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Fechada há um ano, Rua Sete de Setembro coleciona queixas e prejuízos

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Pedro Piegas (Diário)

Há um ano, a Rua Sete de Setembro, no Bairro Perpétuo Socorro, passou a ser uma via que consta, basicamente, apenas no mapa. Perdeu o sentido próprio do que é uma rua. Ou seja, de dar e ajudar na trafegabilidade, de auxiliar no ir e vir e, principalmente, de ligar a Região Norte com o centro da cidade. Em 11 de janeiro de 2019, a prefeitura colocava blocos de concreto para sacramentar o fechamento da rua. A medida, à época, observava a uma decisão judicial - de ação que se arrastava desde 2015 - e que, se não cumprida, poderia raspar R$ 15 milhões dos cofres da prefeitura em um eventual descumprimento.  

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Frente ao risco de ter as finanças inviabilizadas, o Executivo municipal, ainda em 2018, viabilizou um acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para suspender a possível multa. Ou seja, a tradicional rua (por onde passa uma linha férrea) e que é rota para quem busca a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e o Hospital Casa de Saúde, transformou-se "em uma sombra, em um remendo de rua". A definição é dada pelo empresário Antonio Palharini, dono de um posto de combustíveis que fica no endereço.

Acontece que, nesses 365 dias, o sentimento de lojistas, comerciantes, empresários e de parte da população é que o assunto parece esquecido. E, mais, sem margem para qualquer revés. Neste meio tempo, os moradores e, principalmente, os comerciantes viram seus negócios minguar e encolher. Ajustes nos quadros próprios, demissões, estoques não tendo vazão, lojas e comércio atingidos: com pouca ou nenhuma procura.

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Um somatório de situações que se desdobra em descontentamento, incredulidade e descrença que o cenário venha a ser revertido. Aliás, até mesmo o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB), que se criou no bairro e que vai com frequência à Rua Sete, onde os seus pais moram, sabe do tamanho do problema. E, não raro, ouve cobranças e, nos dias seguintes ao fechamento da via, foi xingado por moradores e comerciantes.

- Lá (na Rua Sete), está a minha história, o DNA, o núcleo da minha família. Também me solidarizo a tudo que essas pessoas estão passando - diz o prefeito.

IMPACTO ECONÔMICO
Outra grave consequência, nesses 12 meses, é que a rua se vê frente a uma realidade igualmente preocupante: um encolhimento considerável do chamado comércio familiar (próprio daquele entorno), sumiço do consumidor de alguns estabelecimentos que chegam a contabilizar perdas de público e de lucro em mais de 50%.

E, principalmente, o mais grave: o fechamento de postos de trabalho. Miguel Passini, que é advogado do chamado "grupo de empresários da Sete", afirma que há um levantamento próprio que aponta para um cenário preocupante. Ao longo desses 365 da medida que impactou um dos bairros mais antigos da cidade, são, até agora, 30 estabelecimentos no epicentro de uma crise que já demitiu, pelo menos, 50 pessoas:

- Não se trata só do fechamento da Rua Sete, o que por si só, já é algo terrível. Mas impactos na economia de um bairro que tem como característica o comércio familiar.

Em tom de ironia, Passini diz que agora está sendo "celebrado o primeiro ano" do fechamento da rua e diz que o convite está aberto à classe política:

- Vai ter bolo para comemorar a ineficiência do poder público de lá atrás, que fez o que fez, e para cobrar este governo que ainda aguardamos uma resposta definitiva.  

A ORIGEM
Ainda em 2004, o então prefeito Valdeci Oliveira (PT) firmou um convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a construção do que viria a ser o Viaduto da Gare. A obra teve um custo de R$ 5,9 milhões. Deste valor, R$ 4,7 milhões foram aportados pelo próprio departamento e os R$ 1,2 milhão restantes foram contrapartida do Executivo municipal.

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Porém, como contrapartida - apresentada pela própria prefeitura - ficava prevista a construção de um muro na rua de forma a separar os trilhos da via. A obra foi concluída em 2010 e deveria ter sido erguido o muro na via, o que nunca ocorreu. Decisões judiciais (de primeira e segunda instâncias), neste período, se desenrolaram. E todas foram favoráveis ao Dnit para a construção da barreira.

"Alguma resposta precisa ser dada à sociedade", diz prefeito 
O prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) é enfático ao dizer que, neste período de um ano em que a rua foi fechada, o poder público municipal "jamais se manteve de braços cruzados ou foi leniente". O político admite que há, sim, dificuldades e entraves que envolvem a reabertura da via. Pozzobom afirma que não se trata de "fazer uma caça às bruxas" ao que aconteceu, no passado, com a Rua Sete de Setembro, mas ele não esconde o descontentamento com o que fora feito lá atrás:

- No meu entendimento, jamais (a prefeitura, à época) poderia ter firmado esse convênio da forma como se deu. A população, lá atrás, deveria ter sido escutada e não foi. Será mesmo que a sociedade precisava pagar um preço tão alto como esse com o fechamento de uma rua? Não nego nem questiono a importância que se mostrou a obra do Viaduto da Gare, mas faltou transparência aos atos.

Pozzobom, que por mais de 35 anos morou na Rua Sete (onde até hoje os pais dele residem), reconhece que "os prejuízos econômicos e sociais são sérios e preocupantes":

- Somos sabedores do encolhimento do comércio local, dos postos de trabalho que foram fechados. Tudo isso é do nosso conhecimento e nos aflige. Sem dizer, é claro, do prejuízo à história de Santa Maria. É algo irreparável e que não tem preço. Alguma resposta terá de ser dada, ainda neste ano, à sociedade. Seja ela (resposta) positiva ou negativa.

O tucano afirma que, no próximo mês, irá de novo até a capital federal para ver o que o Ministério da Infraestrutura tem de atualização quanto ao caso.

"Eu não fechei a Rua Sete", diz o ex-prefeito Valdeci Oliveira
No epicentro de quase todas as falas com críticas, seja do empresariado quanto da gestão Pozzobom, está o ex-prefeito Valdeci Oliveira (PT, 2001 a 2008), que firmou, em 2004, o convênio que possibilitou a construção do viaduto da Gare e que tinha como contrapartida o fechamento da Rua Sete com a construção de um muro.

Valdeci, que atualmente é deputado estadual, refuta o rótulo que tenha sido dele a culpa ou a origem do problema. O petista lembra que, à época, o aporte de recursos do Dnit para a obra se mostrava em uma possibilidade de contemplar aquela região da cidade e, inclusive, de desenvolvimento ao município.

- Me orgulho de ter conquistado os recursos que viabilizaram essa obra, uma reivindicação de mais de 40 anos da região norte. Outros municípios do país disputaram esse recurso, e Santa Maria foi a vencedora. A minha gestão não chegou a inaugurar esse equipamento público, pois a obra, que era bastante complexa, foi concluída em 2010, e o nosso mandato terminou em 1ª de janeiro de 2009 - lembra Valdeci.

O ex-prefeito reforça que, quando se efetivou o projeto (do Viaduto da Gare), ainda no começo dos anos 2000, havia o entendimento de que não se tinha necessidade de bloqueio da rua:

- Havia o entendimento entre as partes envolvidas de que existindo um projeto de segurança e de sinalização qualificado no local, não haveria necessidade de bloqueio na Rua Sete, uma exigência técnica do Dnit, após a construção do viaduto. Isso foi reforçado, tempos depois, no dia 17 de novembro de 2015, durante reunião realizada em Brasília, na sede da ANTT. No encontro, foi acertado que a prefeitura elaboraria um projeto de sinalização e segurança para substituir a necessidade de fechamento, solução adotada, inclusive, em outros municípios do país. Porém, a informação que temos é que o Dnit não recebeu até hoje algo a respeito. Ou seja, ou o projeto de segurança não foi elaborado ou não foi entregue.

AVALIAÇÃO 
Valdeci sustenta que a atual gestão teria contribuído para esse desfecho: 

- Tivemos conhecimento de que o Dnit, em pelo menos quatro oportunidades, solicitou ao município que apresentasse um projeto alternativo ao fechamento da rua. O próprio órgão se colocou à disposição da prefeitura, em 2018, para auxiliar na elaboração do projeto de segurança. Porém, o Executivo não teria se manifestado. Ao se analisar esse documento, temos a impressão de que o fechamento partiu muito mais da própria prefeitura do que do órgão federal.

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PESSIMISMO
Da esquina das ruas Sete de Setembro com Marechal Deodoro, o empresário Antonio Palharini, dono de um posto de combustíveis que fica no endereço, viu quando se iniciou a movimentação, ainda em 11 de janeiro de 2019, para o trancamento da via. A cada vez que para e pensa nos desdobramentos que levaram a esse cenário, Peninha, como é conhecido, afirma que "não consegue achar uma linha de raciocínio lógica" que explique "tamanho absurdo": 

- Eu fico pensando, como pode alguém aceitar fazer uma obra (em referência ao viaduto da Gare) e achar normal, que a contrapartida, seja o fechamento de uma rua?

No endereço desde 2009, Peninha afirma que foi para o local "sem jamais imaginar" que a via poderia ser interrompida. Neste um ano frente à nova realidade, o empresário ajustou o quadro de funcionários. Passou de 11 para oito. Ou seja, viu-se forçado a realizar três demissões.

- Estou aqui (na Rua Sete) há mais de uma década e, sem dúvida alguma, esse é o pior ano de todos - resume o empresário, que afirma que, desde o fechamento da Rua Sete, contabiliza uma diminuição de 40% no número de veículos que vai até o posto de combustíveis.

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Peninha se arrisca a fazer "um exercício de futurologia" para a situação da rua:

- Foram 15 anos até o fechamento da via. E, não duvido, que leve o mesmo período até que se tenha a reabertura dela (via).

Na quadra debaixo, da Rua Sete, por onde passam os trilhos da ferrovia, Laudir Milbradt Jr., empresário e dono de uma lavanderia, também viu os negócios da família - iniciados na década de 1990 - serem impactados. Segundo ele, a queda no movimento da clientela é de 10% e a perda de receita chega a 15%. Sendo que, há um ano, a lavanderia empregava 26 funcionários. Hoje, são 23. Foi necessário demitir três colaboradores.

- Acredito, sendo bem sincero, que haja falta de vontade política. Não vejo esforço em busca de uma solução. Me parece que a prefeitura quer levar o crédito (na reabertura) e o Legislativo também. Não trabalham juntos nessa causa - avalia.

O também empresário Diego Araújo, dono de um hotel que fica na quadra abaixo dos trilhos, amarga 40% de queda de receita e também de procura junto ao hotel da família. Reinaugurado em 2018, após três décadas de desativação, o hotel foi totalmente repaginado com amplas reformas e hoje oferece 24 quartos. Porém, todo o investimento feito por ele não foi recuperado em função da obstrução da via que tirou o hotel da rota de quem busca hospedagem. Hoje, são quatro funcionários. Ano passado, uma pessoa foi demitida em decorrência das dificuldades.

DESCONHECIMENTO    
Uma situação une os empresários e comerciantes ouvidos pela reportagem. Nenhum deles sabia da necessidade de trancamento da Rua Sete de Setembro como contrapartida para a construção do Viaduto da Gare.  

Situação que é endossada por Miguel Passini, que representa um grupo de empresários da Rua Sete. Passini avalia que faltou, à época, pela prefeitura, "uma posição transparente e de dar publicização aos atos":

- Ninguém, à época, sabia que isso (fechamento da Rua Sete) aconteceria. Todos foram pegos de surpresa. E o resultado disso tudo está aí. Não se quer buscar culpados ou olhar para trás, mas o que se quer é que a rua reabra.

LINHA DO TEMPO

  • A questão da Rua Sete de Setembro começou em 2004, na gestão do então prefeito Valdeci Oliveira (PT)
  • À época, foi firmado um convênio do Executivo municipal com o Dnit para a construção do chamado Viaduto da Gare (alternativa segura de ligação do Centro com a Região Norte, pois até então, o trânsito pela Rua Sete ficava trancado, às vezes, por mais de meia hora, para que trens manobrassem no pátio da Gare)
  • Porém, em 2010, depois de construído o viaduto, a Rua Sete (por onde passa uma linha férrea) deveria ter sido fechada com um muro. O que era uma contrapartida ao novo projeto, mas nunca ocorreu
  • Há, desde 2015, decisões (de primeira e segunda instâncias) da Justiça Federal favoráveis ao Dnit pelo fechamento da Rua Sete. Ou seja, não cabe mais recursos à prefeitura
  • Em julho de 2018, a gestão Pozzobom (PSDB) chegou a pagar o valor de R$ 638 mil ao Dnit na tentativa de evitar o fechamento da via
  • Em janeiro de 2019, a prefeitura e o Dnit firmaram um acordo para que a Rua Sete fosse fechada, sob pena de o município ter de devolver mais de R$ 15 milhões ao departamento. O valor é o que foi aportado pelo Dnit para a construção da obra do Viaduto da Gare
  • A via é rota para a UPA e o Hospital Casa de Saúde
  • Ainda, segundo a Associação dos Transportadores Urbanos (ATU), a Rua Sete é rota de várias linhas de ônibus que transportam, por dia, cerca de 20 mil pessoas

AS TENTATIVAS DE REVÉS

Confira, abaixo, as principais fases do processo:

2019

  • 11 de janeiro - Fechamento definitivo da rua com a colocação de blocos de concreto
  • 24 de janeiro - Prefeitura encaminha ao vice-presidente Hamilton Mourão um ofício para que medie as tratativas de abertura da via
  • 8 de fevereiro - MPF encaminho documento à prefeitura e ao próprio Dnit ao alertar que "a reabertura da passagem de nível poderá resultar em ação de improbidade administrativa a quem lhe der causa" e considera que, caso isso ocorra, pode ser interpretado como "prejuízo ao erário público"
  • 5 de maio - Processo é extinto sem julgamento do mérito. E ainda a ANTT arquiva o processo também por haver um litígio judicial
  • 3 de junho - Prefeitura encaminha uma carta de intenções à Rumo Logística na tentativa de viabilizar um convênio de cooperação com a empresa. No documento, o Executivo municipal sinaliza a criar um plano municipal de segurança rodoferroviária que, basicamente, viabilizaria 10 passagens de nível, número que contabiliza as zonas urbana e rural. Porém, a Rumo não se manifesta formalmente sobre a proposta
  • 3 de outubro - Prefeitura apresenta pedido administrativo ao Ministério da Infraestrutura para viabilizar a reabertura da via

2020

  • 6 de janeiro - Na última movimentação do caso, o Ministério da Infraestrutura solicitou manifestação das partes - ANTT, Dnit e Rumo quanto à reabertura da via

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