
Para Mônica Bencke Francisco, 25 anos, a queda de 12,9% para 12,3% do índice de desemprego no país referente ao trimestre terminado em julho não trouxe consolo, tampouco entusiasmo. Aliás, um dia depois da divulgação dos dados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a moradora da Vila Brenner, no Bairro Divina Providência, nem sabia do tal levantamento. Afinal, para Mônica, nada mudou. É que ela ainda está entre os 12,9 milhões de desempregados, e o que a jovem realmente quer é ficar perto do marido, que há um mês faz bico como pedreiro em Restinga Sêca, cidade a 60 km de Santa Maria. Ela também quer comprar uma máquina de lavar roupa, não atrasar o pagamento da conta de luz, nem ter de pedir dinheiro emprestado para comprar o básico no mercado. O sogro é quem tem ajudado com a comida. Nos últimos 20 dias, o marido enviou R$ 250 para ajudar no orçamento.
Já passa de três anos que Mônica trabalhou com carteira assinada À época, por estar empregada, acabou perdendo o benefício de R$ 127 do Bolsa Família e nunca mais teve de volta. No último verão, conseguiu um trabalho temporário, quando cobriu férias de outras auxiliares de cozinha. Eventualmente, uma amiga que faz faxinas a convida para ajudar no serviço e divide com ela parte do lucro que consegue. Ambas trabalham informalmente. Fato um tanto contraditório, já que faxineiro foi a profissão que mais gerou emprego nos últimos 10 anos, em Santa Maria. Na casa viabilizada por um programa habitacional, onde mora com o companheiro e o filho de cinco anos, várias vias do currículo ficam guardadas em uma gaveta da estante da sala. Uma vez por semana, enquanto o filho fica em uma creche municipal no período da manhã, ela vai até a agência do Sistema Nacional de Emprego (Sine). Não tem dado sorte, mas não desiste.
- Estou fazendo EJA porque não tenho Ensino Médio e a maioria das vagas exige. O problema que exigem experiência de trabalho, mas como vou ter? Quero fazer um curso, alguma coisa que me dê oportunidade a uma vaga e ter meu dinheiro, sair do aperto, que é até para comprar um botijão de gás. Também queria comprar uma máquina de lavar roupa que estamos precisando.
Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário segue com uma série abordando que temas aguardam os próximos governantes para Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado . Neste fim de semana, a terceira reportagem mostrará um panorama do desemprego.
NÃO HÁ MUITO O QUE FAZER

Segundo Fernando Ferrari, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Estado vive uma crise fiscal e econômica, o que acaba refletindo na Região Central. Na análise dele, é preciso uma grande reestruturação:
- Como os Estados da Federação possuem pouca autonomia de política fiscal, não há muito o que fazer. A redução seletiva e racional dos gastos públicos, parcerias público-privadas e privatizações, quando as empresas públicas não têm condições de reinvestir os lucros, são necessárias. Todavia, se o Estado não voltar a crescer sustentavelmente, o baixo volume de receitas continuará impondo restrições.
O produto desta conta são os empregos informais, a redução de vagas, o êxodo e, principalmente, a dependência do pequenos municípios em recorrer à União para seu próprio sustento. Em cidades sem infraestrutura e iniciativas empreendedoras, o cenário piora:
- Não teremos como manter um nível baixo de desemprego sem resolver questões estruturais, que passam pela adequação dos gastos de todas as esferas de governo. Sem resolver o problema fiscal, continuaremos repetindo os mesmos erros do passado, onde períodos breves de crescimento econômico acabaram em crise, instabilidade e aumento do desemprego - pontua Mateus Frozza, economista da Universidade Franciscana.
EM SANTA MARIA
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), das 20 profissões que geraram mais emprego em Santa Maria, apenas duas apresentam exigência de curso técnico completo ou em andamento para a possibilidade de contratação: técnico em Enfermagem e auxiliar de Contabilidade. O salário médio inicial dessas 20 profissões é de R$ 665,91 a R$ 991,11, possivelmente, porque inclui valores também de 10 anos atrás. A profissão de faxineiro foi a que teve o maior saldo na cidade, dos empregos com carteira assinada, no período de junho de 2008 a junho deste ano: foram criadas 2,5 mil novas vagas nesses 10 anos. Em 22 de agosto, o Diário trouxe uma matéria apresentando esse panorama.
De modo geral, empregos com baixa exigência do grau de escolaridade e com menor faixa salarial estão entre os maiores saldos. Ramiro Dutra Rodrigues, coordenador do FGTAS/SINE em Santa Maria, esclarece que, ainda, predomina o rodízio de vagas no comércio e na construção civil e lamenta os baixos salários:
- Tem que mudar a política monetária do Brasil, porque os juros que estão no mercado são altos. Nosso comércio e nossa construção civil estão retraídos, e o consumidor não tem poder de compra com os salários defasados em nossa cidade.
O Sistema Nacional de Emprego (Sine) é órgão do governo federal, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que tem por objetivo fazer a intermediação de mão de obra até a empregabilidade. Das 39 cidades da área de cobertura do Diário, 10 têm agências. Nos outros municípios, é por meio da prefeitura ou pelas secretarias de Assistência Social que informações ou vagas são informadas à população.
TOTAL DE DESEMPREGADOS
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na última quinta-feira, apontaram que o país está com 12, 9 milhões de desempregados. Se comparado ao mesmo período do ano passado, a redução na taxa de desemprego chegou a 3.4 %. Esses números não incluem pessoas que desistiram de procurar emprego, o que poderia alcançar cerca de 20 milhões. No Estado, são 494 mil, considerando o último trimestre. E em Santa Maria, economistas locais estimam que há cerca de 25 mil desempregados.
PEQUENOS MUNICÍPIOS NÃO SE SUSTENTAM
O Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que tem a maior proporção de cidades que são dependentes de transferências dos governos estadual e federal. Dos 497 municípios, 282 não geram receita suficiente para custear suas despesas. O problema é concentrado nos pequenos. Um levantamento feito pelos economistas Mateus Frozza e Thales Zamberlan Pereira, da Universidade Franciscana (UFN), constatou que, dos 39 municípios da área de cobertura do Diário, 24 têm menos de 10 mil habitantes. Desses, 17 não conseguem pagar os seus gastos, e a receita média não chega a 50% do que seria necessário.
O gráfico ao lado mostra o percentual que cada cidade arrecada relativo ao total da sua despesa. A diferença é a transferência que depende de outros recursos da União.
Em Unistalda, por exemplo, 85.66% das receitas são de transferências, ou seja, o município não tem capacidade para gerar arrecadação e se sustentar.
Com cobertor curto no orçamento, a dificuldade na geração de empregos é sintomática, embora poucos municípios tenham uma estimativa do número exato de seus desempregados. Em geral, são as prefeituras que absorverem muitos trabalhadores. Assim, o serviço público seguido da agricultura, pequenas indústrias e comércio são as principais fontes de emprego. Os problemas deste cenário se repetem:
- Cerca de 70 pessoas passaram pela prefeitura em busca de trabalho, e a prefeitura é a maior empregadora, com 230 servidores. Precisamos incentivar a vinda de empresas. Mas, fundamental é a melhoria de estradas de acesso, asfaltamento e sinalização - menciona Clovis Alberto Montagner, prefeito de Faxinal do Soturno, com 6.868 habitantes. Montagner acrescenta que a precariedade da infraestrutura da região é também a principal reclamação de todos os municípios da Quarta Colônia.
- Tem desemprego, mas não conseguimos precisar o número. Não temos indústrias. O que mais emprega são as cooperativas agrícolas, a agricultura, o hospital e a prefeitura. Grande parte dos incentivos é destinado à Região Metropolitana e não para cá, interior. Falta atratividade, infraestrutura... - completa Beto Turchiello, prefeito de Jaguari.
AUSÊNCIA DE PROGRAMAS
Com exceção de Santa Maria, a maioria das cidades da região tem fortes laços com a agropecuária, conforme pontua o economista José Maria Pereira:
- A falta de recuperação das estradas prejudica o escoamento da produção e aumenta os custos. A crise do setor público estadual tem levado a cortes e atrasos no repasse de recursos. Acredito que o Estado não tenha nenhum programa de criação de empregos, além de cursos profissionalizantes, que não resolvem o problema principal, que é a falta de criação de empregos novos. Isso só tem levado a mais trabalhadores qualificados desempregados. Além disso, os que são criados têm sido de pior qualidade, com salários mais baixos.
Nos últimos dias, o Diário procurou a assessoria de comunicação do Governo do Estado, por telefone e por e-mail, solicitando um levantamento de quais municípios têm vínculo com os programas Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem-RS) e Integrar-RS. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
VERÔNICA QUER MAIS CARNE NA GELADEIRA

A perda do emprego da dona de casa Verônica Câmara, 48 anos, impactou, principalmente, na hora de pôr comida na mesa. Os armários já não são mais cheios como eram seis meses atrás e, na geladeira, a carne tem sido um alimento raro e de luxo.
- O negócio é improvisar com o que tem. A gente se vira com ovos, arroz e feijão. No mercado, as coisas estão muito caras e, desde que fiquei desempregada, ficou difícil comprar carne ou alguma outra coisa diferente para fazer uma sobremesa no fim de semana - conta ela.
Moradora de São Sepé, Verônica trabalhava como atendente em uma lancheria e sorveteria. Ficava no estabelecimento das 11h às 14h e ganhava cerca de R$ 400 por mês, mas sem carteira assinada. Em fevereiro, o empreendimento fechou e, desde então, ela peregrina o comércio da cidade, mas não consegue se recolocar no mercado. Os filhos são quem ajudam a pagar a maioria das despesas, principalmente, o aluguel que compromete R$ 280 todos os meses. Um deles, de 15 anos, ainda mora com ela.
A única renda que Verônica consegue é como acompanhante de idosos hospitalizados, o que é esporádico. Há cerca de um ano, uma rede de supermercados abriu uma filial em São Sepé, mas Verônica não foi selecionada para uma das vagas. A desesperança com a cidade é proporcional a que sente em relação ao resto do país:
- Trouxeram gente de fora para empregar, em vez de dar oportunidade para nós. Já não tem indústrias e eu não consigo achar serviço. E, este ano tem eleições. Sei que não é o certo, mas vou votar em branco, pois esses políticos não fazem nada.
DA FALTA DE EMPREGOS À INFORMALIDADE

No país em que milhões de pessoas sobrevivem na informalidade, a repetição da prática leva a outras consequências:
- A perda do emprego obriga o indivíduo a viver de pequenos serviços, os "bicos", para completar o orçamento. Quanto mais a crise se aprofunda, maior a demora para conseguir um novo emprego, o que significa aumento da informalidade - explica o economista José Maria Pereira.
Verônica, por exemplo, que diz ter perdido o emprego, na verdade, perdeu uma renda fixa mensal, pois não estava regularizada e não tinha direitos trabalhistas assegurados.
Segundo sugerem os economistas Mateus Frozza e Thales Zamberlan Pereira, o cenário do mercado informal deve ser encarado como uma responsabilidade a ser cumprida tanto por empresas quanto pelo Estado.
- Geração de empregos é fundamentalmente dependente do setor privado. Como 50% das pessoas empregadas no Brasil trabalham em empresas com até cinco empregados, a função dos governantes é facilitar a contratação de trabalhadores e de quem sofre proporcionalmente mais com altos custos de contratação e demissão - afirmam eles.
Eles também mencionam que a alta informalidade é uma característica histórica no mercado de trabalho brasileiro, atualmente englobando quase metade dos trabalhadores. Desta forma, é responsabilidade dos governantes a criação de regras transparentes e isonômicas para incorporar essas pessoas ao mercado de trabalho formal.
O professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Ferrari Filho credita à queda da taxa de desemprego nos últimos meses ao mercado informal
- Hoje, as estimativas são de que a informalidade absorve cerca de 20% da mão de obra. Os incentivos ao emprego e a expansão dos investimentos privados estão relacionados à criação de um ambiente institucional favorável à retomada do crescimento, o que estamos longe. No Rio Grande do Sul, há um agravante: os setores empresariais e de trabalhadores pensam em seus interesses imediatos, bem como a sociedade gaúcha parece viver, nas dimensões políticas, sociais e culturais, em um ambiente permanente de Gre-Nal.
REPORTAGEM
Produção e textos - Pâmela Rubin Matge
Fotos - Charles Guerra, Leandro Ineu e Renan Mattos
Colaboração - Felipe Backes