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OPINIÃO: O carteiro chegou

Mesmo que não se esteja escrevendo por fora, a gente está sempre escrevendo por dentro, dizia o poeta imortal Caio Fernando Abreu. Caio tinha o hábito de escrever por fora e por dentro. Carregava o prazer literário de escrever cartas aos amigos. Aliás, quem já teve oportunidade de ler alguma vai concordar comigo, era pura poesia, mesmo quando falava do cotidiano, das notícias do jornal, da visita de alguém, até mesmo das críticas e elogios que recebia.

E por falar em cartas, tem aquele famoso samba do Cícero Nunes e do Aldo Cabral, lá da década de 40 do século passado que conhecemos na voz da Maria Bethânia, quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão. Tudo bem, coisa do passado, hoje, como bem lembra o Marcelo Canellas na crônica "O Remetente Antiquado", presente na belíssima Cronicaria, os carteiros viraram entregadores de encomendas, contas e boletos. Triste realidade para um personagem tão querido e esperado em tempos não muito distantes.

As cartas perderam lugar para os e-mails, escritos com pressa, poucas palavras, super objetivos, que não lembram em nada os famosos manuscritos do Caio, nem tampouco as cartas que o Jair entregava ao Marcelo. Duros tempos.

E foi com muito espanto que recebi uma mensagem do Diário informando que uma carta endereçada a mim teria chegado por lá. Uma carta? Sério? Imaginei o carteiro chegando e o meu nome gritando com a carta na mão!

Fiquei muito feliz. Não conheço a Dóris, que a escreveu com tanto carinho, que investiu tempo e dinheiro - sim, tudo hoje é calculado monetariamente - para ir à papelaria, comprar envelope, folha e um cartão. Quanta verdade numa folha de papel.

Eu sei que o e-mail é mais rápido, mas não tem o mesmo encanto. A Dóris é uma pessoa especial com certeza. Num tempo em que não temos tempo para nada, a carta da Dóris se transformou numa profunda reflexão. Nunca estivemos tão conectados, porém nunca nos sentimos tão solitários.

Nunca estivemos tão informados, mas nunca nos sentimos tão vazios, tão incompletos. Nunca a solidão levou tantas vidas. Somos rápidos para falar, para opinar. Nunca vi tantos especialistas, sobre todos os assuntos. No entanto, não sabemos ouvir, desaprendemos o quanto é importante ouvir, o quanto a conversa no portão nos faz falta.

A carta da Dóris é muito mais do que uma correspondência de uma leitora que eu nem sabia que tinha. Ganhei meu dia, Dóris. Ah, sim, estou preocupada com as decisões e indecisões de nosso momento atual. Mas tenho que admitir que estou bem mais preocupada com os rumos que estamos tomando como pessoas, como humanidade.

Obrigada, Dóris. De coração!

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