semblante sério, carregado. À esposa, teria confidenciado que Santa Maria teria de passar por um momento nunca antes vivido, mas sem detalhar. 

Na segunda-feira, já no gabinete da prefeitura (no 7º andar), ele reuniu-se com a secretária de Educação, Lúcia Madruga, e um quadro técnico da pasta. Deu o recado: vamos suspender as aulas na rede municipal de ensino. 

Questionado o motivo, a titular da pasta somou-se ao entendimento do prefeito. Pozzobom, então, pediu que ela viabilizasse a suspensão das aulas já a partir do dia seguinte (17). Porém, a secretária interveio, ainda antes de ele concluir a conversa, e alertou:

- Há toda uma logística, são 78 escolas e 20 mil alunos. Temos de dar o mínimo de tempo que seja aos pais para que eles se organizem.

O pedido foi atendido. Na quarta-feira, mais de 20 alunos, 7% da população de Santa Maria, passaram a ficar em casa. 

DALI EM DIANTE
Da janela do sétimo andar do centro administrativo municipal, que fica encravado junto ao Parque Itaimbé, Pozzobom olhava de forma diferente a vista da maior área verde dentro do perímetro urbano da cidade. O olhar contemplador, de outrora, agora, dava lugar à preocupação. Era preciso fazer com que Santa Maria figurasse na vanguarda das decisões difíceis - alguns poderiam interpretar como precipitadas -, mas caberia a ele fazer frente a isso. 

- O fechamento das escolas foi o "start" (começo) de tudo. Mas, aí, os médicos começaram a alertar sobre a questão de aglomeração de pessoas, então, a questão do comércio surgiu. Foi quando o prefeito viu que era preciso mais - relata um interlocutor do governo.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: arquivo pessoal

Time fechado, mas com uma regra: orientações virão de receituários médicos

Para dar embasamento às decisões que, nos dias subsequentes, seriam tomadas - sendo a de maior repercussão o fechamento do comércio (que ocorreu em 21 de março) -, Pozzobom escalou um time para garantir que tudo se daria de forma técnica e sem margem para erros ou "achismos".

A regra estava dada e era bem clara: ter como norte o assessoramento técnico de médicos, das redes pública e privada, para que as decisões se dessem com o olhar estritamente "de quem entende do assunto". Presunções e visões empíricas, sem observar critérios referendados, seriam sumariamente eliminadas.

A partir dali, Pozzobom reuniu nomes das secretarias de Desenvolvimento Econômico, Educação, Gestão e Modernização Administrativa, Meio Ambiente, Mobilidade Urbana, Saúde, Controladoria, Casa Civil e, ainda, a Comunicação.

Do núcleo duro do governo, estava a base do comitê de enfrentamento à crise, onde todas as situações seriam traçadas, avaliadas conjuntamente e irradiadas para o mundo externo.

CONDICIONANTE
Acima desses e, inclusive, do prefeito, estavam os médicos infectologistas das redes pública e privada. De um grupo de médicos, vinha o receituário de como proceder, um "passo a passo" mesmo. Alguns desses médicos que, no passado, criticaram Pozzobom por ele ter menosprezado o maior surto de toxoplasmose do mundo, que atingiu o município (em 2018), agora estavam dando uma chance a Pozzobom de seguir o caminho técnico.

"Eu sou advogado, de Direito, eu entendo. Agora, o que peço é que me digam o que devo fazer para que Santa Maria passe tudo isso da melhor forma possível. Não quero ser o prefeito de Milão (onde 4 mil pessoas morreram, no mês passado, Giuseppe Sala admitiu ter errado ao incentivar rotina normal na cidade). Não posso errar, me ajudem". Foi com essa frase, quase como uma súplica de ajuda, que Pozzobom deu carta branca para que o grupo de médicos passasse a orientá-lo nas decisões de proteger a cidade.

Esse episódio, conta um médico, fez com que Pozzobom ganhasse a confiança e afastasse qualquer receio de que ele poderia não agir como prefeito. Mas, sim, como político. Ou seja, "não tomando as decisões difíceis".

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: arquivo pessoal

Quais foram os outros fatores que pesaram e que o prefeito levou em conta

Vários termos são cabíveis e permitidos na fala do prefeito ao se debater cenários reais e tantos outros hipotéticos acerca da Covid-19. Porém, uma palavra, se dita por algum integrante do governo tira do sério o prefeito Pozzobom: flexibilizar.

- Não, não, não. Isso não, não repete isso. Flexibilizar, não. Soa como se fosse uma facilitação, um jeitinho. Não se trata disso - disparou um prefeito incomodado com o fato de um secretário ter dito tal palavra.

Ainda que não fale abertamente, além da inquietação de Pozzobom sobre o novo coronavírus, há um conjunto de situações que o levou a buscar orientação e ajuda aos médicos.

O primeiro deles é o episódio mais trágico da história da cidade (o incêndio da Kiss). E, depois, já no governo tucano, o surto de toxoplasmose. Algo que ele reconhece, e faz um mea culpa, por ter menosprezado inicialmente. E, mais, recentemente, o surto de infecção intestinal que vitimou duas crianças no fim do ano passado na cidade.

SEXTA-FEIRA 13
Um dia antes de Pozzobom se reunir com os médicos Jane Costa e Alexandre Schwarzbold, o prefeito chamou os secretários de Saúde (Guilherme Ribas) e da Educação (Lúcia Madruga) e o chefe da Casa Civil (Guilherme Cortez) para adiantar que a semana seguinte traria mudanças nos rumos da cidade:

- O sofrimento do passado de Santa Maria (em referência à Kiss) pesou muito. O prefeito sempre disse que não poderíamos permitir nada nem parecido com aquilo - conta Cortez.

INSISTÊNCIA
Quem trabalha com Pozzobom sabe que ele é explosivo e impaciente. Nada o irrita mais do que não ter as coisas em seu tempo e, mais, quando alguém não o atende. Talvez pela insistência, que beira à exaustão, Pozzobom tem trânsito livre com a secretária de Saúde, Arita Bermann, a quem o atualiza todo dia (por ligação ou por whatsapp) das questões do Regional.

Consciente da necessidade de respeitar a hierarquia, algo que Pozzobom preza, nem por isso deixa de cobrar o funcionamento de leitos do Regional do governador Eduardo Leite.

- Ele é cansativo. Mas é bem intencionado e trabalha - disse um interlocutor do Piratini.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: arquivo pessoal

Do gabinete às ruas, para tomar cada decisão

Em meio a reuniões, pouquíssimas presenciais, e muitos compromissos virtuais, Pozzobom mantém com ele inúmeros papéis, com anotações próprias. Os manuscritos, entendíveis apenas por ele, levam em conta os relatos e recomendações técnicas de médicos. E o prefeito faz uma única exigência da turma do jaleco: traduzir as informações ao máximo, para que ele possa ser claro ao falar nas lives feitas semanalmente.

As anotações também trazem, em tópicos, as contribuições e pedidos feitos pelos mais variados segmentos da sociedade. Outra coisa da qual Pozzobom não abre mão é de ter, sempre consigo, dados estatísticos, números que comprovem ou, até mesmo, derrubem eventuais medidas a serem tomadas e, quem sabe, revogadas.

Tão importantes quanto os papéis com as anotações são os dois celulares permanentemente carregados. Em mais de três dezenas de grupos, Pozzobom não desliga e, mais, não pemite que quem esteja com ele baixe a voltagem. Apenas um aparelho do celular dele tem WhatsApp, o outro celular - um Nokia antigo - em que a bateria tem autonomia de dias, é o canal de comunicação com a família e com os pais (Albino e Teresa).

EXAUSTÃO
As reuniões com os secretários diretamente envolvidos não têm hora para acontecer. Pozzobom quer saber tudo o que está ocorrendo, os relatos têm que ser instantâneos e na velocidade dele.

- Ele tem dormido, em média, 4 horas, 5 horas - revela o irmão Admar.

Porém, mesmo movido a café, após o cansaço dos primeiros dias - em que as medidas mais severas foram tomadas -, Pozzobom apagou.

- Eram 9h, da sexta-feira seguinte à emissão do decreto, quando ele acordou. Todo mundo estranhou. Acho que ele dormiu tudo que precisava. Porque ele já voltou ao normal - recorda Admar.

PERTO E LONGE
Ainda que as decisões administrativas se deem dentro do gabinete, Pozzobom não fica aquartelado. Ele acompanha, sempre que pode as atividades de rua. Foi assim com a sanitização de espaços públicos e privados. O prefeito esteve no Presídio Regional e na Penitenciária Estadual de Santa Maria e em ônibus do transporte coletivo, que foram higienizados.

Porém, o hábito de visitar os pais diariamente também foi alterado. Pozzobom não deixa de ir vê-los. Só que isso mudou. Fica no pátio da casa, na Rua Sete de Setembro, onde fala com eles a distância. Tudo cronometrado: 5 minutos. "É visita de médico", dizem os pais ao prefeito.

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