Áreas de risco em Santa Maria: 3 meses entre insegurança, resistências e a espera por uma nova casa

Foto: Beto Albert

Na casa da Josi Cardoso Ferreira, 43 anos, as rachaduras começaram a aparecer no início da chuva e têm aumentado a cada dia. O chão irregular e as frestas abertas na parede parecem materializar a insegurança deixada pelas enchentes. Para ela, é como se estivessem de mãos atadas. Ainda à espera de uma casa pelo Programa Aluguel Social, a cada pingo de chuva, o alerta e noites mal dormidas. O marido, pedreiro, vê de perto a estrutura da casa comprometida, mas a reforma não é uma alternativa, já que toda a Vila Santa Terezinha, onde residem há 10 anos, foi mapeada com alto risco geológico (R4). Três meses depois da enchente, das 250 famílias que viviam nesse local e em outras três áreas de risco (Canário, Churupa e Bilibio), cerca de 80 ainda permanecem.


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Essa é uma situação que se repete em outros cantos de Santa Maria circundados por morros e agora mapeados pela Defesa Civil como áreas de risco: Rua Canário, onde houve um grave deslizamento que matou duas mulheres, Vila Churupa e Vila Bilibio. São locais em que as consequências das enchentes, que completaram três meses no final de julho, se manifestam nas cicatrizes deixadas por deslizamentos que quebram a harmonia verde dos morros, más condições das estradas e no vazio deixado pela saída dos moradores. Conforme um levantamento feito pela reportagem do Diário, um número aproximado de 276 famílias foram notificadas. Uma parte delas ainda segue nos locais. Uns no aguardo de uma nova casa, outros sem intenção de sair.

Estamos na mesma situação há três meses. Está difícil conseguir casa porque o pessoal não aceita o Aluguel Social. Imobiliárias têm pedido três meses de caução ou fiador… Sabemos da insegurança aqui no entorno. Logo que começou a aparecer, meu marido dizia que era eu que estava achando coisa… mas eu notava que não tinha antes essas rachaduras. E agora, têm aumentado. E também a função de não querer trocar as crianças de escola – afirma Josi, que mora na Vila Santa Terezinha com o marido e os dois filhos, um de 5 e outro de 10 anos.

Na casa da Josi, as rachaduras aumentam a cada diaFoto: Beto Albert

A casa de Josi foi uma das 35 notificadas pela Defesa Civil após o laudo geológico apontar a área como de alto risco (R4). Até o final de julho, oito casas foram desocupadas e agora carregam na porta o aviso de “área interditada”. Nas ruas, os degraus criados a partir de movimentações do solo e as rachaduras na rua são evidentes e dificultam qualquer travessia. Marisete Costa da Silva, 45 anos, relata saber do risco e, por isso, a procura por uma casa nas proximidades tem sido parte da rotina. A falta de ônibus, que parou de circular nas áreas de risco e a estrutura da casa comprometida têm sido as principais dificuldades:

– Estamos aguardando as casas. Ninguém quer sair ainda, sem ter uma garantia. O Aluguel Social está difícil porque a maioria dos imóveis é apartamento e aqui não tem como. Tem os animais de estimação e as crianças que vão ter dificuldade para se adaptar… E a preocupação é grande porque vem mais chuva por aí.

Nessas áreas, monitoramentos têm sido feitos a pedido da Defesa Civil. Na quinta-feira (1º) pela manhã, o Diário esteve na Vila Santa Terezinha e acompanhou o trabalho de avaliação da área. O geólogo da prefeitura explicou que são feitos, principalmente, registros fotográficos, já que as evidências estão visíveis, como rachaduras, fios tensionados e aberturas no solo. Depois, são comparados com registros anteriores. Para o Diário, ele adiantou que ainda há movimentações intensas de solo, apesar de ainda não terem feito a análise do deslocamento em centímetros. Além das fotos, um GPS topográfico é usado para avaliação. O geólogo explica que o aparelho é colocado em um ponto de referência. Depois, a equipe volta para uma nova medição para ver se houve deslocamento. 



Tipos de risco:

  • R1 (Baixo): Drenagem ou compartimentos de drenagem sujeitos a processos com baixo potencial de causar danos e baixa frequência de ocorrência. 
  • R2 (Médio): Drenagem ou compartimentos de drenagem sujeitos a processos com médio potencial de causar danos, média frequência de ocorrência. 
  • R3 (Alto): Drenagem ou compartimentos de drenagem sujeitos a processos com alto potencial de causar danos, média frequência de ocorrência e envolvendo moradoras de alta vulnerabilidade.
  • R4 (Muito alto): Drenagem ou compartimentos de drenagem sujeitos a processos com alto potencial de causar danos, principalmente sociais, alta frequência de ocorrência e envolvendo moradias de alta vulnerabilidade.


Bilibio 

Na Vila Bilibio, moradores acompanham de perto a construção de um desvio alternativo. O local que fica próximo à BR-158, na subida para Itaara, agora mapeado pela Defesa Civil como área de risco, é mais um dos pontos circundados pelos morros da Boca do Monte e que agora apresentam riscos em seu entorno. Com as fortes chuvas registradas entre o final de abril e o início de maio, a rua ficou intransitável. No trecho, predominado por subidas e descidas, há deslizamentos de terra e rachaduras no solo que dificultam até mesmo as travessias a pé. Por isso, há três meses, um cavalete com o aviso de “área interditada” está posto na entrada da vila.

O acesso a Vila Bilibio está sendo feito por um desvio secundárioFoto: Beto Albert

Mapeada como de risco, a área tem 17 casas que foram notificadas pela Defesa Civil. Pelo menos, 10 famílias já deixaram o local. Mas quem fica precisa lidar com as dificuldades. Por quase 90 dias, moradores ficaram sem o principal acesso. Como alternativa, os donos de uma propriedade privada vizinha à Vila Bilibio cederam uma parte do espaço para construção de uma estrada provisória. Nos últimos dias, equipes da prefeitura trabalhavam para estabelecer o acesso.

Apesar disso, quem ainda permanece na vila convive com a procura de um novo lar, mesmo que o desejo seja por permanecer. Nas casas, a água foi restabelecida, mas ainda vem com sujeira em algumas casas. Para os moradores, nada é como antes.

– É complicada a situação. Algumas famílias saíram, mas outras não conseguiram casa pelo Aluguel Social. Fora que demorou quase três meses para sair essa rua. E tem que ver como vai ser quando vir novas chuvas. Então, não tá fácil aqui – afirma André Barbieri, 44, que ainda permanece na vila. 

André e a família, que residem na Vila Bilibio, procuram uma casa para alugar Foto: Beto Albert

Conforme o chefe do gabinete do prefeito, Alexandre Lima, laudos apontam que ainda há movimentações de massa (terra) na Vila Bilibio. Na área, dois laudos finalizados apontam trechos em R3 (risco alto) e R4 (risco muito alto). Nos próximos dias, em paralelo com a construção do acesso secundário, novas avaliações serão feitas no local:

– Apesar das notificações que fizemos e vamos voltar a fazer com a volta da chuva, as pessoas ainda seguem lá. Mas é preciso respeitar o tempo das famílias e também as soluções que os órgãos oferecem. A Bilibio nunca mais será a mesma, assim como as outras áreas de risco. Então, precisamos trabalhar a partir disso – afirma Lima.


A resistência de quem fica na Vila Churupa

O latido intenso de cães anuncia quem se aproxima da Vila Churupa. São eles uma das justificativas para a permanência dos moradores. Carine Lima, 32 anos, conta que não pensa em se mudar sem levar os animais de estimação e, até agora, não encontrou uma casa que comporte as necessidades da família. Nos dedos, a moradora conta os vizinhos que ainda permanecem no local. São por volta de sete.

Foto: Beto Albert

Na “rua de cima”, também na Vila Churupa, a resistência dos moradores a mudança. Apesar de partes da estrada desmoronadas, o movimento nas casas e o comércio da localidade persiste. Alguns moradores relataram à reportagem do Diário que não pensam em deixar o local, muito menos substituir a casa própria pelo aluguel.

A dona de casa Michele Aires da Silva, 28 anos, mora uma vida inteira na vila. Para ela, sair da Vila Churupa ainda não é uma alternativa:

Michele ainda segue morando na Vila ChurupaFoto: Beto Albert

– Alguns moradores do fundo saíram. Eu não estou indo atrás de casas, a minha intenção é ficar porque são anos… Meu irmão mora aqui na frente e meu pai do lado, é tudo família. A gente nasceu aqui, cresceu aqui e vamos morrer aqui. 


Na Rua Canário, a espera pela casa 

Foto: Beto Albert

Na entrada da Rua Canário, a placa que avisa sobre o risco geológico foi quase totalmente retirada. Sinal de que ainda há quem resiste aos alertas. No local próximo ao deslizamento que, em 1º de maio, tirou a vida de mãe e filha que tiveram a casa soterrada por avalanche de terra, ainda há entulho. No entorno, o vazio deixado pelos moradores que optaram por sair e o pouco movimento por parte daqueles que ficam. Conforme a Defesa Civil, mais de 130 residências foram notificadas e pelo menos 95 deixaram a Rua Canário.

A aposentada Regina Silva, 68 anos, é uma das pessoas que optou por permanecer. Há 30 anos na Rua Canário, ela conta que não houve danos na casa onde reside e, por isso, não se sentiu confortável para pedir o Aluguel Social, pois alega que pessoas precisam mais do que ela. Outro motivo está nas economias de uma vida inteira depositadas na residência. Em uma última reforma, gastou quase R$ 30 mil. Segundo ela, que conta nos dedos os vizinhos que ainda estão no local, algumas famílias se negam a sair.

Vou continuar aqui até sair as casas. Não tentei o Aluguel Social porque não perdi nada, não tem porque eu procurar. Mas quero sair… há anos que eu já tento. Estava juntando um dinheiro para ver se eu comprava outra casa.

No Morro do Cechella, as marcas do deslizamento de 1º de maioFoto: Beto Albert

Na Rua Canário, está o maior número de famílias contempladas pelo Programa Aluguel Social. Foram 134 atestados emitidos até 31 de julho, segundo dados da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária. A família de Lilian Pinto Xhabiaras, 32 anos, foi uma delas. Há dois meses, ela, o marido e as filhas saíram da Rua Canário e vivem uma nova rotina, com mais segurança.

Estamos melhor agora. As minhas filhas já estão adaptadas no colégio e a rotina tem sido mais leve. E já estamos bem organizados aqui, tudo do jeito que eu, dona de casa, gosto. Aqui, a gente tem expectativa de ficar de seis meses a um ano. E depois disso, esperamos uma casa – conta Lilian.

Lilian e a família realizaram a mudança em 16 de maio pelo Programa Aluguel SocialFoto: Beto Albert (Arquivo Diário)


Números do Aluguel Social nas Áreas de Risco

*até o dia 31 de julho

  • Rua Canário: 134
  • Vila Churupa: 40
  • Vila Santa Terezinha: 27
  • Vila Bilibio: 19 


Os meses seguintes

Para os próximos meses, o foco está na habitação – que pode ser considerada uma terceira fase de realocação das famílias em áreas de risco. O chefe de gabinete explica que a primeira medida foi a montagem dos abrigos e a segunda esteve na implementação do Programa Aluguel Social. Agora, o objetivo é a compra de casas.

Segundo Lima, 300 residências foram colocadas à disposição de Santa Maria pelo governo federal. Além disso, será feito o remanejamento de recursos que sobraram do PAC, no valor de R$ 21 milhões para a habitação. Nesses casos, a prioridade será pessoas que residiam em áreas com risco geológico.

– Como conseguimos executar as metas do PAC com valores menores e também tivemos um saldo de juros desses valores que foram aplicados ao longo dos anos, realocamos, dentro desse contrato, R$ 21 milhões. Agora, vamos enviar à Caixa Econômica Federal para aprovar e posteriormente, realizar a compra de habitação, de casas. Essa é uma exceção da cidade de Santa Maria – explica o chefe de gabinete. 


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