Ouça a entrevista na íntegra.
Após uma semana da queda da ponte pênsil que causou a morte de um jovem e levou cerca de 40 pessoas às águas do Rio Mampituba, entre Torres e Passo de Torres (SC), muitas perguntas seguem sem respostas.
A queda da estrutura, ocorrida por volta das 2h50min de 20 de fevereiro, durante o feriadão de Carnaval, matou o caxiense Brian Grandi, 20 anos. Dois inquéritos estão em andamento para investigar o caso: um na Polícia Civil do Rio Grande do Sul e outro na Polícia Civil de Santa Catarina. Até esta segunda-feira (27), cerca de 30 pessoas, entre testemunhas, autoridades e familiares de Brian haviam sido ouvidas nas investigações.
O advogado Thiago Carrão, 39 anos, do escritório Carrão, Quartiero, Furlan e Advogados Associados de Santa Maria, representa cerca de 10 vítimas do rompimento da ponte, incluindo a família de Brian, que reside em Caxias do Sul. Carrão é natural de Três Passos, e mora em Santa Maria há mais de 20 anos. Ele estava na casa do sogro, em Passo de Torres, quando o acidente aconteceu. Em entrevista ao programa CDN Entrevista desta segunda-feira (27), ele afirmou que o principal objetivo da assessoria jurídica das vítimas e da família de Brian é responsabilizar os agentes públicos e apontar eventuais omissões que possam ter ocorrido na manutenção e na fiscalização da ponte.
– A primeira coisa que falaram foi que tinha mais de 100 pessoas em cima da ponte. É estruturalmente impossível ter tantas pessoas em cima da ponte. Como que se salvam 30, 40 pessoas? Onde estão as outras 60? Foi criado essa ideia, de extrema má-fé, tentando colocar a culpa nos jovens, e dando a entender que a culpa foi de quem estava lá na hora – afirmou Carrão.
O advogado chama atenção ao fato de a ponte ter sido fechada no Natal e Ano Novo, e não ter sido fechada ou mantida sob monitoramento contínuo durante o Carnaval. Na CDN, Thiago contou que Brian teria atravessado a ponte para pegar a bicicleta que estava estacionada no outro lado.
– O jovem Brian deixou a bicicleta amarrada de um lado e atravessou a pé a ponte pênsil. Ele só atravessou pela ponte porque ele tinha que pegar a bicicleta do outro lado. Se não, ele poderia ter ido embora de carona. Nós temos muitos apontamentos a serem feitos e as prefeituras foram extremamente omissas quanto a isso. Poderiam ter fechado a ponte, poderiam ter colocado fiscalização, pelo menos um fiscal balizando um número mínimo de pessoas ou dando uma orientação – disse Carrão.
Estrutura da ponte pênsil
Para o G1, o delegado Mauricio Pretto, responsável pela investigação na Polícia Civil catarinense, explicou que a ponte pênsil apresentava pontos de corrosão na estrutura, que é de madeira e fica suspensa por cabos de aço. De acordo com o investigador, uma análise preliminar da perícia trabalha com a hipótese de que a queda pode ter sido causada pelo estado de conservação da ponte, em conjunto com a superlotação.
Lado catarinense da ponte pênsil
Imagens da manutenção realizada no dia 17 de fevereiro, no lado catarinense da ponte.Fotos: Prefeitura de Passo de Torres (Divulgação)Imagens da manutenção realizada no dia 17 de fevereiro, no lado catarinense da ponte.Fotos: Prefeitura de Passo de Torres (Divulgação)Lado catarinense após o acidente. Fotos: Prefeitura de Passo de Torres (Divulgação)
Lado gaúcho da ponte pênsil
Imagens mostram a deterioração da ponte pênsil na extremidade pertencente ao município de Torres, no litoral norte gaúcho. Fotos: DivulgaçãoImagens mostram a deterioração da ponte pênsil na extremidade pertencente ao município de Torres, no litoral norte gaúcho. Fotos: DivulgaçãoImagens mostram a deterioração da ponte pênsil na extremidade pertencente ao município de Torres, no litoral norte gaúcho. Fotos: DivulgaçãoImagens mostram a deterioração da ponte pênsil na extremidade pertencente ao município de Torres, no litoral norte gaúcho. Fotos: DivulgaçãoImagens mostram a deterioração da ponte pênsil na extremidade pertencente ao município de Torres, no litoral norte gaúcho. Fotos: Divulgação
A estrutura tinha limite máximo de 20 pessoas, mas, segundo nota da prefeitura de Torres, cerca de 100 pessoas estavam no local no momento da queda. Perícias estão em andamento no Instituto-Geral de Perícias (IGP) e na Polícia Científica de Santa Catarina. Cada extremidade da ponte estava presa ao solo de forma diferente. Os cabos de aço que fazem a sustentação da ponte pênsil, no lado catarinense, são presas no chão, na lateral da escada de acesso. Já no lado gaúcho, em Torres, os cabos superiores estavam presos na ponta do pilar.
– Santa Catarina já informou que existe uma amarração feita de forma errada do lado do Rio Grande do Sul. Essa ponte pênsil estava na contagem regressiva para cair. Os peritos já falaram isso, que poderia ter acontecido com 60, 30, 10 ou cinco pessoas em cima da ponte. Ela iria cair uma hora porque não estavam corretamente ou adequadamente feitas as suas manutenções. O cabo estava desgastado, e a forma de amarração do lado do Rio Grande do Sul era diferente da do lado de Passo de Torres – relatou o advogado.
Segundo Carrão, a ponte de madeira, para passagem apenas de pedestres, era extremamente útil para as duas cidades. Em Passo de Torres residem muitas pessoas que trabalham em Torres, e fazem esse deslocamento diariamente para o município gaúcho.
Na madrugada do fato, uma festa de Carnaval foi realizada na Praça dos Pescadores, em Passo de Torres, nas proximidades da ponte sobre o Rio Mampituba. O evento estava previsto para ocorrer até 2h30min. Durante esse evento, a prefeitura da cidade catarinense informou ter contado com efetivo de segurança e acompanhamento de bombeiros e da Polícia Militar de Santa Catarina. O acidente teria ocorrido por volta das 2h50min, após o encerramento do evento, quando este efetivo de segurança já não estaria mais no local.
Manutenção e remoção
Há quase 40 anos, a ponte caiu pela primeira vez. Em dezembro de 1984, a estrutura cedeu durante o evento de inauguração. Dezenas de pessoas também caíram no Rio Mampituba. Ninguém ficou gravemente ferido, nem houve mortes.
O acidente mais recente ocorreu no dia 2 de fevereiro deste ano. Durante as festividades de Nossa Senhora dos Navegantes, o mastro de uma embarcação de pequeno porte atingiu a ponte, danificando as grades laterais. Conforme a prefeitura de Passo de Torres, uma manutenção foi realizada em seguida, e a ponte não chegou a ser interditada.
O Executivo do município catarinense afirma que a manutenção dos cabos de sustentação das cabeceiras e troca das pranchas de madeira vinham sendo realizadas com frequência. A assessoria informa ainda que a ponte não foi fechada durante as noites de Natal e o Ano Novo, mas que na época foram realizadas manutenções. No dia 17 de fevereiro, ocorreu a última manutenção preventiva do local com o reparo nos cabos, tirantes, tela e estrados.
A ponte foi removida no último sábado (25), por iniciativa da prefeitura de Passo de Torres. A contratação dos serviços para remoção ocorreu de forma emergencial e custou R$ 13 mil. A empresa contratada retirou os estrados de madeira com autorização da Polícia Civil, os cabos não foram mexidos por conta de uma investigação complementar. O objetivo foi atender à solicitação dos pescadores para passagem dos barcos pesqueiros, além de evitar acidentes com as pequenas embarcações que navegam pelo Rio Mampituba.
Conforme informações, a prefeitura de Torres não teria visto a necessidade de fazer a retirada da ponte de forma emergencial. À reportagem, a prefeitura de Torres informou estar aguardando os laudos oficiais da perícia para se manifestar. Conforme a assessoria de comunicação, foi prestado todo apoio à família de Brian Grandi por parte da Secretaria Municipal de Saúde e de Assistência Social.
O Bei questionou a prefeitura de Torres sobre quando teria ocorrido a última manutenção no lado gaúcho da ponte e também sobre o fato de o município não ter custeado total ou parcialmente a retirada da ponte pênsil. Em resposta, a assessoria afirmou não ter essas informações.
Remoção da ponte pênsil foi realizada no último sábado (25), por iniciativa do município catarinense. Fotos: Prefeitura de Passo de TorresRemoção da ponte pênsil foi realizada no último sábado (25), por iniciativa do município catarinense. Fotos: Prefeitura de Passo de TorresRemoção da ponte pênsil foi realizada no último sábado (25), por iniciativa do município catarinense. Fotos: Prefeitura de Passo de TorresRemoção da ponte pênsil foi realizada no último sábado (25), por iniciativa do município catarinense. Fotos: Prefeitura de Passo de Torres
“Elas têm um único objetivo, que é justiça, para que não se repita”, afirma advogado
O advogado Thiago Carrão informou que algumas das vítimas se feriram com maior gravidade em decorrência de terem caído em cima da laje de concreto. Ele relatou que o principal objetivo das vítimas que ele representa é a busca por justiça e para que um acidente, como esse que resultou na morte de um jovem, não se repita:
– Ninguém que me procurou até agora falou em indenização, mas, juridicamente, é possível, tendo em vista a gravidade do ocorrido. A principal busca, principalmente da mãe do Brian, é por justiça, mesmo sentimento que os pais da Kiss nutrem hoje. Que se identifiquem as prefeituras ou o agente público responsável, para que sejam punidos.
Além de buscar a responsabilização do poder público, o advogado afirmou que a realidade vivida pela mãe de Brian se assemelha aos pais de vítimas da tragédia da Boate Kiss.
– Parece longe, mas é muito próximo a nós, até porque muitos fizeram uma correlação com a boate Kiss. A nossa cidade tem essa cicatriz profunda em todos os corações e só os pais da Kiss, que perderam um ente querido, sabem o que essa mãe está sofrendo lá em Torres. Eles sabem também a revolta dessa mãe lá em Torres, pois ela sabe que essa queda poderia ter sido evitada, assim como a Kiss – considera Thiago.
Primeiras articulações para reconstrução
Conforme a assessoria, o prefeito de Passo de Torres, Valmir Rodrigues (PP), realizou as primeiras tratativas em busca de recursos junto aos governos estadual catarinense e federal para reconstrução ou execução de uma nova ponte. Em nota, o chefe do Executivo informou ter se reunido com o deputado estadual Zé Milton (PP-SC), na tarde desta segunda-feira (27) na capital catarinense, Florianópolis,em busca de apoio para reconstrução da ponte.