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OPINIÃO: As livrarias de sempre

Comecei a frequentá-las desde adolescente, em São Paulo. Quando entrei na faculdade, além de muitas outras, a do Gazeau, na Praça da Sé, bem pertinho da rua Felippe d'Oliveira! Lá, adquiri um breviário em latim impresso em 1589, em Veneza. Mais importante do que ir ao Fórum da Praça João Mendes era passar, diariamente, pelo Gazeau. No dia 26 de março de 1962, na livraria praticamente vazia, apenas dois homens mais velhos, além de mim, fuçando livros.

Encontrei um exemplar do Retratos à pena e exclamei "olha só"! Um dos homens avançou, queria o livro, e me afastei. "Você nem sabe quem é o autor, esse tal de Aureliano Leite", disse-me ele. "Lógico que sei", retruquei. E comecei a discorrer a respeito de São Paulo em 1932, etc. Então, o homem pediu, delicadamente, que lhe emprestasse o exemplar que eu tinha nas mãos, perguntou meu nome e escreveu na sua primeira página: "Este livro pertence a Eros Roberto Grau, a quem deixo aqui um abraço amigo". Em seguida, assinou. Acreditem ou não, era o próprio Aureliano Leite!

Às quintas-feiras, quando estou cá por São Paulo, vou às reuniões semanais da Academia Paulista de Letras (APL) e tenho a impressão de que, da galeria dos quadros dos acadêmicos que a presidiram desde a sua criação, ele como que pisca um olho para mim. Como se me dissesse que desde o nosso encontro na livraria do Gazeau sabia que eu haveria de vir a ser seu confrade na APL! Aqui e em Paris, as livrarias compõem o todo que eu sou. Lá - no boulevar Raspail, número 15 -, a Gallimard. Contei uma história que ali se passou no meu Paris, quartier Saint-Germain-des-Prés. Eu procurava um exemplar da revista L'Arc número 30, na qual foi publicada, em 1966, uma entrevista de Sartre a Bernard Pingaud. Sempre me respondiam, nas livrarias por onde andei, que esse número da revista estava esgotado. Estive na Gallimard, duas vezes. Quinze dias após, lá voltei e o homem que ficava atrás do balcão perguntou- -me qual a razão de tanto interesse justamente por aquele número. Contei-lhe que estava a escrever a respeito da distinção sartreana entre conceitos e noções. Falei um pouco e ele percebeu que eu poderia ser levado a sério.

Enfurnou-se por uma porta, retornando em poucos segundos com a revista. "É o último exemplar que tenho", disse-me. E completou: "Eu apenas o entregaria a quem realmente necessitasse dele". Em 2015, quando o Paris quartier foi traduzido para o francês - Le flâneur de Saint-Germain- -des-Prés, Éditions Caractères - fui à livraria para lhe entregar um exemplar. Ele lá não estava mais, já se aposentara, mas - como me contaram uns dias depois - recebeu-o com um sorriso de alegria.

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