O Brasil não se libertou culturalmente de sua origem escravagista que dividia a sociedade entre elite econômica, detentora de poder e colocada acima das leis. A lei era para manter todos os que estavam abaixo dos grandes proprietários e mandatários públicos eleitos pelo voto censitário, que é um sistema que garante o direito do voto apenas àqueles cidadãos que atendam a certos critérios econômicos; que possuam propriedades ou rendas.
O voto universal, direto e secreto é historicamente muito recente. Parece absurdo, mas somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino. E em 1934, o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal, mas somente àquelas que que possuíssem formação acadêmica. O voto feminino era facultativo, passou a obrigatório na segunda metade do século passado.
Os analfabetos, somente com a Constituição de 1988, conquistaram o direito de votar.
Gradualmente, os direitos formais foram se ampliando. Escravos legalmente libertos se tornaram cidadãos de segunda classe, continuando a receber o mesmo tratamento de dominação e submissão vigente até a promulgação da Lei Áurea. Junto com eles, toda população pobre ou miserável. Os detentores de patrimônio usufruíam o máximo e somente chegavam a sentir o gosto amargo da lei quando praticavam alguma exorbitância contra um de seu mesmo círculo social e econômico.
Olhando assim, em retrospectiva é comum que tudo isto nos mostre um quadro de barbárie.
Evoluímos, é verdade. Examinando o quadro formal das leis, deve haver isonomia de tratamento entre um delinquente “pé de chinelo” e outro que veste “Prada”. Mas não é assim. Nossa cultura não conseguiu tirar o viés de “apartheid” da sociedade.
Não dá para colocar toda a culpa na elite; dentre a elite de hoje há os que compreendam esta cultura do “apartheid” e evitam praticá-lo. Da mesma forma, tantos anos de submissão fazem com que os dominados tenham perdido sua autoestima e, com docilidade, olham para quem os desconsidera como seres superiores e submissamente entendem que é assim mesmo.
Atentem aos noticiários. Quando um grão fino (às vezes nem tanto) comete um crime, não é apresentado como bandido; a denominação é outra, como suspeito, acusado. Quando a força policial promove uma matança em favela carioca, a notícia é de que 22 bandidos foram mortos, quando mais da metade sequer registrava passagem policial. Basta morar mal para ser rotulado. Que o digam as inúmeras vítimas inocentes de balas perdidas.
Um pobre coitado se arrisca a pilotar uma motocicleta sem uso de equipamento de segurança obrigatório. É parado, agredido, torturado por bandidos fardados, sob o argumento de que estão cumprindo a lei. De outro lado, autoridades impunemente demonstram o desprezo à lei e desfilam de moto sem capacete. Mais não digo, porque meu espaço terminou.
É o Brasil!
Leia o texto de Martha de Souza