Michele Dias: a relação entre brasileiros e portugueses no dia da independência do Brasil

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Michele Dias: a relação entre brasileiros e portugueses no dia da independência do Brasil

Neste 7 de setembro, feriado da independência do Brasil, vem a “calhar”, como se diz por aqui, escrever sobre a relação entre brasileiros e portugueses. Deixando claro que vou relatar a minha opinião, com base em experiências vividas em terras lusitanas.

Pela nossa experiência em família, a relação entre “brasucas” e “portugas” é amigável. Temos amigos portugueses com quem já fizemos viagens, frequentamos a casa… Aliás, a primeira vez que fomos à uma casa portuguesa, foi no carnaval de 2019, um convite para comer Cozido, uma tradição do domingo que antecede à terça-feira de carnaval. É uma receita que mistura vários tipos de carnes, legumes e enchidos (linguiças). Todos são cozidos juntos num tacho (panela) e precisa ser feito “por quem sabe”, como nos explicou a dona Primavera, a portuguesa responsável pelo cardápio tradicional.

É verdade, sim, que os europeus são mais “fechados”, e a amizade vem ao longo do tempo; Puxar assunto aqui não é assim tão normal como para nós brasileiros. Em uma ocasião, comentei com uma senhora numa parada de ônibus: “será que vai chover?”, ao que ela respondeu: não sei. Fim de papo. Entre nós, já seria a deixa para trocar umas palavras enquanto o ônibus não chegasse. Os portugueses são literais, se quiser conversar, é preciso dizer claramente. Aqui, “é o que é” (como dizem), são diretos e objetivos. Não fazem rodeios e nem usam metáforas. Inclusive, penso que venha daí algumas brincadeiras sobre o fato de os portugueses não entenderem o que nós, brasileiros, falamos; talvez esteja aí também a explicação de algumas piadas que fazemos com os coirmãos. Certa vez, uma colega de trabalho estava à procura de uma tesoura, e eu disse “tomou chá de sumiço”! Precisei explicar a expressão (risos).

Outro exemplo que temos de boas relações, é que minha filha mais velha está em uma turma da escola há 3 anos, na qual ela é a única brasileira, e a recepção foi excelente desde o primeiro dia. Eu só acho engraçado que ela fala sem sotaque conosco e até parece uma portuguesa quando conversa com as amigas daqui.

Em 2019, foi bonito assistir ao jogo da seleção brasileira contra o Panamá no Estádio do Dragão, na cidade do Porto. Brasileiros e portugueses a torcer pelo Brasil – mais um exemplo de união. Eu estava no estádio, lotado!

Segundo levantamento do SEF, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 252 mil brasileiros vivem em situação regular em Portugal – dados de 2022. Número que cresce ainda mais se levarmos em conta que todos os brasileiros que entram aqui com passaporte europeu (descendentes de portugueses, espanhóis, italianos) não estão contabilizados nessa estatística. E tem ainda os ilegais. E com tanta gente “de fora” em um país com cerca de 10,3 milhões de habitantes, claro que seria hipocrisia dizer que as relações são perfeitas. Não eram em 1808, quando a corte portuguesa mudou-se para o Brasil, nem é agora quando os brasileiros estão a “descobrir” Portugal.

Existem aqui muitos “rótulos” sobre o Brasil, disseminados principalmente pelas telenovelas brasileiras, pelas notícias, pelas raízes históricas do período colonial. Já ouvi em rodas de conversa expressões de que brasileiro é “malandro” e quer dar sempre um “jeitinho” para resolver as coisas; já ouvi histórias de que as brasileiras “roubam” os maridos das portuguesas. Aliás, essa questão da imagem da mulher brasileira vai ser tema específico aqui na coluna, porque há muito o que se refletir sobre isso. A maioria dos portugueses relacionam o Brasil ao verão, carnaval, futebol e, mais recentemente, à violência. Quando digo que sou acostumada ao frio, que tem inverno no Brasil, muita gente até desconfia!

O fato de muitos brasileiros, principalmente vindos das regiões Sudeste e Nordeste, dizerem que se mudaram para Portugal porque sofreram um assalto ou alguma situação de violência, faz com que as pessoas aqui fiquem com medo. Um chefe de cozinha português disse-me uma vez que o sonho dele é conhecer o Brasil. Então, eu perguntei por que ele não ia. Em tom de humor, disse-me: “tenho medo de que minha família não tenha dinheiro para trazer meu corpo de volta”. Entre brincadeiras e verdades, essas questões me entristecem – não queremos ouvir que o nosso país está associado a aspectos negativos.

Ultimamente, também se percebe um “ranço” dos portugueses, por causa do valor dos aluguéis e da disputa por espaço, digamos assim. Com a chegada em massa dos brasileiros nos últimos anos, em várias cidades faltam moradias, e os preços dos imóveis subiram muito, seja para alugar ou vender. Em relação a essa questão, já ouvi de um português: vocês que estão a causar esse problema da habitação. E eles tem certa razão. Assim como também faltam vagas em creches e escolas, principalmente nas regiões mais centrais das cidades.

Mas é verdade também que Portugal precisa dos imigrantes, para manter a população, para suprir a falta de mão de obra. Tanto é verdade que o Governo português tem ampliado as possibilidades de entrada legal no país, criando recentemente, por exemplo, uma autorização para quem quer procurar emprego. As universidades portuguesas aceitam alunos brasileiros com ENEM, facilitam intercâmbios, mais exemplos de que as portas estão abertas à imigração. E vale salientar ainda que o atual presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, sempre se refere aos brasileiros com carinho, ele tem familiares que vivem na nossa terra e, inclusive, está hoje em Brasília para acompanhar o desfile cívico-militar do 7 de Setembro.

Penso que essa relação que começou com Pedro Álvares Cabral, passou por Dom João e Dom Pedro ainda vai render muito assunto. E espero que os próximos capítulos da história luso-brasileira sejam baseados em respeito e integração.

Importante

Eu disse aqui que o texto de hoje seria sobre as minhas experiências. Mas em outro momento podemos conversar sobre preconceito e xenofobia – existem, sim. Segundo a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão ligado ao governo português, as denúncias de casos de xenofobia contra brasileiros aumentaram 433% de 2017 para 2020.

Michele DiasMeu nome é Michele Dias da Silva, tenho 42 anos, casada, duas filhas lindas e santa-mariense com muito orgulho. Sou formada em Letras pela Universidade Franciscana e em Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria; e tenho mestrado em Ciências Sociais, pela Universidade do Minho (Portugal). Trabalhei em telejornal por 15 anos, a maioria destes como editora e apresentadora do Jornal do Almoço. Atualmente, produzo conteúdo para redes sociais de empresas e faço fotos, vídeos e textos sobre as minhas andanças pela Europa porque sou curiosa e apaixonada por descobrir boas histórias. 

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