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O tempo, a cidade e as aparências

Incrivelmente, já é março e dois sextos do ano já se foram. No horizonte possível, nenhuma grande novidade. Em verdade, tudo que se vê de novo são velhas e batidas notícias, são as mesmas fake news de anteontem, a mesma desfaçatez aninhada há séculos no colo dos poderosos e a mesma pesada desesperança de sempre.

Ah, tem o coronavírus, que é quase repetição alarmista de outras anunciadas pandemias, que fazem e sempre fizeram a alegria de redutos midiáticos ansiosos por audiência. E no rastro do vírus mutante, a corrida por fórmulas mais ou menos miraculosas de controle de suas consequências, especialmente as de natureza econômica.

Há muita gente mais preocupada em faturar do que em esclarecer e ajudar, assim, a evitar o pânico e as ações irrefletidas, que resultam da ignorância, da desinformação. Mas, logo, passado o inverno no hemisfério norte, as coisas se acalmarão e ficaremos nós, mais uma vez, a conviver com nossas próprias mazelas e endemias, inclusive, as incuráveis chagas sociais, que parecem distantes de qualquer bálsamo cicatrizante e que, por isso mesmo, se prestam à permanente exploração política por parte de demagogos de todos os matizes ideológicos.

Enquanto isso, nós, aqui na realidade palpável de nossa maltratada cidade, continuaremos nossa cansativa rotina de tentar nos desviar dos buracos (vezes sem conta, isso é impossível) e a esperar por soluções, que, sabemos, não virão, mas que, mesmo assim, teimosamente, acreditamos possam se tornar efetivas. Talvez, seja essa crença desapartada da lógica e do bom-senso que nos faça andar e andar e andar, sempre à espera de algum milagre que afirme a inexistência do imponderável. Como se não soubéssemos que os milagres, se é que eles existem, são raros e não se oferecem assim tão facilmente à concretude do que é real e palpável.

É, já estamos no terceiro mês do ano, que passa célere por nossos sonhos e desilusões, enquanto os gestores públicos, lentos como cágados (um querido colega alagoano os compararia a "jabutis com cãibras") empurram com a barriga as soluções prosaicas para problemas prosaicos, quase sempre na expectativa de aguardar o melhor momento para o faturamento político-eleitoral, pois, reza a lenda, temos memória curta e tende sempre a prevalecer a última impressão.

Com isso, perdemos o hábito de cobrar com firmeza nossos governantes e nos damos por satisfeitos quando algum velado reclamo nosso, por obra do acaso, é solucionado. Se a buraqueira da rua é demasiada, ficamos gratos quando um arremedo de tapa-buracos é feito e não cobramos providências cabais, definitivas. Aprendemos a ajustar nossas necessidades coletivas à precariedade dos paliativos.

E assim construímos uma cidade onde o puxadinho é a regra, uma cidade na qual o verbo enjambrar vale mais que o verbo planejar, uma cidade que desdenha do conteúdo para cortejar a aparência escondida na maquiagem que não disfarça nossas muitas imperfeições urbanísticas. E temos tudo para sermos uma bela e agradável urbe. Faltam-nos, apenas, gestores competentes e mais comprometidos com a cidade do que com seus próprios interesses políticos.

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