na justiça

3 mil famílias que vivem próximo da linha ferroviária estão sob ameaça de deixar suas casas

Pâmela Rubin Matge

Fotos: Renan Mattos (Diário)

O orgulho do berço ferroviário de Santa Maria expresso pelo militar Paulo Rogério do Santos, 51 anos, e pela mãe, a aposentada Teresinha dos Santos (na foto abaixo à direita), 74 anos, é dividido pelo sentimento de incerteza. Eles são uma das 3 mil famílias que vivem às margens da linha férrea e que travam uma luta judicial há anos para permanecerem em suas casas.

- Não queremos nada de graça, sabemos que o terreno não é nosso, mas queremos clareza. Isso era um lixão, limpamos tudo, construímos tijolo a tijolo. Não somos cachorros para nos tocarem de qualquer jeito. Eu e meus irmãos fomos criados aqui, brincando e tocando a mão dos maquinistas. Crescemos, nos "alimentando dos trilhos" e meu pai, que trabalhou mais de 30 anos para viação e se aposentou sem conseguir comprar uma casa, foi morrer na linha do trem - desabafa Paulo Rogério.

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Conforme Teresinha, o marido sofreu um enfarte no dia 6 de fevereiro de 1994. Ele estava indo entregar as chaves da antiga residência da família, também em área pertencente à ferrovia.

- Os próprios médicos disseram que foi de emoção. Ele enxergou os colegas e caiu. Recém tínhamos mudado para outra casa, que ele nem conseguiu terminar de construir.

Há pelo menos cinco décadas, aproximadamente 15 mil pessoas, segundo a associação que as representa, vivem na chamada faixa de domínio do governo federal. Assim como já havia acontecido em anos anteriores, nas últimas semanas, moradores passaram a receber notificações de novas ações de reintegração de posse. Muitos estão temerosos. Paralelamente, a Câmara de Vereadores formou uma comissão especial em apoio às famílias e o tema tem repercutido. Reuniões e audiências públicas estão na esteira das discussões.

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Ocorre, que a delimitação da áreas que pertencem à União, cuja concessão da ferrovia é da empresa Rumo, autora das ações, geram dúvidas. As moradias vão do Bairro Camobi ao Distrito de Boca do Monte e têm situações diferentes: tem quem more a 15 metros dos trilhos e quem more a mais de 100. Há quem já recebeu a ação de despejo em áreas distantes de onde passa o trem e há quem mora à beira do trilho e nunca recebeu notificação.

Por meio de nota, a Rumo alega que cumpre obrigações legais e que as faixas de domínio são variáveis, não especificando caso a caso.

As ações da concessionária contra os moradores tramitam na Justiça Federal de Santa Maria e têm diferentes fases processuais. Ao todo, são cerca de 300, incluindo as de outros municípios da região. Cerca de 10%, aproximadamente 30 casos, transitaram em julgado, ou seja, o processo chegou ao fim, com a decisão para os moradores liberarem a área ocupada. Segundo a Rumo, 146 ações de reintegração de posse que ainda estão em tramitação são do município de Santa Maria.

- É algo de anos. Moradores instalaram casas, alguns têm conta de luz, IPTU e até matrícula de registro de imóveis. Eles estão irregulares, e o tempo de moradia não os dá direito ao usucapião ou à indenização. Reconhecemos que trata-se de um grave problema social, mas que escapa nossa capacidade de poder Judiciário e que cabe aos poderes Executivos da União e do município - avalia o juiz Jorge Luiz Ledur, da 2ª Vara Federal, responsável pela maioria dos processos.

Por meio da assessoria de comunicação da prefeitura, o superintendente de Habitação, Wagner Bitencourt informou que o Executivo acompanha o assunto junto à comissão do Legislativo, e que "aquilo que está dentro da faixa de domínio da Rumo compete a eles, não à prefeitura". Não foi informado se há políticas habitacionais ou projetos de realocação dos moradores, caso tenham que deixar a área.

Familiares de até três gerações

No Bairro Itararé, o serralheiro Paulo Antonio Aires Rios, 64 anos, indigna-se com a falta de critério: 

- Já faz mais de ano que recebi uma intimação. Em maio deste ano, vieram aqui para fazer uma perícia. Só que minha casa não está em área de risco, moro a 135 metros dos trilhos. Estamos é esperando ver o que acontece, mas o pessoal está apavorado. Tem famílias de até três gerações que moram aqui. O que vai ser?

"Não temos perspectivas"

A estudante de Gestão de Cooperativas Hellen Motta, 27 anos, vive com o marido e os filhos há oito anos em uma casa na Rua Anhanguera, no popular "Beco da Padre Feijó", no Bairro João Goulart. A metros dali, em outros imóveis, vivem a sogra e os pais dela Nos últimos dias, o assunto que percorre a vizinhança é que a "Rumo está querendo tirar os moradores das suas residências novamente".

Segundo Hellen, a sensação é de total desamparo:

- Se isso acontecer, onde vão enviar toda essa gente. Ninguém nos procura, ninguém fala nada. Não temos perspectivas. Estamos só rezando, pois tem famílias que precisam desocupar as residências em até 180 dias.

A moradora ainda não recebeu ordem de despejo e não soube informar a quantos metros mora da linha do trem.

ENTRAVES SOCIAIS E JUDICIAIS

O que diz a Rumo *

  • A empresa esclarece que ajuizou ação de reintegração de posse em razão de sua obrigação legal e contratual de preservação da faixa de domínio da ferrovia. A concessionária procura impedir ocupações irregulares para garantir a segurança da operação e, principalmente, das pessoas instaladas em área de risco devido à proximidade com a linha férrea. O caso está sendo tratado na Justiça

    *Nota enviada pela assessoria de comunicação da concessionária 

O que diz a Associação Moradores*

  • Vivemos um problema muito sério. A associação buscou exigir que a prefeitura e os vereadores intercedessem pelas famílias, pois serão muitas atingidas. Não somos apenas um número. Queremos a garantia dos direitos à moradia, pois as pessoas deram uma função social a este espaço de terra há muitos anos e estão em seus lares antes da Rumo chegar

    *Por Pablo Elizandro Rosa da Rocha, presidente da associação 

ENTENDA O CASO 

  • Há pelo menos cinco décadas, diversas famílias moram às margens da linha férrea na chamada faixa de domínio do governo federal. A área, que tem moradias do Bairro Camobi ao Distrito de Boca do Monte, passando pelos bairros KM3, Campestre do Menino Deus, Itararé, Centro e outros pertence à União, sobre a responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)
  •  A América Latina Logística (ALL) obteve a concessão para transporte ferroviário e contrato de arrendamento de bens com a antiga Rede Ferroviária. Com isso,deveria manter livres estas áreas, além de fazer a manutenção da ferrovia. Há alguns anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu a denúncia de ocupações das faixas de domínio (área lateral à linha férrea). O TCU questionou o Dnit, que exigiu que a ALL cumprisse o contrato e tomasse providências para retomar as áreas. Desde abril de 2015, a Rumo, nova concessionária, assumiu o mesmo compromisso
  • Desde julho de 2012, processos de reintegração de posse da empresa contra os moradores das margens da ferrovia passaram a tramitar na 2ª e 3ª vara Federal de Santa Maria. Em 2015, já somavam 207 processos
  • Segundo a Justiça Federal de Santa Maria, depois de diversas tentativas de conciliação sem sucesso entre os órgãos federais e os moradores, no final de 2017, a maioria das ações foi julgada. Ao todo, são cerca de 300 ações de municípios da região, a maioria julgada em 1º grau e aguardando o julgamento de recursos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Cerca de 10% das ações, aproximadamente 30 casos, transitaram em julgado, ou seja, tiveram julgamento definitivo, com a decisão de liberar a área ocupada. Segundo a Rumo, 146 ações de reintegração de posse que ainda estão em tramitação são do município de Santa Maria
  • Em agosto deste ano, foi encaminhado pelo deputado estadual Valdeci Oliveira ao presidente do TRF4 um pedido de suspensão, pelo prazo de 180 dias de todos os processos que tramitam na Justiça Federal de Santa Maria para que se tentasse novamente uma conciliação com as famílias e a empresa Rumo. O presidente encaminhou o pedido ao Sistema de Conciliação e os juízes da 2ª e 3ª Varas, em outubro de 2018, suspenderam por 180 dias as ações que já estavam em fase de desocupação
  • Também no final de outubro uma comissão especial da Câmara de Vereadores foi formada em apoio às famílias das margens da ferrovia

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