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Ernesto Becker ou Beck? Grupo cria mobilização para corrigir o nome da rua

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Marcelo Oliveira (Diário)
Nas placas que denominam a rua é possível achar as duas versões: Becker e Beck

Em 1976 uma lei municipal outorgada pelo então prefeito de Santa Maria Dr. Arthur Pfeifer revogou um decreto de 22 de maio de 1928 que denominava uma rua da cidade como Aluizio de Azevedo. Desde então, o trecho que parte do Parque Regional de Manutenção, e segue até a esquina com a Rua Comissário Justo, passou a ter o nome de Ernesto Beck. Porém nestes 46 anos desde a renomeação, a artéria ficou popularmente conhecida como Rua Ernesto Becker, com ER no final.

O nome pegou tanto no vocabulário popular como também passou a ser adotado em correspondências nos endereços comerciais e placas de rua. Ao longo dos anos, a dúvida também esteve presente na redação do Diário. Foi a partir de um artigo publicado na edição impressa do jornal que o Coletivo Memória Ativa resolveu dar um fim a confusão que cerca o sobrenome do Coronel.

ERRATA HISTÓRICA
Em 11 de março deste ano, o colunista Francisco Queruz, da Plural, citou a rua em um artigo onde escrevia sobre a Semana de Arte Moderna de 1922. Na ocasião a grafia publicada denominou o local como Ernesto Becker. De acordo com o próprio autor, na hora de escrever ele chegou a pesquisar no Google a forma correta.

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- Realmente no Google Maps a terminologia usada era Becker, assim como já apareceu em reportagens e no próprio Street View aparecem as placas que mencionam Becker - relatou Francisco.

O Street View, tecnologia citada pelo colunista, é uma ferramenta do Google que possibilita ter uma visão panorâmica dos locais através de fotos reais das ruas. No recurso é possível encontrar diversas placas nas esquinas da Ernesto Beck onde a escrita está equivocada.

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Atentos a esse erro recorrente, os integrantes do Coletivo Memória Ativa buscaram corrigir o problema. O Memória é um grupo que atua na defesa do patrimônio cultural e arquitetônico de Santa Maria, e que conta com membros dos mais diversos setores. A primeira ação do coletivo foi solicitar ao Google a correção do nome da rua. Segundo a arquiteta Lidia Gomes Rodrigues, integrante do coletivo, apesar de o nome da via constar de forma correta nos mapas oficiais do município, no Google Maps, mais uma vez, tem-se o Becker presente.

- Nós procuramos maneiras de reverter isso. Começamos o processo no dia 11 de março e fomos atendidos em uma semana. Nós encaminhamos a lei de 1976 que instituiu esse nome - conta a arquiteta Lidia.

Conforme ela, mais de um membro do coletivo entrou em contato com o Google e após a solicitação ter sido aceita, a troca foi efetuada e quem pesquisar pela rua no buscador já encontra a escrita correta.

- Depois disso, através da Câmara de Vereadores nós solicitamos à prefeitura que fossem arrumadas as placas que ainda estejam com o nome equivocado. Isso é uma ação que faz parte do cultivo da memória - completa a arquiteta Lidia Rodrigues.

Nesta segunda etapa da mobilização, o vereador Ricardo Blattes (PT), que também é membro do Memória Ativa, encaminhou à prefeitura um pedido de providências. No documento, enviado em 23 de março, o vereador solicita a substituição das placas que identificam a Rua Ernesto Beck e estão com a grafia equivocada.

- Assim que houve a aceitação do próprio Google, nós fizemos um pedido para o município para que todas as placas referentes ao Coronel fossem retificadas. Eu tenho acompanhado o assunto desde o início - frisou o vereador Blattes.

O QUE DIZEM OS MORADORES?

Ernesto Becker é o correto. Pelo menos é isso o que diz grande parte de quem mora, trabalha ou transita pela via. Na rua, pedestres contam não conhecer o nome Beck. Em um hotel localizado entre a Avenida Rio Branco e a Rua Floriano Peixoto, os cartões, endereço no site e correspondências são em alusão à Rua Ernesto Becker, número 1816.

- Aqui sempre foi Becker. Os Correios entregam com endereço Becker, nós nem tínhamos consciência desse nome - confirma Lucas Viana, coordenador de recepção do hotel Dom Rafael. 

Quem confirma o uso do Becker é a Maida Dimperio, coordenadora de recursos humanos do hotel. Conforme ela, o equívoco está presente nos materiais publicitários e documentos da empresa.

- Nós vimos no Diário e nos pegou de surpresa. Vão ter alguns transtornos burocráticos para fazer essa troca, tem CNPJ e materiais impressos. Mas isso faz parte de uma história belíssima da cidade, então pra nós é colocar a mão na massa e fazer a troca - completou a coordenadora do hotel.

Na TV OVO, uma associação sem fins lucrativos localizada na Ernesto Beck, 1685, o erro está nas contas e até mesmo no CNPJ.

- A gente sempre soube que é Beck, mas há essa confusão em alguns registros. É quase que uma dupla identidade de endereços, nós temos documentos com as duas variações - contou Neli Mombelli, membro da TV OVO.

O engenheiro agrônomo Gilberto Righi tem casa na Rua Ernesto Beck há 40 anos. Nesse tempo ele viu o nome Becker se perpetuar através das placas e correspondências. Na escritura da casa a rua está correta.

- A nossa maior dificuldade hoje é que algumas placas constam como Becker e outras Beck. Todos os documentos antigos contam como Beck e hoje a maioria das contas e encomendas já vem com Becker, isso causa uma confusão - afirma o morador.

MAS AFINAL, QUEM FOI ERNESTO BECK?

A história de Ernesto Beck remete ao século XIX. Sua família veio da Alemanha para o Brasil em 1825. Ernesto nasceu em Santa Maria no dia 6 de outubro de 1841, fruto do casamento entre Elisabeth e Andreas Beck. Andreas estabeleceu uma fábrica e loja de calçados e na Rua Dr. Bozano.

Assim como o pai, Ernesto foi um comerciante e possuía um armazém nas zonas próximas aos trilhos da Viação Férrea. Conforme explica José Antonio Brenner, pesquisador em história, uma das situações mais marcantes que envolvem a vida de Ernesto Beck é a doação de uma área para a construção da Gare.

- Ele tinha concordado em ceder parte das suas terras para a abertura de uma rua para a estação, e depois voltou atrás. Assim foi visitado pelos vereadores e os recebeu de forma muito desrespeitosa. Então ele foi até bastante desaforado na época - explica o professor e pesquisador. 

Como condição para que o terreno fosse cedido, Beck exigiu que houvesse um desvio no projeto original da posição dos trilhos. A intenção era de que a rota ferroviária cruzasse pelo seu armazém. Esse fato provocou uma grande revolta na Câmara de Vereadores. O ocorrido foi registrado em atas, um exemplo está presente no livro Cronologia Histórica de Santa Maria e do Extinto Município de São Martinho, de Romeu Beltrão:

"Surpreendida (a Câmara) com a súbita mudança e falta ao compromisso assumido de ceder sem ônus algum para esta Câmara o terreno necessário para a abertura da rua; e mais a maneira brusca e acintosa com que o mesmo senhor (Ernesto Beck) [...] corporação inteira, desrespeitando-a; ora declarando ter cedido o terreno e finalmente negando o cumprimento do dever que contraiu da referida cessão do supradito terreno, concluindo por exigir a absurda concepção [sic], fora das atribuições desta Câmara, como dum desvio que da estação da estrada de ferro fosse ter ao seu armazém."

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Marcelo Oliveira (Diário)
Professor José Antonio Brenner conta a história de Ernesto Beck e da Viação Férrea

Ainda para o professor Brenner, o título de Coronel concedido à Beck partiu da atuação do mesmo durante a Revolução Federalista de 1893. No período, Beck comandou um núcleo de civis para conter o avanço dos revolucionários.

- Eu presumo que ele tenha sido chamado Coronel por ter exercido essa função, talvez tenha sido até um título da Guarda Nacional, como recebiam muitos daqueles que tinham alguma liderança e capacidade de reunir pessoas para lutarem em qualquer episódio que fosse necessário - completou Brenner.

Ernesto Beck faleceu aos 69 anos em dois 2 de fevereiro de 1909 em Cruz Alta.

E QUEM ADICIONOU O ER?
Anos após os acontecimentos que marcaram a vida de Ernesto Beck e mesmo com a polêmica envolvendo a doação de suas terras, o Coronel foi homenageado em 1976 com a nomeação da Rua Ernesto Beck. Mas o ER, conhecido popularmente pode ter sido adotado devido ao nome Becker ser semelhante e mais usual.

- Há uma tendência em nomes mais conhecidos, de que o Beck tenha sido transformado em Becker - comentou o professor Brenner.

O real fator que motivou essa troca é desconhecido. Entretanto, outra suposição levantada por Brenner é a semelhança do nome com o do antropólogo Ernest Becker. Ele, que é verdadeiramente Becker, foi um escritor e estudioso estadunidense e autor de livros como A Negação da Morte e Escape from Evil. Uma curiosidade: Ernest Becker recebeu o Prêmio Pulitzer em 1974 por A Negação da Morte, dois anos antes da lei municipal que criou a rua Ernesto Beck.

Esses fatos podem ter influenciado a criação do imaginário social acerca da rua. Ou, talvez, outras causas tenham motivado o erro. Um exemplo é a grafia incorreta nas placas, o que institucionalizou e reforçou a gafe.

O PROBLEMA SE REPETE
Em Santa Maria a confusão não é exclusiva da rua tema desta reportagem. Ao menos outros três locais passam por problemas semelhantes. A Rua Dr. Vauthier é uma que pode estar equivocada. Na internet, nas placas e em documentos o nome da via é escrito com inicial W: Wauthier. Apesar disso, conforme informado pelo professor José Antonio Brenner, a forma correta seria com V, igualmente ao sobrenome original da família.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
Rua Dr. Vauthier fica localizada na Vila Belga

Brenner explica que Gustave Vauthier, o doutor que dá nome à rua, nasceu em Bruxelas, capital da Bélgica. Ele foi uma importante personalidade na história de Santa Maria. Em uma pesquisa no arquivo da Câmara de Vereadores é possível encontrar as duas grafias no logradouro.

O documento mais antigo identificado é datado de 1952. Nesta lei, que regula a construção de passeios e calçadas no município, o nome da via aparece como Dr. Wauthier, com W. Já na lei 2983 de 1988, que oficializou a Vila Belga como patrimônio histórico e cultural de Santa Maria, está o V no início do sobrenome. Por fim, em um documento de 2011 aparece a citação "Rua Wauthier (nome não oficial)". Na pesquisa não foi possível encontrar a lei ou decreto de criação da via.

Na mesma região está situada a Rua Daudt, com problema semelhante. No arquivo da Câmara, ao menos 73 pedidos de providência foram enviados à prefeitura com o nome de Rua Daut. Além desses dois casos, quem pesquisar no Google Maps pelo distrito Arroio do Só, no interior de Santa Maria, vai se deparar com o Arroio do Sol, mais um erro que envolve a nomeação de pontos da cidade.

Buscando uma posição quanto a solução desses erros a reportagem entrou em contato com a Prefeitura que emitiu nota onde afirma que: "tem conhecimento desses casos em que os postes toponímicos nos logradouros municipais constam com os nomes das ruas com grafia errada". Ainda segundo o documento, a Secretaria de Mobilidade Urbana está verificando e avaliando cada ponto para que sejam feitas as devidas correções.

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