Substâncias prejudiciais à saúde são encontradas em águas de 300 empresas, inclusive no Estado

Lenon de Paula

Substâncias prejudiciais à saúde são encontradas em águas de 300 empresas, inclusive no Estado
Investigação do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) apura a existência de substâncias químicas e radiológicas na água fornecida em diversos municípios do país. O resultado foi a instauração de processo administrativo contra unidades de tratamento de água, empresas concessionárias e sistemas de distribuição, além das dúvidas levantadas sobre a qualidade da água que é entregue às torneiras da população. Foto: Eduardo Ramos (Diário/Arquivo)

Os três principais atributos que tornam a água potável é não ter sabor (insípida), não ter cor (incolor) e nem cheiro (inodora). Além disso, é importante que a água seja fresca, leve ao estômago, apta para uso doméstico e não contenha substâncias tóxicas e/ou organismos que podem causar doenças além dos níveis considerados seguros ou aceitáveis para o consumo humano. Isso é regrado em nível nacional pelo governo federal, por meio do Ministério da Saúde, que determina os parâmetros de qualidade da água para consumo humano, o chamado padrão de potabilidade da água, ou seja, o quanto ela é saudável.

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As análises dos níveis de potabilidade da água foram o princípio de um processo administrativo instaurado no dia 24 de agosto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) contra 300 instituições de todo o país, entre empresas concessionárias de água, associações, condomínios e outros responsáveis por unidades de tratamento de água, ou pelos sistemas de distribuição (confira a lista completa aqui). Essas terão que explicar ao MJSP sobre a presença de substâncias químicas e radiológicas prejudiciais à saúde humana, detectadas além do volume máximo permitido pelo Ministério da Saúde, no abastecimento de 1.194 municípios. Dentre as empresas citadas está a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), empresa responsável pelo tratamento e distribuição de água em Santa Maria.

A instauração do processo administrativo ocorreu a partir de investigação conduzida pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), em virtude de notícias veiculadas na imprensa sobre a existência de substâncias químicas e radiológicas na água fornecida em diversos municípios brasileiros. Com o apoio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do MJSP, foi deflagrada a Operação Guardiões das Águas, dentro da qual ocorreu a investigação pericial sobre os dados disponíveis no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), gerenciado pelo Ministério da Saúde.

O titular da Secretaria Nacional do Consumidor, Rodrigo Roca, explica a operação Guardiões da Água.

A perícia foi realizada pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal, e avaliou mais de 3 milhões de resultados de análises laboratoriais, referentes ao controle de qualidade na saída do tratamento ou nos sistemas de distribuição de 8.856 unidades de tratamento de água, localizados em 3.342 municípios, que tiveram dados lançados no Sisagua nos últimos cinco anos. 

A partir da perícia, foi encaminhado laudo à Senacon com a comprovação da existência de substâncias químicas e radiológicas nocivas à saúde, em valor acima do máximo permitido, na água de 1.194 municípios, abastecidos por 300 instituições responsáveis pelas unidades de tratamento de água ou pelos sistemas de distribuição. 

O que diz a análise pericial

Conforme o laudo, a ocorrência de substâncias nocivas acima do valor máximo permitido viola o padrão de potabilidade estabelecido pelo Ministério da Saúde. O laudo emitido pelo INC destaca que a situação caracteriza “um evento perigoso que deve ser gerenciado”, sendo que a ocorrência frequente dessas situações de risco caracteriza exposição a perigo químico. 

Ainda segundo o documento, a ingestão de água com a presença dos contaminantes verificados na perícia pode estar associada a doenças ou distúrbios como câncer (arsênio, cromo, ácidos haloacéticos totais, trihalometanos totais, 2,4,6-triclorofenol), doenças na pele (arsênio, selênio), doenças cardiovasculares (arsênio, bário), metahemoglobinemia em crianças (nitrato), distúrbios gastrointestinais (bário, selênio), dentre outros.

Foto: Marcelo Oliveira

Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) está dentre as citadas

Dentre as 300 empresas alvos do processo administrativo da Operação Guardiões das Águas, a Corsan, empresa responsável pelo tratamento e distribuição de água em Santa Maria, consta como citada no despacho do MJSP do dia 24 de agosto no Diário Oficial da União. A reportagem entrou em contato com a companhia para questionar sobre como é dado o repasse de informações ao Ministério da Saúde, verificação da presença de substâncias e sobre o acesso aos dados abertos acerca da qualidade da água entregue às torneiras da população.

Questionada, a Corsan se manifestou por meio de sua assessoria, e informou que até esta sexta-feira (02) não foi notificada oficialmente acerca do processo administrativo, que desconhece os termos e que se manifestará de forma completa em momento oportuno.

Bei – Como a Corsan promove o controle de qualidade da água que chega às torneiras gaúchas? Com qual período é feito este controle?

A Corsan realiza rigoroso controle analítico da água tratada e distribuída aos municípios que atende. Esse controle segue os preceitos da Portaria GM/MS 888/21 e suas alterações, a qual dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Em atendimento à referida legislação, nos sistemas abastecidos por mananciais superficiais, como rios e barragens, a cada duas horas são coletadas amostras e realizadas análises da água tratada na saída das Estações de Tratamento de Água (ETAs). Também são realizadas análises horárias na água bruta captada nos referidos mananciais, bem como análises em pontos intermediários do processo de tratamento, o que permite que sejam realizados os ajustes, caso necessário, nas diferentes etapas de tratamento para que se garanta a qualidade da água distribuída à população. Nos sistemas abastecidos por mananciais subterrâneos (poços), são analisadas amostras na saída do tratamento, com frequência diária.

Além de todo monitoramento citado acima, são realizadas coletas mensais de amostras na rede de distribuição das cidades, estas distribuídas equitativamente ao longo do mês e observando a representatividade dos pontos de coleta no sistema de distribuição (reservatórios e rede), combinando critérios de abrangência espacial e pontos estratégicos (aqueles próximos a grande circulação de pessoas: terminais rodoviários; edifícios que alberguem grupos populacionais de risco, tais como hospitais, creches, asilos e presídios; aqueles localizados em trechos vulneráveis do sistema de distribuição como pontas de rede, pontos de queda de pressão, locais afetados por manobras, sujeitos à intermitência de abastecimento, reservatórios, entre outros). Somando-se às análises realizadas localmente, são enviadas para Laboratório Central de Água da Corsan, localizado em Porto Alegre, com frequência mensal, bimestral e semestral, amostras de água bruta (in natura), tratada e da rede de distribuição de todos os sistemas de abastecimento operados pela Companhia.

Bei – A população pode ter acesso de forma clara e transparente às informações sobre a qualidade de água e sobre o controle de qualidade?

A disponibilização se dá pelo site da Corsan, por meio da fatura de serviços recebida pelos clientes e também pelo portal brasileiro de dados abertos.

Bei – Como a Corsan entrega informações ao Sisagua?

Conforme definido pelo Ministério da Saúde, a entrega dos resultados de monitoramento da qualidade da água para o Sistema de Informação da Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua/MS) acontece por meio de dois Relatórios: Controle Mensal e Controle Semestral. Até a competência de maio de 2021, os resultados do Controle Mensal eram disponibilizados no site da Corsan para acesso dos Vigilantes Sanitários Municipais, que por sua vez faziam a inserção dos resultados no site Sisagua/MS. A partir da competência de junho de 2021, os Controles Mensais passaram a ser publicados pela Corsan diretamente no site Sisagua/MS, utilizando a integração de softwares, não sendo então mais necessária a transcrição manual por parte dos Vigilantes Sanitários para o Sisagua/MS.

Quanto ao Controle Semestral, com resultados de parâmetros analisados no Laboratório Central de Água da Corsan, até o segundo semestre de 2020 os mesmos eram entregues fisicamente ao Centro Estadual de Vigilância Sanitária, que era responsável por encaminhar às demais instâncias da Vigilância Sanitária (Regionais e Municipais). Esses resultados eram inseridos pelos Vigilantes Sanitários no site do Ministério da Saúde (Sisagua/MS). A partir do primeiro semestre de 2021, os Controles Semestrais passaram a ser publicados pela Corsan diretamente no site Sisagua/MS, utilizando a integração de softwares, não sendo então mais necessária a transcrição manual por parte dos Vigilantes Sanitários para o Sisagua/MS.

Procedimentos

No dia em que o despacho foi publicado pelo MJSP anunciando a instauração do processo administrativo dentro da Operação Guardião das Águas, a reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação do Ministério da Saúde questionando há quanto tempo o Sisagua apontava alterações nos níveis de substâncias químicas e radiológicas que comprometessem a potabilidade da água, e porque foi necessária uma operação do MJSP para avaliar os dados do sistema para, então, instaurar processo administrativo. Até a publicação desta reportagem, o Ministério da Saúde não retornou os questionamentos. 

As empresas alvos do processo administrativo têm até o dia 13 de setembro para prestar os esclarecimentos e apresentar um plano de adequação às regras do governo federal. Caso as empresas tenham um plano de ação para adequar os serviços, poderão manifestar o interesse em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta com a Senacon, dentro do prazo de defesa. Caso não atendam à determinação, estão sujeitas à multa diária e eventual condenação. O MJSP afirmou em nota que a população não precisa temer o risco de doenças graves de forma imediata. “As medidas adotadas visam, justamente, à prevenção de um cenário em que o consumo continuado dessas substâncias possa trazer riscos à saúde pública”, afirmou a pasta em comunicado.

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