Histórias natalinas relembradas

Era perto do Natal. O avô falou para o filho que precisava ir ao centro.

-Mas pra quê, pai?

– Pra aproveitar que o povo anda menos nas ruas e o ônibus quase vazio… Vou comprar o colírio para meu olho- mentiu- pelo desaforo da pergunta. 

Teve sorte, assim que chegou à parada, o ônibus apontou na esquina.

No centro, foi se orientando pelas lojas… Muitas fechadas, pois era cedo ainda. Mas a que ele precisava estava aberta! Poucas pessoas. Veio um magrão lhe atender.

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– Mas o senhor não é o jogador aquele… O melhor Meia-Esquerda que conheci dos anos setenta e poucos? O… o… o …- tentou relembrar sem sucesso o nome do jogador.

-Rapaz!-falou o inquirido- Faz um bocado de tempo que não sou lembrado como jogador!… -O povo tem memória curta! -retrucou o homem- enquanto lhe trazia uma cadeira, pois viu que o ex-jogador estava cansado. -Bons tempos aqueles… -murmurou o velho- Mas como tu me reconheceu com esta quase barba de Papai Noel? Pensei que eu estava irreconhecível! 

O outro riu:

– Sou bom fisionomista! E meu pai foi jogador de futebol e meu irmão mais velho e eu íamos ao campo… Mas, cedo, o pai viu que nenhum de nós tinha jeito para o esporte, e ele também, não sei por que largou o futebol… Eu enveredei nas vendas! – disse sorrindo – E o mano é Médico Oftalmologista. Enquanto conversava tentava relembrar o apelido do jogador. Pediu a um empregado que trouxesse as bolas melhores que tinham. Achou que era uma indelicadeza perguntar novamente o apelido. Uma falta de respeito, mas ficou “chutando” mentalmente:

-“Solapa…Caçapa…Batata” -Não, não era nenhum desses nomes, mas que tinha apelido… Ah! Isso tinha! 

De repente, lembrou que pelo jeito o homem podia ser o jogador que seu pai havia machucado de propósito num longínquo campeonato citadino… E o pior é que seu velho lembrara do fato até antes de morrer. Falava com certa tristeza da besteira que fizera na vida, batera de propósito na cabeça do adversário, bem no olho esquerdo e nunca mais soubera do outro…

O senhor foi escolhendo as chuteiras, e o dono da Loja informou ao ex- jogador, se queria parcelar a compra, que tinham carnê para as pessoas que não possuíam cartão, e perguntou para quem era a bola.

– Para o neto mais velho. Os outros ainda não jogam, são pequenos… Mas quem sabe, um dia, né? 

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O magrão alcançou uma ficha para o garoto se inscrever no “peneirão”, que aconteceria nos primeiros dias do outro mês e a Loja também era Patrocinadora…

Desenhou uma estrela num cantinho da ficha para diferenciá-la das outras. Talvez o guri fosse bom como o avô fora… E afinal, era quase Natal e logo Campeonatos de Futebol e clubes à procura de jovens jogadores. 

O velho acariciou a bola que lhe foi alcançada, cheirou, apertou, aproximou-a do olho direito, apreciou o desenho, reparou que os pontos da costura eram invisíveis. Talvez costuradas de outra maneira que aquelas que ele jogara em outros tempos, costuradas manualmente em alguns presídios.

O outro era bom observador, notou quando o velho examinou a bola com o olho direito bem pertinho… Lembrou dos cartões que o irmão lhe dera sobre suas especializações.

-Afinal, era quase Natal, não custava nada tentar arrumar “jogadas” tristes da vida.

Foi feita a nota, facilitado o parcelamento- um par de chuteiras e a bola de couro.

O senhor colocou o carnê e o cartão na carteira velha junto com a ficha que o homem da loja lhe dera para o neto.   Saiu feliz, devagar com a sacola bem apertada embaixo do braço, pensando… 

-O povo tem memória curta mesmo, mas talvez quando meu neto for famoso pode ser que alguém se lembre do meu futebol…E esqueçam o apelido detestável, principalmente por uma realidade que escondia de todos a vida inteira, o problema que lesionara seu olho.

– Chega disso!-falou pra si – Tenho netos e agora vou virar Papai Noel!