Marta Tocchetto

Evidências

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Nem a bermudinha, faixinha na cabeça e suor no rosto foram suficientes para amenizar as evidências. Não sei se é toc ou mania de ordem, mas vejo que as marcações de filas dificilmente são obedecidas, salvo quando há alguém orientando. O usual é chegar e ficar atrás do anterior, sem sequer observar se há um desenho proposto para que a fila fique compacta e ocupe menor espaço. Nem mesmo quando há o impedimento da movimentação este cuidado é observado. Não raras vezes, as filas obstruem passagens e impedem deslocamentos porque as pessoas simplesmente param no meio, inclusive nas portas. Todas as vezes que isto acontece, para ser menos antipática, me coloco no lugar em acordo com a marcação do piso. Muitas vezes, isto não é suficiente para que a mensagem seja captada.

Fico teimando e arriscando perder o lugar. Afinal, minha intenção de ordenamento é ignorada. Na semana passada, foi pior. Ao meio dia e pouco, fui ao terminal eletrônico do banco onde tenho conta. O local da fila, como de praxe, estava marcado no piso em frente aos caixas. Para facilitar a visualização, complementava a marcação uma gigantesca seta amarela estabelecendo onde a mesma deveria iniciar. Minha posição era a terceira, porém, o primeiro ignorou o início e a imensa seta. 

Encontrava-se parado no meio da marcação. Seguindo, imagino, o mesmo raciocínio, a segunda que simplesmente parou atrás dele. Cheguei com todo o vigor e a juventude de quem sai depois de uma hora de academia e pergunto: 

- Tu estás na fila? O homem deu uma olhadinha e ignorou a minha pergunta. De pronto, a segunda nem respondeu apontando para alguns caixas eletrônicos e disse: 

- A fila das prioridades é ali. Meu mundo caiu. Naquele momento, feito um meteoro me veio um imenso sentimento de revolta. Ofensa mesmo! De onde ela tirou que eu passei dos 60? Como assim? Naquele momento, eu esbanjava energia. No treino, ergui pesos, empurrei trenó, subi e desci erguendo anilha. E a bermudinha? Não valeu de nada? Pelo visto, não. Apesar de muito descontente, tentei ser realista. Chega uma determinada hora que as evidências ficam mais evidentes, pensei com meus botões. Nesta hora, não há disfarce que despiste. Naqueles breves e impactantes momentos, eu precisava uma saída honrosa. Para minha sorte ela disse: 

- Se a senhora não for, eu vou. Embasbacada, respondi: Então vai! (Conclui que ela tem também mais de 60). Não fui porque quis deixar ela confusa, além do mais a decisão é minha. Depois de ter ido em outro caixa, naturalmente não preferencial, fiquei pensando sobre a verdade que me chocou e que é cada vez mais clara a olhos vistos. Como tudo o que impacta precisa ser metabolizado, estou em processo de digestão, desde então. Talvez, a próxima vez eu vá direto à fila das prioridades sem que me recomendem ou me mandem, mesmo que o sentimento de jovem idosa queira disfarçar o óbvio, as evidências. 

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