style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Alan Orlando (especial)
Um dia após a Ford anunciar o fechamento das fábricas e a suspensão de centenas de contratos com revendedores da marca no Brasil, uma mensagem no WhatsApp iluminou o semblante preocupado do empresário Carlos Costabeber. Proprietário da autorizada em Santa Maria há mais de três décadas, ele recebeu o recado com alívio. O texto curto, enviado por um alto executivo da montadora, era uma garantia do grupo norte-americano de que a revenda santa-mariense Superauto será uma das poucas a seguirem abertas no país. A empresa emprega 93 funcionários na cidade e em Bagé, onde também atua.
Em 11 de janeiro, a Ford comunicou que iria desativar suas três fábricas no país. A notícia abalou o mercado nacional de veículos. Trata-se da maior mudança nos 102 anos da presença da mais antiga fabricante de automóveis do mundo em solo brasileiro. A marca foi fundada em 1903 pelo engenheiro norte--americano Henry Ford - criador da linha de produção para fabricação de carros em larga escala. No Brasil, desembarcou em 1919, atuando como importadora de carros como o Ford Modelo T (o famoso Ford Bigode, apelido dado devido à presença de duas alavancas junto da direção, lembrando um bigode), passando por Corcel, Escort, Del Rey e os atuais Ka e EcoSport.
A partir de agora, os carros mais baratos sairão de linha. A Ford comercializará somente veículos de luxo, com destaque para a picape Ranger, uma líder de vendas no segmento.
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Sem os populares de até R$ 80 mil, dezenas de revendas autorizadas no país fecharão as portas e demitirão funcionários. O processo de indenização aos revendedores alcança a cifra de bilhões de reais. Poucas autorizadas seguirão em atividade, mas com foco exclusivamente no cliente disposto a desembolsar acima de R$ 160 mil por um veículo, como a Ranger ou a Territory, um SUV lançado em 2020.
Costabeber garante ser o caso da revenda de Santa Maria. O motivo é que lidera as vendas de Ranger no sul do país. O trunfo está na "capilaridade", informa. O termo é usado para definir as revendas que possuem filiais de alto desempenho em vendas.
AMPLO MERCADO
Além das lojas de Santa Maria e Bagé, a Superauto tem cinco terceirizadas em cidades como Santiago e São Borja - municípios de tradição agrícola e onde picapes são veículos do dia a dia.
- Fomos escolhidos para permanecer na rede pelo histórico de liderança, por ser o maior vendedor de Ranger do Estado, e a localização estratégica. Na nova configuração, ficaremos com quase metade do Estado - revela Costabeber.
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O diretor afirma que o objetivo é manter seu quadro de funcionários. Os vendedores terão a missão de cuidar do catálogo restrito de veículos da marca. Contudo, assumirão grande parte do Estado, desde as Missões até a Fronteira Oeste e a Campanha. Esse amplo mercado reúne cidades como Santa Maria, Alegrete, São Borja e Uruguaiana, totalizando 1,5 milhão de potenciais clientes.
ADMINISTRADOR E ROQUEIRO, UM OTIMISTA QUE APOSTA NA GRANDE REDE DE REVENDEDORES
Administrador de empresas e ex-professor, Carlos Costabeber tem 72 anos e é um santa-mariense otimista, defensor do desenvolvimento regional. Chamado apenas de Carlinhos pelos amigos, não raro viajava com recursos do próprio bolso para promover Santa Maria a investidores de outros Estados.
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Roqueiro, adotou Satisfaction, dos Roling Stones, como toque do celular. Nas paredes da revenda, há camisetas de bandas famosas. Ele se orgulha dos muitos shows que assistiu, entre eles do ex-beatle Paul McCartney. Outra parte da coleção está guardada.
- Meus filhos dizem que já tem camisetas demais nas paredes - conta, sempre sorridente.
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O usual otimismo com que lida nos negócios será posto à prova a partir de agora, com a mudança radical da marca para o qual é revendedor autorizado há mais de três décadas. Mas se mostra tranquilo. Tem números para justificar o sentimento. Em 2020, vendeu 288 picapes Ranger. Em 2021, a meta são 330.
- Capilaridade e pós-venda fazem a diferença. Estamos no meio do agronegócio, e com preços dos produtos agrícolas em alta - enumera Costabeber.
Em termos de receita, o impacto com a ausência dos carros populares não será tão grande. O empresário garante que as vendas da Ranger representam 60% do faturamento da revenda.
ÚLTIMOS CARROS SERÃO VENDIDOS ESTE MÊS, E ESTOQUE DE USADOS VAI SER AMPLIADO
Até o final de fevereiro, a Superauto deve zerar seu estoque de veículos zero quilômetro pela primeira vez desde a fundação, em 1983. No salão de exposição e nos estacionamentos da revenda às margens da BR-158, restam as últimas unidades de Ka e EcoSport à venda.
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Segundo a diretora comercial da Superauto, Giovana Costabeber, nenhum carro está sendo comercializado por encomenda. A maioria das unidades é de Ka 1.0, um dos mais procurados da Ford e que, agora, está se despedindo do mercado.
- A partir de fevereiro, virão apenas Ranger - diz Giovana.
Além da picape, a Ford comercializará o utilitário Territory e a Transit, um pequeno caminhão que é oferecido em três modelos: furgão, minivan e miniônibus.
- Teremos à venda apenas carros de R$ 170 mil a R$ 200 mil - informa a diretora comercial, reforçando que se tratam de modelos de luxo fabricados fora do Brasil.
Também haverá, por encomenda, o esportivo Mustang, clássico da marca que custa acima de R$ 350 mil. Como alternativa ao fim dos carros populares zero quilômetro, a família planeja ampliar o estoque de usados. Atualmente, a empresa vende apenas seminovos com até três anos. A ideia é ofertar também modelos mais antigos.
Costabeber tranquiliza os donos de carros da Ford na região e garante que a oficina autorizada seguirá funcionando normalmente, tanto para revisões quanto para consertos em veículos mais antigos. Por lei, a montadora é obrigada a seguir prestando assistência aos seus veículos por 10 anos. Para donos de carros da marca, uma possível falta de manutenção não é o que mais preocupa. O problema é não haver modelos mais modernos para substituir os atuais. A saída será buscar outras marcas de automóveis. Situação que levou o policial militar da reserva Vitor Borges, 54 anos, a negociar a revenda do seu Ka 1.5 à Superauto.
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O carro tem menos de dois anos de uso e é confortável e econômico. Porém, Borges precisa de um veículo automático, para facilitar para a esposa, que tem problemas na coluna. Na Ford, não existe mais essa opção.
- Nos próximos meses, vamos procurar outra marca. Que pena que a Ford está nesse situação no país - lamenta.
PARA FUNCIONÁRIOS, MISTO DE TRISTEZA E EXPECTATIVA COM O NOVO MODELO
Toda a equipe de vendedores da Superauto é formada por mulheres. Elas têm um "sexto sentido para os negócios", justifica o empresário Carlos Costabeber. Dos três filhos - dois homens e uma mulher -, é a caçula Giovana quem coordena as vendas de automóveis. Carlos Augusto, o Guto, é diretor executivo. Rafael coordena a área de tecnologia.
style="width: 50%; float: right;" data-filename="retriever">Na equipe feminina de vendas, a veterana é Roselaine Fortes, 57 anos. Há 22 anos, ela vende automóveis na Superauto. Nesse período, contabiliza por volta de 3,9 mil veículos vendidos.
- A gente se assustou, porque jamais esperaria, principalmente se tratando da marca Ford - revela a vendedora, já conhecida de muitos clientes como a Rose da Superauto.
- Nunca consegui me imaginar vendendo outra marca - confessa.
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Na oficina, o mecânico David Zurlo Pouey, 52 anos, cuida há mais de três décadas dos carros Ford. Ele se diz aliviado com a continuidade dos serviços, mas revela tristeza pelos muitos funcionários de revendas da marca no Estado que poderão perder seus empregos com o fechamento das concessionárias.
MONTADORA FALA EM REESTRUTURAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL
Em comunicado ao mercado sobre o fechamento das fábricas, a Ford diz que está promovendo uma "reestruturação de suas operações na região que permitirá ter um modelo de negócios ágil e sustentável no Brasil e América do Sul, apoiado em seus pontos fortes globais em SUVs, picapes e veículos comerciais".
A montadora diz que a indústria automotiva passa por um processo de transformação mundial impulsionada por novas tecnologias, especialmente veículos elétricos e autônomos. Isso irá mudar o mercado consumidor em poucos anos. Além disso, a pandemia da Covid-19 ampliou os desafios do negócio, com "persistente capacidade ociosa da indústria e redução das vendas na América do Sul, especialmente no Brasil".
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"Diante desse cenário, a Ford encerrará as operações brasileiras de manufatura nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Troller em Horizonte (CE) durante 2021. A empresa manterá sua sede administrativa para a América do Sul em São Paulo, o Centro de Desenvolvimento de Produto na Bahia e o Campo de Provas em Tatuí (SP), que continuarão a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias e produtos. Enfatizamos que a Ford continuará ativamente presente no Brasil e na América do Sul com sua ampla rede de concessionários, prestando assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia", informa o site da Ford.
Os veículos à venda no Brasil serão fabricados na Argentina e no Uruguai e em outros países.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Alan Orlando (especial)
Modelos de Picape e SUV que serão vendidos pela Ford no Brasil:
- Transit
- Mustang Mach 1
- Bronco
- Ranger
- Ka
- Ecosport
- Fusion
A FORD
- A Ford foi fundada em 1903
- No Brasil, desembarcou em 24 de abril 1919, inicialmente como importadora de carros fabricados nos Estados Unidos
- Tem fábricas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE)
- 6,1 mil funcionários trabalham no grupo brasileiro, número que irá mudar com o fechamento das fábricas
EM SANTA MARIA
- O Grupo Superauto foi fundado em 1983, em Santa Maria, pelo empresário Carlos Costabeber
- Tem 93 funcionários
- Conta com revenda em Santa Maria e Bagé, e mais cinco terceirizadas em Santiago, São Borja, Alegrete, São Gabriel e Santana do Livramento