Com o anúncio da coroação de Nossa Senhora da Medianeira como Rainha do Povo Gaúcho, títulos e condecorações anteriores ganharam destaque em discursos e reportagens históricas. Um dos títulos mais citados é o de padroeira do Rio Grande do Sul, proferido pelo arcebispo metropolitano de Porto Alegre, Dom João Becker, em 25 de outubro de 1942.
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A atribuição teria sido concedida a Nossa Senhora da Medianeira em reconhecimento aos milagres atendidos durante a enchente de 1941, que foi a segunda maior registrada na cidade de Porto Alegre. A condecoração também teria impactado no nível da romaria, que tornou-se estadual a partir de 1943. Uma matéria publicada pelo Jornal A Razão em 12 de dezembro daquele ano registrou a presença de caravanas de Porto Alegre, Pelotas, Bagé, Cruz Alta, Júlio de Castilhos, Cachoeira do Sul, Restinga Sêca, São Sepé, Uruguaiana e outros municípios que vieram participar da celebração. Já uma nota publicada dois dias depois, relatava os momentos de fé e devoção vividos por “milhares de peregrinos” em Santa Maria.
O que muitos não sabem é que, embora o decreto tenha sido emitido, Nossa Senhora da Medianeira não foi elevada pela Santa Sé ao nível de padroeira. A situação, que tem deixado fiéis e romeiros confusos, é explicada pelo vigário geral da ArquiSM e reitor do Santuário Basílica da Medianeira, padre Cristiano Quatrin:
– Isso ficou no imaginário popular. Todo mundo diz que é e, para muitos, continuará sendo a padroeira. Mas para nós, enquanto Igreja, ela não é a padroeira, porque não foi reconhecida por Roma. Quando chegou, Dom Leomar até tentou falar com Roma. Só que como iremos tirar São Pedro? Há toda uma história por trás. O próprio nome do Estado era São Pedro do Rio Grande do Sul. Então, valorizamos e celebramos São Pedro como nosso padroeiro, e Nossa Senhora agora ganhou esse título de Rainha do Povo Gaúcho, que dá ênfase na proteção mariana. Santa Maria já leva o nome de Maria e outras cidades também têm esse nome. Maria não é a padroeira, mas é a rainha desse solo santo que é o nosso Rio Grande.
Sendo padroeira ou não, a fé de romeiros e romeiras seguirá em Nossa Senhora da Medianeira, que agora tem uma nova e oficial história para contar como Rainha do Povo Gaúcho.
Bens que fortalecem o legado de Medianeira
Você sabia que a Basílica da Medianeira conta com representações de Nossa Senhora em várias culturas e vindas de diversos países? Ou que graças a um cardeal patriarca de Lisboa, as imagens de Fátima e Medianeira já peregrinaram juntas pelas ruas de Santa Maria? Essas e outras histórias têm ganhado visibilidade a partir de uma parceria entre a Arquidiocese de Santa Maria (ArquiSM) e a Universidade Franciscana (UFN) iniciada em 2022.
Com o auxílio de professores e bolsistas do curso de História, o projeto de extensão Acervo da Basílica Nossa Senhora Medianeira: organização e pesquisa busca higienizar, catalogar e registrar coleções do acervo. Em abril deste ano, os primeiros resultados da iniciativa foram apresentados em uma exposição no hall da UFN, atraindo a curiosidade e admiração da comunidade santa-mariense. Veja também como o projeto de extensão tem contribuído para o crescimento profissional dos participantes.
Acervo
Criado em 2007 durante a gestão do padre Bertilo João Morsch, que hoje é Bispo Auxiliar de Porto Alegre, o acervo da Basílica faz parte do Memorial de Nossa Senhora Medianeira.
Durante anos, o espaço localizado na Cripta da Basílica recebeu visitas de pessoas de Santa Maria e região. A responsável pelo acervo é a professora de história e especialista em museografia e patrimônio cultural, Débora Duval Braga. Conforme a especialista, a parceria entre a ArquiSM e a UFN busca qualificar ainda o espaço.
– Eu sabia que existia esse acervo com um potencial enorme. Então, conversei com o padre Cristiano. Ele me pediu para ir atrás e ver se a Universidade Franciscana aceitaria fazer uma parceria conosco. Conversei também com o curso de História, na pessoa da professora Roselâine, para ver a disponibilidade. Tanto o padre Cristiano, quanto o arcebispo Dom Leomar, tiveram a sensibilidade de valorizar o acervo – afirma Débora.
Após o período de tratativas, o projeto de extensão iniciou as atividades em maio de 2022, sob a coordenação da mestre em História e especialista em Museologia, Roselâine Casanova Corrêa. Ao Diário, ela detalhou as etapas percorridas pela equipe:
– No primeiro momento, visitamos o acervo com a Débora para saber o que tinha e quais eram as tipologias existentes. Depois, começamos a pensar no que iríamos higienizar primeiro. Iniciamos com o papel, que tem uma metodologia específica. Trabalhamos com missais, que são arabescos belíssimos*. A primeira equipe ficou encantada com o material, porque quando você retira toda a sujeira que há no objeto, ele aparece. O mesmo com metais. Lembro do primeiro estandarte, que é um dos mais antigos que tem aqui no acervo. Ele tem um suporte de madeira, com laterais de metal. A higienização da madeira é um tipo e a do metal é outra. Quando olhamos para as laterais, ficamos pensando no que iria resultar. Mas na medida em que os alunos iam fazendo a conservação preventiva, eles nos mostravam. É um trabalho minucioso, moroso e encantador.
Nos últimos anos, a equipe tem trabalhado no Laboratório de Análise e Conservação Histórica, instalado na Basílica da Medianeira. O espaço, que é restrito aos profissionais, conta com uma reserva técnica (RT), na qual são guardados os itens já higienizados e catalogados. Segundo Débora, até 1º de novembro, o acervo contava com 178 peças divididas por tipologia (tecidos, madeira, papel, metal, entre outras). O número, que ainda deve aumentar, é fruto de um processo com apuração e armazenamento de dados em forma física e digital, além de muita atenção aos detalhes.
– Se tem um livro e ele está grampeado, os grampos começarão a enferrujar, danificando aquele papel. Por isso, tomamos muito cuidado para não misturar as tipologias na hora de acondicionar e expor. Se for uma exposição temporária, temos que ficar monitorando esse objeto para ver se não está sendo afetado, porque tanto a luz natural quanto a de lâmpadas também podem agir sob os materiais, oxidando tanto papel quanto tecido. Estamos sempre monitorando – explica.
Museu
Os avanços realizados no âmbito do projeto resultaram em uma exposição no hall da UFN em abril deste ano. Na oportunidade, o público teve acesso a estátuas, estandartes, missais e outros objetos religiosos que permitem compreender mais sobre a devoção à Nossa Senhora. Com a coroação de Medianeira de Todas as Graças como Rainha do Povo Gaúcho, a ideia de criar um museu não é descartada.
– Não ficaremos apenas na questão de higienização e acondicionamento. Futuramente, quando tivermos o Museu, precisaremos entrar com ações educativas, além de entender como isso será ofertado para o público. Há todo um planejamento, porque esse é um projeto que lida com memória e identidade, não somente da Igreja Católica, mas também de Santa Maria e do Estado. Então, acho que esse memorial é de extrema importância – conclui Débora.
Você sabia?
O quadro de Medianeira que participa das trezenas e romarias é conhecido popularmente como “Mãe Peregrina”. A pintura foi produzida em 1952, pela irmã Angelita Stefani (1911-2005). O item foi encomendado devido a preocupação da Arquidiocese de que o quadro original (datado de 1930) fosse danificado. Quando não está ao lado do povo em caminhadas e momentos de reflexão, a imagem de Medianeira pode ser visitada na Cripta do Santuário Basílica da Medianeira.
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