júri da kiss

'Eu vi tudo, vi acenderem o fogo', lembra vítima que perdeu o irmão no incêndio da Kiss

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Foto: TJRS (reprodução) 

O segundo depoimento desta quinta-feira no julgamento do Caso Kiss foi tomado por emoção. Vestindo uma camiseta com a foto do irmão Vinícius, morto no incêndio, a sobrevivente Jéssica Montardo Rosado chorou toda vez que falou do familiar. Vinícius foi uma das 242 vítimas que morreram, mas, antes, entrou várias vezes na boate e salvou outras 14 pessoas do incêndio. Após responder às perguntas do juiz e do Ministério Público, Jéssica passou mal e precisou receber atendimento médico para se acalmar. 

Jéssica narra que saiu de casa com o irmão por volta de meia-noite, acompanhada também de outros amigos. No momento em que o incêndio começou, ela estava em frente ao palco. 

- Estava quase colada no palco. Começou a tocar um funk, e foi daí que aconteceu tudo. Eu vi a hora que ele botou a luva (com o artefato pirotécnico). Eu vi tudo, vi acenderem o fogo. Primeiro o Luciano (Bonilha Leão) pegou a luva, colocou no braço do Marcelo (de Jesus dos Santos), e depois ele (o Marcelo) ergueu - descreve.

'Não teve alarme, iluminação de emergência, nem sinalização', descreve sobrevivente

Depois disso, Jéssica relata que viu o fogo iniciar. Em seguida, correu em direção à saída.

- Eu vi que o Marcelo colocou o microfone no chão e gritou. Ele olhou bem no meu olho e gritou: "sai!". Virei as costas, saí de onde estava e me direcionei para a porta. Tentei procurar o meu irmão, mas tinha muita gente. Alguém me empurrou e disse para eu sair. Eu só segui o fluxo. Só lembro a hora que cai entre as duas portas, levantei, corri de novo, e parei na frente do estacionamento. Olhei para trás e me apavorei, tinha muita gente saindo, um atrás do outro. Minha primeira reação foi ligar para os meus pais - lembra. 

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Foto: TJRS (reprodução) 

PERDA DO IRMÃO

Depois de conseguir sair da boate, Jéssica tentou retornar por duas vezes para encontrar o irmão, mas foi impedida. Ela conta ter ficado na esquina da Rua dos Andradas, onde ficava a boate, até por volta de 5h, quando recebeu a informação de que o irmão estava no hospital. Depois, por volta das 6h30min, recebeu a informação de que Vinícius morreu: 

- Não sei quem contou, nem o porquê, mas relatos de bombeiros e outras pessoas dizem que meu irmão salvou cerca de 14 pessoas, porque cada vez que ele ia (dentro da boate), voltava com dois. Ele voltou várias vezes e salvou várias pessoas. Eu queria ter feito mais por ele, mas não tive força - destaca, emocionada. 

Jéssica diz que se não fossem os civis ajudando a salvar vidas, como o irmão dela, o incêndio teria mais de 242 mortos. Até hoje, conforme a sobrevivente, a lembrança da noite do incêndio permanece muito viva, assim como a memória do irmão Vinicius:

- Ele me ensinou muito sobre viver, sobre ter empatia e respeitar a dor do próximo Ele jamais seria o mesmo se tivesse voltado para casa e visto a magnitude dessa tragédia. Eu não penso que eu perdi meu irmão, penso que ganhei ele por 26 anos (...) Não sei nem dimensionar a dor da minha mãe e do meu pai, assim como de outros pais e mães. Hoje eles lutam para que eu fique tranquila, viva de forma segura, mas, emocionalmente, ainda estão abalados.

RELAÇÃO COM RÉUS
Sobre os quatro réus do caso, Jéssica revela que já viu alguns deles depois da tragédia. A vítima recorda que Luciano Bonilha Leão, ex-roadie da banda Gurizada Fandangueira, encontrou o pai dela, chorou e deu um abraço. Fala também que viu o ex-sócio da boate Elissandro Spohr logo após o começo do incêndio, tentando retornar à boate. Perguntada pela defesa de Elissandro sobre o que sente em relação aos réus, respondeu:

- Seres humanos.

FISCALIZAÇÃO
Perguntada sobre a responsabilidade de órgãos públicos na fiscalização da boate, Jéssica entende que deveria haver responsabilização, mas não entende que houve culpa.

- Para nós, o que existe é responsabilidade da prefeitura, não culpa - afirma. 

A defesa de Elissandro Spohr também expôs reportagens para falar sobre a responsabilidade do poder público. Uma das matérias citadas foi do Diário, quando foram entrevistados dois delegados de polícia que comandaram o inquérito da Kiss. Eles disseram que "o banco dos réus deveria ser mais extenso".

PAIS
Os pais de Jéssica viajaram de Santa Maria a Porto Alegre para acompanhar a filha no depoimento. Antes de entrar em plenário, Ogier Rosado, pai de Jéssica e Vinícius, comentou sobre os últimos dias de espera pelo julgamento e a demora pelo júri:

- Houve um tempo em que as pessoas se acalmaram um pouquinho, mas desde que foi anunciado o julgamento, estamos há 10 dias falando, então não tem como o coração não ficar apertado. Entendemos que é uma fase que tem de ser concluída, precisa ser concluída. Tardiamente. E isso gera impunidade nesse país, essa demora, a morosidade da Justiça... são 9 anos. E com aquela sensação de que não vai terminar hoje, não vai terminar agora. A Justiça brasileira tem um código penal arcaico, de mais de 30 anos. Pelo que li, seja qual for a pena, se for muito severa, a defesa vai recorrer, se for muito branda, a acusação vai recorrer. Então, infelizmente, não vai terminar. Sempre dissemos que o mais importante é trabalhar para que não se repita, mas nesse tempo todo nada foi feito. Erros continuam sendo cometidos, jovens continuam morrendo e tragédias continuam acontecendo.

Ao lembrar do filho, que morreu na madrugada da tragédia, Ogier se emocionou:

- Volto a frisar, que não foi só o Vinícius. Muitos heróis salvaram gente naquela madrugada. Se as pessoas não tivessem voltado dentro da Liss, não estaríamos contando só 242 vítimas, estaríamos contando muito mais. Mas a gente fica tentando nos fortalecer no ato de coragem dele, se ele não desistiu, nós não vamos desistir. Nós vamos até o fim, mas confiantes que de alguma forma a justiça seja feita.

INTERVALO
O depoimento foi interrompido para o intervalo de almoço, às 14h30min. Era a vez da defesa de Luciano Bonilha Leão fazer as perguntas. O próprio advogado Jean Severo disse que não seria justo ele falar a jurados "cansados e com fome". O juiz Orlando Faccini Neto, então, decretou 40 minutos de intervalo.

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