reportagem especial

Desaparecidos: a dor e a incerteza de famílias que há anos aguardam notícias

Pâmela Rubin Matge*

Fotos: Renan Mattos (Diário)

Saudade, tristeza, esperança e revolta confrontam outra sensação comum a familiares e amigos de pessoas desaparecidas: incerteza. Ainda que algumas histórias tenham desfecho policial ou judicial, conviver sem nunca saber onde está aquele que se espera ou sem uma simples ligação é perder a noção da passagem dos anos, é a "morte a conta-gotas", o"luto impossível" . 

Diante do desconhecimento da própria sociedade em relação aos desaparecidos ou da fragilidade da estrutura da segurança pública, em março deste ano, o Judiciário gaúcho começou a trabalhar na implementação das diretrizes da nova Lei Federal nº 13.812, que institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e cria o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. A determinação é que seja priorizada a busca e localização de desaparecidos e que o poder público dê urgência a estes casos. Também deverá ser intensificado o trabalho interinstitucional dos órgãos que atuam nesta área. Bancos de informações públicas e sigilosas irão dar suporte para esse novo cadastro.

- Trabalhamos de forma integrada com o Corpo de Bombeiros. A equipe de busca com seus cães farejadores é excelente. E a Lei Federal 13.812, por meio da efetivação deste Cadastro Nacional tende a facilitar o nosso trabalho, pois otimiza tempo, recursos humanos e materiais. Policias de outros Estados podem auxiliar. Hoje, não temos um cadastro de desaparecidos atualizado no site da Polícia Civil, por exemplo - salienta Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) de Santa Maria.

CASOS EMBLEMÁTICOS

Nesta reportagem especial, mostramos a saga de quem ainda procura por desaparecidos, indica como proceder diante de um desaparecimento e traz o desdobramento de três casos emblemáticos de mulheres de Santa Maria e região: da mototaxista Elizete, desaparecida em janeiro de 2012; da jovem Daniela que saía de um baile e ia para casa no em julho de 2012 na cidade de Agudo, quando não foi mais encontrada; e Ana Lúcia que, há três anos, fazia uma viagem de rotina em direção a Santa Maria no próprio carro e não foi mais vista. 

A ausência delas desafiou investigações e deixou sequelas imensuráveis àqueles que ainda esperam por respostas.

Para quaisquer notícias sobre pessoas desaparecidas 

  • Dique denúncia Polícia Civil - 197
  • Polícia Civil de Santa Maria - (55) 3222-9478 e (55) 98423-6181 (somente WhatsApp)
  • Disque Direitos Humanos - 100

"EU SÓ QUERIA ENCONTRÁ-LA E, PELO MENOS, ME DESPEDIR"

As fotos de Daniela foram trocadas de lugar, o quarto remodelado e o "assunto" evita ser falado dentro de casa. Foi assim que a faxineira Celi Fuchs, 57 anos, mãe da jovem desaparecida, optou viver. Ela prefere manter na memória a última imagem da filha. Porém, para o resto do mundo, ela roga que o caso nunca seja esquecido.

- O que aconteceu com ela não pode acontecer com nenhuma família. Eu aguento por causa dos meus outros filhos, mas por dentro morri. Naquela tarde (28 de julho de 2012), saí de bicicleta, ela disse que ia fazer panquecas, depois ir para a casa da amiga e ir naquele baile. Foi a última vez que olhei para minha filha - conta.

Celi trabalha como faxineira e mora com o filho mais novo. A outra filha estuda em Santa Maria. Dias após o desaparecimento de Daniela, Celi deixou o companheiro. Há dois anos, tentou interromper seu tratamento com medicações contínuas e enfrentou um período de profunda depressão, tendo de retomar o uso de remédios.

Embora a Justiça tenha esclarecido o caso, condenando o culpado pelo desaparecimento, Celi não perde a esperança de um dia, se despedir de Daniela:

- Nunca foi achado nada, nem uma correntinha, nenhum pertence, nada. A incerteza me consome. Eu só queria encontrá-la e, pelo menos, me despedir. Eu queria olhar nos olhos daquele homem, ir nos presídio e perguntar onde está minha filha, mas não vão me deixar. No júri, ele ficou com a cabeça baixa. Eu sou grata por tudo que o advogado, a comunidade e os bombeiros fizeram pela nossa família, mas não perco a esperança de um dia achá-la, de receber uma mensagem. Eu saio na estrada sempre olhando para os lados, pois parece que ela vai voltar, que vai bater na porta a qualquer dia. E é por isso que nunca vou sair desta casa. Aqui é o meu lugar.

O caso
Daniela Ferreira, 19 anos, saía de um baile e ia para casa no dia 29 de julho de 2012 na cidade de Agudo, quando não foi mais encontrada. Imagens flagraram Rogério Oliveira, à época apenado do regime semiaberto, caminhando em direção à jovem. A investigação policial apontou que Daniela teria sido estuprada e morta. O corpo nunca foi encontrado. Oliveira foi condenado no dia 29 de junho de 2015 em júri popular pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e estupro. O réu pegou 36 anos e 10 meses de prisão em regime fechado e está preso na Pesm.

"NÃO AGUENTO MAIS FALAR DA MÃE COMO DESAPARECIDA"

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

A espera de Beatriz Drusião Stello, 21 anos, não é mais pelo encontro, mas pelo cumprimento da Justiça. Completou três anos, em maio, que a mãe da jovem, Ana Lúcia Drusião, desapareceu. O simples ato de pronunciar a palavra desaparecimento carrega um passado indigesto e um presente de impotência:

- Não aguento mais falar da mãe como desaparecida, criando falsas expectativas, pois, infelizmente, não foi isso que aconteceu. Nós sabemos que não. Às vezes, nem soubemos o que fazer, além de esperar. Para mim e para minha irmã, é uma ferida aberta que nunca vai cicatrizar, é um buraco gigante, porque perder a mãe é perder o mundo.

Com apenas 18 anos naquele dia em que a mãe saiu de São Pedro em direção a Santa Maria e nunca mais voltou, Beatriz teve de "aprender na marra", como ela própria define, tomar conta si e da irmã, à época com 10 anos. Ambas não convivem mais com o pai.

- A mãe era tudo para nós, nosso porto seguro, nossa direção. Ela tinha sonhos. Estávamos prestes a morar, nós três, aqui em Santa Maria. Ela estava esperando um mês para a mana sair de férias e transferir de colégio, mas infelizmente não deu tempo - lamenta Beatriz.

O caso
Desaparecida desde a noite de 30 de maio de 2016. O carro de Ana Lúcia Druzião, 35 anos, um Celta prata, foi encontrado no outro dia, em uma estrada a 300 metros de distância da casa dela, que fica na localidade Picada do Gama, perto do Balneário Três Coqueiros, a 30 quilômetros de Santa Maria. O então marido dela, Antonio Adelar Rigão Stello, é réu por homicídio qualificado por motivo fútil, já que teria assassinado a esposa porque ela havia pedido a separação, e por ocultação de cadáver. A última audiência com depoimento de Stello foi em fevereiro deste ano.

Segundo o advogado da família, Daniel Tonetto, o processo aguarda a decisão da juíza responsável pelo caso, que deve definir se Stello irá ou não a júri popular. Fabiano Braga Pires, advogado de Stello informou ao Diário que seu cliente é inocente, não cometeu esse crime e segue em busca da verdade, inclusive, contribuindo com a polícia desde o início das investigações. Conforme Pires "estão tentando imputar a ele algo que não cometeu, e não há prova nenhuma".

"SOBREVIVO AOS EMPURRÕES"

Ninguém foi responsabilizado pelo desaparecimento de Elizete Vieira da Silveira. Não há pistas, não há vestígios, não há advogado que cuide do caso, não há sequer um processo judicial, já que a investigação segue em aberto na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Santa Maria. Sete anos e meio depois, o que há para a família da motociclista é a impressão de que o tempo parou.

- Não existe mais sábado, domingo, Dia das Mães, Natal. É uma dor presente, sobrevivo aos empurrões. Luto contra mim e preciso me mostrar forte para os meus netos e para os filhos dela que estão comigo. Se não fosse por eles, eu não estaria em pé - conta Maria Ceni Vieira da Silveira, 67 anos, mãe de Elizete.

A motociclista vivia em uma casa na divisa do pátio dos pais. A mãe segue na mesma residência junto da filha mais nova e do filho de Elizete. A filha mais velha da motociclista se casou.

Há dois anos, o pai de Elizete teve o que Maria Ceni chama "de recaída". Triste, cabisbaixo e silencioso, mudou-se para São Pedro do Sul, em uma casa da família. Nos finais de semana, costuma voltar para Santa Maria.

 - Foi o jeito que ele achou de seguir a vida. Lá, ele se ocupa, arruma o pátio, reforma a casa e volta de vez em quando. Por aqui, as lembranças são difíceis e parece que a vida parou. Eu acompanho as crianças e juntos olhamos as fotos dela. Não tem um dia que a gente não lembre de alguma coisa - diz Maria Ceni.

Paulo Lasiê Silveira dos Santos tinha 10 anos à época do desaparecimento da mãe. Hoje, aos 17, se ampara na música para driblar a saudade e a incerteza. O menino é violinista e integra a banda Tamborico, do Centro Social e Cultural Vicente Pallotti.

- O que a gente não sabe é o que mais dói. É uma interrogação que dói em toda família. A música virou meu refúgio, pois a melhor lembrança que tenho é de um espetáculo de final de ano (em dezembro de 2011) e da expectativa que a mãe me visse tocar violino. Toquei a música Como é grande o meu amor por você, do Roberto Carlos. Foi a minha primeira apresentação e ela assistiu. Mas também foi a última - conta o filho.

INJUSTIÇA
Para a mãe, a única lei na qual acredita é na de Deus, já que a dos homens "é lenta ou só existe para alguns". Em meio à saudade, a esperança de um dia saber do paradeiro da filha, seja como e onde for, ainda resiste.

- Eu tomo meus remédios (antidepressivos) e só peço força a Deus para continuar. O que é injusto é nossa família viver há anos nesse sofrimento, e gente dando risada grande, à solta pela rua depois de a terem arrancado de nós. Tem vezes que eu sento aqui na frente e espero ela voltar. Sem contar que, quando sonho com a Zete, ela está chegando em casa e me abraça - conta a mãe da mototaxista.

O caso
A mototaxista, à época com 31 anos, desapareceu em 6 de janeiro de 2012. Ela faria uma corrida até Dilermando de Aguiar. A moto e o capacete da mulher foram encontrados três dias depois do sumiço, próximo ao trevo de São Vicente do Sul. As perícias feitas no veículo e no capacete não deram resultados que pudessem ajudar na solução do crime.

No dia 14 de fevereiro do mesmo ano, o principal suspeito pelo desaparecimento, o ex-companheiro de Elizete, foi preso preventivamente e solto 30 dias depois por falta de provas. Em maio, também daquele ano, um inquérito chegou a ser concluído e foi encaminhado ao Ministério Público (MP) tratando o caso como homicídio. Porém, como ninguém foi indiciado, o inquérito foi devolvido à polícia, junto de um relatório que informava a necessidade de novas diligências.

Conforme Pedro Joceli Vieira da Silveira, irmão da motociclista, por dificuldades financeiras, a família não contratou nenhum advogado para o caso, que segue sob a responsabilidade da Delegacia Especializada e Atendimento à Mulher (Deam). Elizabete Shimoura, titular da Deam, informou que o caso ainda não foi remetido à Justiça. A investigação está em aberto, embora sem novos indícios.

SANTA MARIA TEM 90% DOS CASOS ESCLARECIDOS
A cidade tem casos emblemáticos e alguns ainda sem desfecho, conforme mostrado nesta reportagem. Via de regra, os desaparecimentos costumam ser esclarecidos em até três dias, segundo Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP):

- É um trabalho complexo, mas, na maioria dos casos, resolvemos em até 72 horas, e a taxa de resolubilidade é acima de 90%.

O que acontece com frequência são pessoas que, por vontade própria, interrompem o contato com a família. Também são recorrentes pessoas em depressão ou com problemas neurológico e psiquiátricos.

- A gente sabe que as famílias se dedicam muito, mas acontece da pessoa (com problemas) ir para a rua e ser vítima de atropelamento ou até de crimes. Há muitos casos de Alzheimer e depressão. Já ocorreu de localizarmos mortas, por queda acidental ou porque entra no mato e não consegue sair - diz Zanella.

Segundo Luiza Sousa, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), não há, atualmente, responsáveis em busca de desaparecidos, o que se presume que retornaram. No entanto, a baixa da ocorrência nem sempre é feita. A média é de 20 ocorrências de desaparecimento por mês. Em geral, adolescentes que não querem seguir as regras dos pais. Não há registro de crianças desaparecidas.

Como proceder quando uma pessoa está desaparecida? 

  • Acionar a Polícia Civil e fazer o registro de ocorrência de desaparecimento de pessoa. Em Santa Maria, a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA) funciona 24h e fica na Rua dos Andradas, 1.397. Qualquer informação acerca de pessoas desaparecidas deve ser repassada aos telefones (55) 3222-9478, 98423-6181 (somente WhatsApp) ou 197.
  • Quanto mais dados forem fornecidos à polícia, mais ajudará na investigação. Recomenda-se divulgar uma fotografia atualizada, último local em que a pessoa foi vista, roupas que usava, para onde estava indo, se tem problemas de sáude, além de hábitos da rotina 

Quanto tempo é preciso esperar para que a pessoa seja considerada desaparecida?

  • Não é necessário esperar 24 horas. A partir do momento em que se suspeitar do desaparecimento e não conseguir contato, a Polícia Civil deve ser acionada
  • É importante que, após a localização da pessoa que estava desaparecida, também seja feito o registro  

Por quanto tempo a polícia faz buscas? 

  • Não há um tempo estipulado, pois depende das peculiaridades de caso. As buscas e as diligências policiais podem se estender por meses ou até anos, mesmo havendo a remessa do inquérito policial ao Judiciário.

Em Santa Maria, quais são as principais causas de desaparecimento?

  • Majoritariamente, homens que saem de casa e alegam desavenças familiares ou saem para consumir drogas. Em geral, são localizados em até 72h. Desaparecimentos de idosos com doenças psiquiátricas e neurológicas têm sido mais frequentes

*Por Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP)

AUSÊNCIA DE DELEGACIAS PREJUDICA PEQUENOS MUNICÍPIOS
Na região, pequenos municípios também registram o desaparecimento de pessoas e esbarram em outro problema que torna a espera ainda mais angustiante: a falta de delegacias policiais. A demanda acaba ficando por conta da Polícia Civil de outras cidades, com apoio da Brigada Militar (BM). A propósito, dos 497 municípios do Estado, apenas Santa Maria e outras nove cidades têm delegacias especializadas em desaparecidos. No Coração do Rio Grande, a DPHPP, a única especializa na Região Central, foi inaugurada em 23 de fevereiro de 2016.

Em Jari, onde não há sequer um posto da Polícia Civil, o desaparecimento de Eloy de Souza Paim causa revolta. É que a família mal sabe se o caso, que é investigado pela polícia de Tupanciretã, foi arquivado ou não.

- Um idoso não evapora. Temos indícios, levamos à polícia, mas não andou. No início do mês, fui à Tupanciretã e não encontrei nem o inspetor, nem o delegado lá. É um descaso. No início da investigação, cheguei ir na Delegacia Regional em Santa Maria. Minha mãe, irmã do desaparecido, morreu há um mês lamentando não poder ter acendido uma vela por ele e pediu que não desistíssemos de encontrá-lo. Ele era simples, não tinha mais ninguém, além de uma companheira - relata o aposentado Marcos Silveira, 56 anos, sobrinho de Paim.

De acordo com familiares, Paim saiu de casa por volta das 19h do dia 6 de agosto de 2016, para recolher o gado em uma pastagem próxima de onde vivia, na localidade de Portão, interior do município. Desde então, não voltou mais para casa. A família ainda aguarda informações, que devem ser remetidas à BM pelo telefone (55) 3272-9117, ou à Defesa Civil pelo número (55) 3272-9064.

INVESTIGAÇÃO PARADA
Na última sexta-feria, Adriano Winkelmann de Rossi, delegado responsável pelo caso, informou que a investigação está parada.

- Teve alguns suspeitos na época, que até poderiam indicar homicídio, mas, neste caso, a gente não conseguiu juntar materialidade necessária para indiciar alguém - alega o delegado.


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