Neila BaldiProfessora universitária
Dei pane. No último mês, fiquei afastada, por questões de saúde. O período de repouso me fez refletir, mais uma vez, sobre o adoecimento docente. A universidade estimula a competição e a produtividade desenfreada. O sistema não acolhe os e as novatas. E, junto a tudo isso, uma pandemia. Quantos e quantas de nós estamos doentes e adoecendo também nossos alunos e alunas?
Cheguei à universidade em 2017 e assumi a “vice” coordenação do curso – é uma prática na instituição repassar cargos às pessoas que chegam, conheço quem assumiu coordenação de curso e quem pegou chefia de departamento.
A minha área de conhecimento não tem pós-graduação na universidade. Então, me aliei a colegas no empenho de criá-la e, para isso, é preciso produção acadêmica. Ou seja, os últimos cinco anos foram de muitas comissões, funções, produções, sendo que dois em trabalho remoto – que multiplicou nossas tarefas. Junto a tudo isso, vivo um luto, há quatro meses.
Não são só aulas
Nos últimos dois anos, não concorri a editais de financiamento, nem de extensão, nem de pesquisa, simplesmente por estar exausta. Os editais sempre são lançados nas nossas férias.
Minha particularidade, no entanto, não é tão particular. Há muita gente sobrecarregada e não temos, dentro da instituição, um instrumento que possamos provar esta sobrecarga – denominado, em outras, de Plano Individual de Trabalho – e freá-la.
Há quem pense que a gente “só” dê aulas, esquecendo que para lecionar é preciso estudar e planejar. Em nossos encargos aparecem os momentos de aula, mas e o resto? Planejamento, estudo, pesquisa, extensão, reuniões administrativas?
Pensamento neoliberal
Mesmo nos encargos didáticos, há problemas: quem disse que eu invisto só 30 minutos semanais para uma orientação de Trabalho de Conclusão de Curso? Do mesmo modo que não faço apenas 30 minutos de orientação de estágio. Mas é assim que aparece nos meus encargos, como se cada estudante demandasse este tempo.
Há um pensamento neoliberal por trás: se eu fico 30 minutos com cada estudante, posso orientar mais pessoas. Mas como formar docentes sem orientar decentemente? Uma aula dura, em média, 50 minutos. Ou seja, se eu fosse supervisioná-la, ao pé da letra, só poderia assistir 30 minutos. Resultado: ou eu não assisto e só oriento, ou me sobrecarrego. No ano passado, para supervisionar estágios, trabalhei diariamente 10 horas e ainda aos sábados. Era o primeiro estágio da turma, como ia deixar de supervisionar?
Minha sobrecarga não é só minha. Continuaremos neste ritmo insano que adoece? Docentes doentes adoecem estudantes. Precisamos refletir sobre isso. E mudar.
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