Lápis, papel e voz

Conheça manifestações literárias para além do livro

Arianne Lima e Mirella Joels

O conceito de literatura vai além de livros de diferentes gêneros ou daquela disciplina do colégio que tinha como tarefa de casa conhecer as obras de escritores que ganharam destaque nacional e internacional. A literatura estimula o que há de melhor na “arte em palavras” dentro e fora da Feira do Livro

Projetos, eventos e coletivos, que mostram as potencialidades da arte literária como o Sarau dxs Atrevidxs e o Coletivo de Resistência Artística Periférica (Corap), são a prova de que – embora essas manifestações não estejam dentro de um livro de capa dura –, elas tornam a palavra viva e ativa.

 
Sabendo disso, seriam eles os próximos a protagonizar os palcos das futuras edições da Feira?

Sarau dxs Atrvidxs

Foto: arquivo pessoal


Uma temporada em São Paulo no ano de 2013 bastou para que Karina Maia Dick, 39 anos, pensasse em criar o Sarau dxs Atrevidxs em Santa Maria, no dia 3 de maio de 2014. Na capital paulistana, a produtora cultural conheceu o Sarau Suburbano Convicto, onde conviveu com poetas, rappers, cineastas e escritores.

 
– Nos reuníamos em roda e recitávamos poemas, músicas e rimas. Havia também lançamento de livros de literatura marginal, que não chegavam às grandes editoras. Eu gostava de escrever, mas nunca mostrava para ninguém. Lá esse era o foco do encontro: trocar os escritos de forma falada e modesta – conta.


De volta a Santa Maria, ela encontrou amigos e outros artistas independentes que toparam apostar no evento em formato de sarau, onde todo mundo escreve e todo mundo lê. Poetas, artistas visuais e outros amantes da palavra passaram a participar do evento que, desde a escolha do nome, demonstra uma certa rebeldia literária, ao mesmo tempo que abrange todos os gêneros.

 
Além de organizar eventos, Karina segue expandindo o projeto em outras frentes. Uma delas é através de oficinas de escrita para o público infantil em escolas públicas de bairros periféricos e contações de histórias, carinhosamente chamado de Sarau dxs Atrevidinhos. Outra oficina que será realizada pelo projeto é voltada para mulheres que usam tornozeleira eletrônica. Esse projeto terá duração de dois meses e será ministrado pela professora, escritora e poeta Edinara Leão.


Já o Sarau tem as próximas edições previstas para ocorrer no Sebo e Livraria Farol, em parceria com o Sebo Camobi. O Sarau dxs Atrevidxs também deve ocupar o largo da Biblioteca Municipal, a Concha Acústica do Itaimbé e o Largo da Gare, ainda este ano.


Apesar de ter sido criado há nove anos, a participação do Sarau na Feira do Livro de Santa Maria é recente. Em 2021, eles fizeram parte da programação que celebra a leitura e a escrita na cidade e o Sarau dxs Atrevidxs ocupou pela primeira vez o Theatro Treze de Maio. Karina confessa que sentiu frio na barriga pela escolha do local:


– O evento é mais informal. As pessoas fazem a roda e leem ou declamam sem cerimônia. Ali no teatro, tem uma pompa. Mas a poesia é acolhedora e rolou muito bem. As pessoas adoraram. Até chamaram-me para fazer uma edição em 2022 e, veja só, estamos na Feira do Livro novamente em 2023. É uma grande conquista ter esse espaço – celebra.


Neste ano, o Sarau Dxs Atrevidxs vai fazer parte da programação da Feira do Livro, no dia 11 de maio, no Theatro Treze de Maio, com escritoras e poetas convidados, e com microfone aberto para que o público possa se inscrever na hora para recitar.


Entre rimas e versos

Foto: Nathália Schneider (Diário)


Criado na Zona Oeste, o Coletivo de Resistência Artística Periférica (Corap) contribui com o cenário cultural de Santa Maria desde 2010. Com o intuito de fortalecer a cultura Hip Hop e seus agentes no interior do Estado, o Corap vem se aproximando do público a partir das rimas e versos que ecoam de eventos como Guerrilha da Paz, Hip Hop na Pracinha e a tradicional Batalha dos Bombeiros.

Em uma tarde chuvosa na Praça Saldanha Marinho, a inserção destas manifestações em futuras programações da Feira do Livro se tornou o foco de diálogos entre o orientador pedagógico e produtor cultural, Fernando Britto, 29 anos, e o acadêmico do curso de Administração da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), João Batista Ilha, 24.


Enquanto integrantes do Corap, os jovens enxergam pequenas similaridades entre os livros disponibilizados e os blocos de anotações que guardam na mochila, com versos que falam sobre cotidiano, sentimentos e aprendizados.

– A parte literária e da escrita vem muito da escuta e de uma percepção do cotidiano. Tudo que não era palavra, mas acaba virando. Eu enxergo como uma expressão necessária, porque as coisas que estão ao redor são trazidas à tona, e o Hip Hop tem esse papel de ser uma expressão do cotidiano, mas, acaba sendo escanteado – comenta Britto.

Para a Revista Mix, ele relata ter começado a escrever em 2016, em Bagé, dando continuidade ao hábito em Santa Maria, quando veio cursar licenciatura em Filosofia na UFSM. No ano seguinte, as rimas começaram a ganhar destaque, rendendo convites para eventos. Apenas em 2020, Britto ingressou no coletivo, após participar de diversas atividades. Para o jovem, o desejo de estar no palco da Feira do Livro no futuro está atrelado à preocupação com a valorização efetiva do Hip Hop e das pessoas que fortalecem esta identidade.

– Acho que quando o artista está ali para mostrar a arte e chocar, as pessoas acham legal e bonito. Mas, e a valorização do sujeito em si ou o reconhecimento das dificuldades que aquela pessoa passa? Isso está sendo sanado? Está sendo amparado? Eu acho que é essencial que se ocupe este espaço da Feira do Livro, mas é importante que haja algo para além do cultural, que envolva as questões de políticas públicas, do preconceito e da própria gentrificação que acaba acontecendo nestes espaços – afirma.

Do papel para o mundo

Os olhos de João Batista Ilha brilham ao falar sobre as primeiras rimas e sua relação com a cultura Hip Hop. O santa-mariense, que escreve versos desde 2013 em cadernos antigos de aula, explica como funciona o processo de criação: 

 
– Eu sempre comecei pela escrita. Era ter uma ideia e querer colocá-la no papel, tangibilizar-lá. Então, acontece sempre assim. Surge uma inspiração e tento transformá-la em palavras, rimas, até dizer tudo que eu queria com aquela letra.

Desde fevereiro deste ano, Ilha é integrante do Corap. Para ele, a Feira do Livro pode ser uma oportunidade de desfazer antigos preconceitos.


– Às vezes, temos uma liberação formal para estarmos ocupando os espaços, mas na realidade, não temos a aceitação da população. O Hip Hop é uma cultura ainda marginalizada, de certa forma. Então, acho que estarmos aqui seria algo interessante para sermos vistos e entendidos – pontua Ilha.

No final deste mês, o Corap irá promover a 100ª Batalha dos Bombeiros. Conforme a organização, a programação deve ser divulgada em breve.

A Batalha dos Bombeiros iniciou em 2012 em Santa Maria como um espaço de participação popular e acima de tudo, de fortalecimento da identidade periférica no município. Desde então, a Praça João Pedro Menna Barreto, popularmente conhecida como Praça dos Bombeiros, é palco para diversas manifestações artísticas.

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