
Foto: Divulgação
O jornalista e professor universitário Carlos André Dominguez seguiu os passos de povos ancestrais e escreveu o livro Peabiru – Do Atlântico ao Pacifico, pelo mítico caminho sagrado. No dia 23, quando lança a obra aqui em Santa Maria, Cadré (como é conhecido) revisita a cidade onde se formou e trabalhou como editor e colunista do Diário.
Diário - O livro resulta de cinco anos de pesquisa. O que te instigou para este assunto?
Foi na apuração de outra reportagem (Meiembipe, o Segredo de Sambaqui) que ouvi falar pela primeira vez do Caminho do Peabiru. Estávamos olhando umas gravuras rupestres na ilha do Campeche [Florianópolis], e o guia disse que, para os guaranis, aquilo indicava este caminho que ia do litoral de Santa Catarina até o Peru. Aquilo me incomodou. Eu nunca ouvira sequer falar disso. Daí, comecei a pesquisar. Buscar livros e referências. Descobri que o caminho era muito antigo e, sim, ligava o litoral do Atlântico com o Pacífico. E era pré-colonial, com possíveis mais de 2 mil anos. Fiquei fascinado na hora. As referências me levaram a outros jornalistas e pesquisadores do tema. E, aí, percebi que haviam muitas referências, muitas pessoas que buscavam e encontravam evidência do Peabiru. Aí, já não tinha como parar.
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Diário - Como achaste o fio da meada? Quantas entrevistas foram feitas?
Este fio da meada apareceu neste longo período de apuração inicial, que durou uns dois anos, quando percebi que iria contar a história das pessoas que de alguma forma se relacionam com o Peabiru. Seja os povos originários, que detém a sabedoria oral desta história toda, seja com pesquisadores, como arqueólogos e historiadores. Foram mais de 60 entrevistas com pessoas de diversas áreas do conhecimentos, lideranças guaranis, estudiosos autodidatas, pesquisadores de ponta. Fui tecendo estas idéias e lendo tudo que de alguma forma achava que pudesse ter relação com o tema e seus desdobramentos. Na verdade, é a história pré-colonial dos povos que viviam aqui, suas tradições, mitologias, costumes, ciência,. É cultura que ainda está aqui presente e precisa ser valorizada.
Diário - Visitaste o caminho?
Consegui percorrer a parte peruana do caminho, que se chama Qhapaq Ñan, em qéchua, do litoral Norte do Peru, em Trujillo, passando por Cusco, capital do império Inca, e indo até o lago Titicaca, centro da cultura Andina e que abriga ainda hoje parcela do caminho, que lá era feito de pedra. Percorri também o Paraguai e Brasil, passando pelo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A Bolívia ficou faltando, por conta do golpe de estado que ocorreu por lá naquele período.
Diário - Qual o impacto pessoal de se aproximar assim de uma história de milhares de anos?
Foi um impacto forte para uma pessoa apaixonada pela história e cultura dos povos originais do continente. Na apuração, a gente se aproxima destas pessoas que até hoje vivem no mesmo lugar sagrado. Conhecer de perto o povo guarani foi formidável. São pessoas que têm muito conhecimento de como viver em harmonia com o ambiente, sem produzir a destruição que vivenciamos hoje, como mostra o colapso climático que o decadente modo de vida ocidental jogou à força nessa região. A história deste genocídio humano e ambiental é a história do Caminho do Peabiru. E contar esta história é muito importante, pois o silenciamento é muito grande.
Diário - Como foi a construção dessa narrativa tão ampliada?
A narrativa em si foi construída como uma mescla de grande reportagem e diário de viagem, intercalada com depoimentos de especialistas e pessoas em geral que cruzaram o meu caminho em busca das evidência do Peabiru. Teve uma pandemia no meio do processo, o que permitiu aumentar a apuração remota, via rede, ampliando o universo da pesquisa. Também usei o tema em um pós-doc junto ao PPGCom/UFRGS, junto ao grupo de Pesquisa Imaginalis, do qual faço parte. Então teve aspectos teóricos e práticos, todos com o mesmo valor. A fala do líder espiritual guarani está ao lado da pesquisadora da Embrapa, que descobriu que a dispersão do milho no continente sul-americano foi pelo Peabiru.
Diário – E Santa Maria? Qual a tua relação com a cidade e a importância de lançar a obra aqui?
Minha relação com Santa Maria é muito grande. Afetiva e profissional. Além de ter trabalhado por muitos anos com Jornalismo na cidade, também estudei na UFSM. Além disso, é onde nasceram meus filhos e minha esposa. Fazer o lançamento do livro em Santa Maria significa muito. Foi onde me dediquei muito ao jornalismo e ao fomento da cidadania e defesa do ambiente. Também existe uma relação com os sítios arqueológicos de Pedra Grande (São Pedro do Sul) e Caemborá (Nova Palma, na Quarta Colônia). São locais onde existem gravuras rupestres e registros fortes da presença tanto dos guaranis quanto de povos anteriores a eles. E o Caminho do Peabiru está diretamente relacionado a estas imagens rupestres que sinalizavam os locais importantes para obter água, abrigo e comida. Santa Maria é uma cidade em caminhos múltiplos, um ponto de convergência de muitas rotas, inclusive a subida da serra e acesso ao planalto, caminhos pré-coloniais muito antigos.
AGENDE-SE
- O quê – Lançamento e sessão de autógrafos do livro “Peabiru – Do Atlântico ao Pacifico, pelo mítico caminho sagrado”
- Quando – 23 de outubro, às 18h
- Onde – Bar da Casa (Rua Barão do Triunfo, 995)