Povos Indígenas: UFSM tem exposição sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Sul

Bernardo Abbad

Povos Indígenas: UFSM tem exposição sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Sul

Eduardo Ramos

Foto: Eduardo Ramos (Diário)

Muito antes dos portugueses e africanos chegarem ao Brasil, diversos grupos humanos distintos, com uma diversidade de adaptações ao ambiente, línguas, costumes e culturas já habitavam essas terras. Tais povos que deram origem à população mundial são também chamados de indígenas, em referência às Índias, como eram chamados os territórios do mundo, até então, desconhecidos. Porém, historiadores apontam que os termos “povos originários” ou “etnias” são melhores referências aos primeiros habitantes do planeta, uma vez que eles são compostos por distintos grupos étnicos.Sempre em foco de discussões no país, os povos originários do Brasil lutam há quase 10 mil anos por reconhecimento, espaço, direitos e respeito às suas culturas e costumes. Foi só em 2023, por exemplo, que um ministério específico foi criado pelo Governo Federal, para a execução de políticas destinadas a esses povos. De acordo com o IBGE, existem atualmente no país pouco mais de 800 mil indígenas, agrupados em 305 povos, de 270 línguas diferentes. Até um século depois da chegada dos portugueses no Brasil, a região do Rio Grande do Sul ainda era ocupada principalmente por índios das tribos Gê (kaingangs), Pampeano (charruas ou minuanos) e Guarani. Bandeirantes vindos de São Paulo em busca de escravos, pestes deixadas pelos descobridores, imigração, são alguns dos fatores que ocasionaram a morte de muitos indígenas na região. Atualmente, cerca de 30 mil deles vivem no Estado.Uma exposição na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) ajuda a contar um pouco dessa história dos primeiros gaúchos. Realizada pelo LASCA – Laboratório de Arqueologia, Sociedades e Culturas das Américas, a mostra apresenta a história dos kaingangs e dos guaranis, povos que nos deram origem e permanecem no Estado até hoje. Ela pode ser visitada de segunda à sexta-feira, das 9h às 12h, mediante agendamento (mais detalhes no fim da matéria).

A ativista indígena Sônia Guajajara é a primeira ministra dos Povos Originários da história do Brasil. Foto: Katie Maehler (Divulgação)

A ministra dos povos

Foi em meio a uma crise humanitária sem precedentes no maior território indígena do Brasil, a Terra Yanomani, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa, que a primeira ministra dos Povos Originários da história do Brasil assumiu a pasta inédita. Desde 20 de janeiro de 2023, a Reserva Indígena Yanomami, território que fica em Roraima e Amazonas, está em emergência de saúde pública devido ao cenário de desassistência agravado pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos.Sônia Guajajara nasceu na terra indígena de Araribóia, no estado do Maranhão, e faz parte do povo Guajajara/Tentehar. Por sua luta pelo reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, já foi eleita pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.Filha de pais analfabetos, aos 15 anos de idade Sônia recebeu ajuda da Fundação Nacional do Índio (Funai) para poder cursar o ensino médio em Minas Gerais. A ministra é formada em Letras e Enfermagem pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e pós-graduada em Educação Especial.Em 2018, Sônia Guajajara foi a primeira indígena a compor uma chapa presidencial no Brasil. A ativista foi candidata à vice-presidente do país. Nas eleições de 2022, a líder indígena teve mais de 150 mil votos válidos e foi eleita deputada federal por São Paulo. Em novembro do mesmo ano, Guajajara esteve presente na Conferência do Clima da ONU e cobrou a criação do Ministério dos Povos Originários e maior participação dos indígenas no governo.O pedido foi atendido, e no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve início em 1º de janeiro de 2023, foi criado o Ministério dos Povos Originários. A pasta tem, entre outras atribuições, o foco na política indigenista, o reconhecimento, a garantia e a promoção dos direitos dos povos indígenas, o reconhecimento da demarcação, defesa e gestão das terras indígenas e o bem viver e proteção dos povos originários.

Datas para comemorar (e refletir)

O Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas é comemorado no dia 7 de fevereiro. A data foi criada em 2008, em homenagem ao guarani Sepé Tiaraju (em monumento na cidade de Santo Ângelo, ao lado), guerreiro morto em 7 de fevereiro de 1756 durante a Batalha de Caiboaté, em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Assim como Sepé, cerca de 1.500 indígenas foram mortos na batalha. Como o corpo dele não foi encontrado, nasceu o mito de que o herói teria subido aos céus, tornando-se um santo.

O agora chamado Dia os Povos Indígenas, é celebrado anualmente em 19 de abril, sendo voltada para celebração da diversidade cultural dos povos indígenas. Na ocasião da sua criação, a data foi intitulada Dia do Índio, e assim permaneceu durante quase 60 anos. O nome gerava um desconforto na comunidade indígena, uma vez que a palavra “índio” é entendida por eles como preconceituosa, com um sentido negativo, pois refere-se a algo “selvagem”. Um projeto foi aprovado em 2022, determinando a alteração do nome para Dia dos Povos Indígenas.

Já em 09 de agosto, é comemorado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A criação da data pela ONU pretende garantir condições de existência minimamente dignas aos povos indígenas de todo o planeta, principalmente no que se refere aos seus direitos e à autodeterminação de suas condições de vida, costumes e cultura.

Na mídia

Os povos originários são, muitas vezes, retratados de forma estereotipada na mídia. São interpretados por atores não-indígenas na televisão ou tem seus costumes ridicularizados e demonizados. A nova “novela das nove” da TV Globo, Terra e Paixão, com estreia prevista para maio, pretende ser mais uma produção a mudar essa abordagem. A trama terá um núcleo sobre os povos originários, com personagens que pertencem à etnia Guató, que existe na vida real, vivendo há séculos na região do Pantanal.Durante a história, a trajetória da protagonista Aline (Barbara Reis) e de outros personagens irá se cruzar com a do povo indígena. Segundo o autor Walcyr Carrasco, eles trarão a memória de seu povo, suas histórias, lendas, cultos e a conexão com outros povos da floresta, que também perderam suas terras e, muitas vezes, sua identidade.

A partir da esquerda: a indígena Iraê (Suyane Moreira), o protagonista Caio (Cauã Reymond), o pajé Jurecê (Daniel Munduruku) e seu filho, Raoni (Mapu Huni Kui). Foto: Globo/Divulgação

Jurecê Guató (Daniel Munduruku) é o pajé, remanescente da etnia Guató. Ele tem plena consciência da situação dos indígenas, mas olha para tudo de forma contemplativa, pois, em suas palavras, “outros mundos surgirão”. Jurecê é procurado pelo povo da cidade, graças a sua grande sabedoria. Já Raoni Guató (Mapu Huni Kui) é filho de Jurecê e está sendo preparado para se tornar o xamã. O ator Mapu conta que está utilizando a própria experiência como líder espiritual e músico para compor o personagem.Filha de Jurecê e irmã de Raoni, Iraê Guató (Suyane Moreira) é especialista em ervas, conhece tudo sobre a medicina da floresta. Tem um grande coração, mas sempre foi oprimida. No decorrer da história irá encontrar um amor. Suyane conta que se inspirou na avó para compor a personagem.Terra e Paixão também conta com atores aqui da região no elenco, como Leona Cavalli e Flávio Bauraqui.

Rastros da história

Em 2023, o LASCA – Laboratório de Arqueologia, Sociedades e Culturas das Américas, vinculado ao Departamento de História do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH) da UFSM completa 40 anos.Há quatro décadas, arqueólogos da Universidade trabalham e pesquisam sobre a pré-história e os povos originários. Quem lidera esses trabalhos é o professor, pesquisador e arqueólogo André Soares. Ainda em 2014, quando era coordenador do Núcleo de Estudos do Patrimônio e Memória (NEP), também assumiu a coordenação do Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (LEPA), órgãos da UFSM que já se dedicavam à pesquisa arqueológica nos anos 1980 e foram fundidos, dando origem aos LASCA.Conforme o professor, o acervo do laboratório tem mais de 200 mil peças, que vão desde a arqueologia pré-histórica, de nove mil anos atrás, até sítios históricos de pouco mais de 100 anos, como o forte de São Martinho, em São Martinho da Serra. O material contempla praticamente todo o Rio Grande do Sul e alguns outros estados do país, como São Paulo e Mato Grosso do Sul.

A Exposição

Atualmente, uma exposição aberta ao público, localizada atrás da Biblioteca Central no campus de Camobi da UFSM, ao lado do Acervo Artístico, conta um pouco da história dos primeiros habitantes do Rio Grande do Sul. “A Trajetória da Arqueologia no Rio Grande do Sul” inaugurou antes da pandemia e segue aberta de segunda a sexta-feira, pela manhã, para visitação.– A gente começa falando que arqueologia não é paleontologia, então a gente não escava dinossauro, como muitos pensam (risos). Depois entramos na história dos grupos humanos que habitaram o Estado do Rio Grande do Sul – conta o professor André Soares.Na mostra, o público pode ter acesso, por meio de artefatos, maquetes e banners, à informações de credibilidade, fruto de pesquisa e trabalho do LASCA, sobre aspectos culturais, sociais e ambientais, e como era a relação dessas pessoas no passado com o ambiente.– A gente busca dar visibilidade a essa ocupação humana anterior à chegada dos europeus e dos africanos, quando a gente vivia ainda em uma glaciação em escala planetária. Mas não atribuímos nenhuma etnicidade às primeiras ocupações em qualquer lugar do país, pois são de muito tempo atrás. No Estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem registros de ocupação humana há 20 mil anos. Então a gente não sabe que etnias eram, mas podemos afirmar que eles viviam de caça e coleta – explica o professor.André Soares conta que essas sociedades caçadoras e coletoras migravam constantemente, possuíam um território muito amplo e desapareceram em torno de seis mil anos atrás, dando lugar a outros caçadores, cuja etnia também não se pode afirmar:– Foi nesse contexto, então, que se deram as primeiras ocupações no litoral do Rio Grande do Sul. Eram caçadores e coletores que nós sabemos que viviam em grupos, porque existem grutas com arte rupestre até hoje, por exemplo, inclusive aqui do lado, no Geoparque Quarta Colônia.

Na exposição “A Trajetória da Arqueologia no Rio Grande do Sul”, do LASCA, é possível conferir artefatos, como pontas de lanças e outros objetos utilizados como armas, que comprovam as características caçadoras e coletoras dos primeiros habitantes do Estado. Fotos: Eduardo Ramos

Os primeiros gaúchos

O coordenador do LASCA conta que, nos trabalhos e pesquisas do laboratório, foram encontradas artes rupestres de três mil e duzentos anos atrás, o que permitiu afirmar que os povos originários do Rio Grande do Sul com uma referência etnográfica mais acertada seriam os povos Guaranis:– Existe uma correlação entre material histórico e material arqueológico e os povos do Planalto, que chamamos de Povos Gê, que hoje conhecemos como os kaingangs. Embora atualmente os povos originários aqui do Rio Grande do sul sejam geralmente restringidos aos guaranis e e aos kaingangs, antes deles haviam outros vários povos como os dos Cerritos. Aqui em Santa Maria que eu sei tem pelo menos dois locais remanescentes das Aldeias Cerritos, um seria onde está o Hotel Fazenda Pampas e o outro fica no Bairro Itararé.O professor André Soares conta que o mapeamento desse sítios arqueológicos na região é feito por informação oral e por localização de outros pesquisadores do Brasil e do mundo.

– Em vários momentos do passado, grupos humanos circulavam aqui pelo centro do Estado. E isso é muito interessante do ponto de vista humano, não é? Vários grupos humanos que se encontravam e poderiam ter relações, amistosas ou não. E que hoje a gente conhece só esses dois povos que estão aqui em Santa Maria. Os Guaranis, cujos remanescentes estão localizados no Arenal e no Distrito Industrial, e também os kaingangs. Hoje temos apenas esses grupos, mas existiam vários outros que, infelizmente foram totalmente extintos – finaliza.

O professor André Soares conta que, entre a comunidade indígena e historiadores e pesquisadores, a expectativa é de mudanças sociais substanciais para os povos originários do Brasil a partir desse ano. Ele acredita que, com a criação do Ministério dos Povos Originários, essa população terá um tratamento diferenciado, uma vez que, segundo ele, o último governo deixou um legado de espoliação, garimpo ilegal e assassinato de diversas aldeias indígenas, não somente os Yanomani.– Na maior parte das vezes, essas etnias são marginalizados ou invisibilidades pela comunidade em geral. O Rio Grande do Sul deve ter hoje, mais ou menos, uns 10 mil indígenas kaingangs, mais uns 3 mil guaranis. E essa demografia passa invisibilizada na maior parte do território Gaúcho – comenta.

Legado cultural

O professor aponta que esses negativos associados à sociedade indígena e à figura do “índio” não fazem sentido, uma vez que a população brasileira herdou vários costumes e comportamentos dos seus povos originários. Ele menciona, sobretudo, a genética, já que muitos brasileiros têm sangue dos descendentes indígena correndo em suas veias. André Soares menciona também a linguística, a rica e nutritiva culinária e os hábitos de fumar e tomar banho, por exemplo.– É muito importante lembrar que nós temos um legado cultural, social e histórico indígena e que ele não pode passar despercebido – finaliza.

Visite a exposição

O quê – Exposição “A Trajetória da Arqueologia no Rio Grande do Sul”

Quando – De segunda à sexta-feira, das 9h às 12h

Onde – Nos fundos da Biblioteca Central, no campus da UFSM, em Camobi

Quanto – De graça

Agendamento – pelo e-mail: [email protected] ou pelo site da Rota Cultural da UFSM

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