colunista do impresso

Liberdade, coragem e autonomia

style="width: 100%;" data-filename="retriever">

Muitas pessoas pensam que eu me tornei um atleta olímpico porque me dediquei muito, durante anos. É certo que não há como atingir um patamar profissional no esporte sem que haja demasiado esforço e determinação. Mas vou confessar uma coisa para vocês: eu só consegui chegar na olímpiada porque, antes de qualquer coisa, os mais pais permitiram. Desde as minhas primeiras remadas, em 2001, quando eu tinha apenas 12 anos de idade, lembro-me do incentivo que recebi em casa quando decidi experimentar a canoagem. Mesmo se tratando de um esporte perigoso, que exige cautelosos cuidados de segurança relacionados à água, eu fui incentivado a praticar.

Pouco tempo depois, em 2005, eu desembarcava em São Paulo no terminal rodoviário Tietê, conhecido como o maior da América Latina. Foi uma cena assustadora e ao mesmo tempo incrível. Milhares de pessoas chegando de todos os cantos do país, o trânsito caótico dos carros, os prédios gigantes, os viadutos intermináveis, a poluição auditiva e visual em contraste com o verde que ali fazia resistência. Nessa atmosfera que eu cheguei, com apenas 16 anos de idade. Em uma das mãos portava o remo, equipamento que se tornaria inseparável de mim dali em diante. Na outra, segurava uma pequena mala contendo roupas, um pote de geleia e um pão caseiro que a mãe havia preparado no dia anterior.

Já o que eu carregava no coração ninguém podia ver, era algo chamado coragem, que havia sido colocado com muito carinho e afeto pelos meus pais. Naquele momento eu não me dei conta, mas hoje entendo que essa coragem foi a substância que me garantiu energia para tudo que enfrentei longe de casa. Em 2006, já adaptado à "selva de pedras'', viajei com a seleção brasileira para a Hungria e depois fomos ao México. Na primeira parada, disputamos o mundial e posteriormente o pan-americano. Foi a minha primeira viagem internacional e as minhas primeiras competições de grande nível. No ano seguinte, quando completei 18 anos de idade, empreendi uma viagem até a Hungria novamente, só que desta vez fui sem a equipe nacional.

Para não dizer que estava sozinho, tive a companhia do colega e amigo Michel, pelo qual eu fiquei responsável legalmente na viagem, já que ele era menor de idade. Viciados por canoagem, fomos para o velho mundo treinar e aprender com os remadores mais experientes. Apoiamos um ao outro. Em pouco mais de dois meses por lá, chegamos a dormir em uma barraca na beira do rio, até que tivemos a sorte de uma boa alma nos acolher na academia do clube. O dinheiro era contato, ambos estavam aprendendo a falar inglês e diariamente nos víamos expostos a novos desafios como, por exemplo, racionar a comida ou treinar com um caiaque quebrado. Foi uma experiência ímpar, que envolvia uma grande vontade de aprender e, claro, sustentada pela coragem de explorar o mundo.

Depois dessa vieram inúmeras outras viagens, me mudei de cidade e Estado diversas vezes. Toda liberdade que eu tive para experimentar a vida, certamente exigiu de meus pais muita sabedoria. Meu irmão também saiu de casa cedo, antes de completar 18 anos. Com a casa vazia, meus pais sempre fizeram questão de nos passar tranquilidade para que fossemos em busca dos nossos sonhos. Hoje, sendo pai, eu imagino que não foi fácil para eles, pois sempre fomos muito apegados a família. Além disso, o mundo está aí, cheio de perigos que por vezes são imprevisíveis.

Mesmo assim, se eles tinham algum medo ou insegurança, nunca deixaram transparecer. Ao contrário disso, mostravam-se presentes na distância, oferecendo o conforto necessário que precisávamos para conquistar a nossa autonomia. Percebo que essa é a maior prova de amor que podemos dar aos nossos filhos. É como se existisse um elástico, que prende os filhos aos pais, e que precisa aos poucos ir ganhando maleabilidade. Não há coisa mais triste do que ver alguém se tornar adulto e incapaz de ter vida própria, de alçar voos sozinho. Um ser que cresceu, mas que não superou a fase da independência absoluta. Que se vê preso em amarras invisíveis e não tem coragem de experimentar a vida. Quando isso ocorre, eu acredito, é por falta de sabedoria dos próprios pais.

Permitir elasticidade é cuidar, é respeitar e entender que ali existe um indivíduo, uma unidade, junto de nós, porém separado de nós. Temos que ter cuidado para não criarmos gaiolas transfiguradas de afeto. O melhor mesmo é a liberdade afetivamente efetiva. Pássaros livres voam longe e voltam, pássaros livres sabem se proteger e certamente cantam com mais felicidade.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Salvar vidas ou empregos? Anterior

Salvar vidas ou empregos?

É hora de ter um e-commerce? Próximo

É hora de ter um e-commerce?

Colunistas do Impresso