opinião

OPINIÃO: Carta a filósofos e sociólogos

Bolsonaro anunciou intenção de "descentralizar" investimentos em faculdades de filosofia e sociologia. Afora a cada vez mais impressionante capacidade de nosso presidente formular frases desconexas (que raio ele quis dizer com "descentralizar"?), sua frase não é de todo surpreendente. É notório que Bolsonaro sempre foi inimigo, não só da filosofia e da sociologia, mas de todas as ciências sociais e humanas. Era sabido, então, que, tão logo assumisse o poder, atuaria decisivamente para desidratá-las, diminui-las, ao máximo possível.

Também não surpreende o retumbante silêncio da comunidade jurídica a esse disparate. Muito embora o direito seja uma ciência social construída sobre as bases filosóficas de pensadores como Thomas de Aquino, Montesquieu, Hegel e Miguel Reale e muito embora esse direito seja concebido para ser aplicado a uma realidade social posta, de modo a Pontes de Miranda dizer que na porta dos cursos de direito deveria constar a frase "Aqui só entra quem for sociólogo", cada vez menor é a preocupação dos "operadores do direito" para com essas ciências que dão sustentação à ciência jurídica.

Isso  porque  o  direito,  enquanto  campo  de  estudo e de atividade, está cada vez mais isolado do mundo e de outras ciências  sociais  e  humanas,  a ponto de se encastelar em torno de si mesmo. No Brasil, hoje, são 1.423 cursos de direito dedicados precipuamente a treinar candidatos para passar no exame da OAB ou para integrar alguma daquelas dezenas de carreiras jurídicas (procurador, defensor, promotor, juiz, etc) cuja remuneração é muito maior que a média nacional. Aqui, o professor perde espaço para o "coach", aquele que mostra atalhos para não mais do que acertar questões numa prova ou concurso.

Ao invés de reflexões complexas em relação ao contexto político-social brasileiro ou análises profundas acerca do (mau) funcionamento de nossas instituições, a academia jurídica é pródiga em difundir macetes inventados para fazer alunos decorar conceitos que não passam por qualquer filtro crítico ou racional. Nos seminários jurídicos, muitos holofotes, confetes, pronomes pomposos e intermináveis cumprimentos entre "celebridades" que não se preocupam em sair do óbvio ululante (obrigado, Nelson Rodrigues).

Essa é a mesma comunidade jurídica que despreza a filosofia e a sociologia, ou que, pelo menos, não se importa com sua míngua, afinal, o filósofo e o sociólogo são os anti-coaches: aqueles que nos lembram o tempo todo que não existem fórmulas mágicas para os problemas do mundo e que a complexidade social não cabe num macete resumido.

Este não é um texto acusatório. Pelo contrário. É um "mea culpa". É uma tentativa de dizer a filósofos, sociólogos,  antropólogos,  politólogos,  psicólogos,  comunicólogos e muitos outros estudiosos da ação humana que nós, os juristas, precisamos muito de vocês, certamente mais do que merecemos. Mas aí, mais uma vez, surpresa nenhuma.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

OPINIÃO: Dia do Trabalho, Dia do Trabalhador, o que é mais importante? Anterior

OPINIÃO: Dia do Trabalho, Dia do Trabalhador, o que é mais importante?

OPINIÃO: O sonho e a realidade Próximo

OPINIÃO: O sonho e a realidade

Colunistas do Impresso