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E por falar em saudade

data-filename="retriever" style="width: 100%;">O título desta crônica - sim, hoje é, sem disfarces crônica - remete a um verso da canção "Por onde anda você", do Toquinho e do Vinícius de Morais, cuja estrofe inicial é "E por falar em saudade / Onde anda você? / Onde andam seus olhos / Que a gente não vê? / Onde anda esse corpo? / Que me deixou morto / de tanto prazer".

Mas, apesar da pretensão de falar de saudade e de buscar arrimo para minhas razões em uma canção da MPB, é de outra canção que quero trazer os versos doloridos e plenos de densa poesia. Falo de "Pedaço de mim", do Chico. A propósito, fazendo um parêntese, considero Chico Buarque de Hollanda o maior letrista/poeta de nosso canci-oneiro. E mais, com a vênia dos doutos, o considero um dos grandes poetas brasileiros de todos os tempos. Suas letras transbordam poesia; são poemas prontos, rigorosamente exatos.

Em "Pedaço de mim", canção da segunda metade dos anos 70 do século passado (meu Deus!), que lançou Zizi Possi no cenário musical brasileiro (ela fez um incrível dueto com Chico), o autor faz um pungente mergulho na dor decorrente da separação da qual resulta a saudade.

Observem, por favor: "Oh, pedaço de mim / Oh, metade afastada de mim / Leva o teu olhar / Que a saudade é o pior tormento / É pior do que o esquecimento / É pior do que se entrevar. " (...) "Oh, pedaço de mim / Oh, metade exilada de mim / Leva os teus sinais / Que a saudade dói como um barco / Que aos poucos descreve um arco / E evita atracar no cais" (...) "Oh, pedaço de mim / Oh, metade arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto / A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu" (...) "Oh, pedaço de mim / Oh, metade amputada de mim /Leva o que há de ti / Que a saudade dói latejada / É assim como uma fisgada / No membro que já perdi" (...) Oh, pedaço de mim / Oh, metade adorada de mim / Leva os olhos meus / Que a saudade é o pior castigo / E eu não quero levar comigo / A mortalha do amor / Adeus".

É, meus amigos, saudade é essa presença invisível de quem se ama e se perdeu de nós, é como um fantasma a nos assombrar com seus gritos silenciosos. É dor que não se mitiga com quaisquer lenimentos, com quaisquer bálsamos. Só o tempo, que, às vezes, não temos, pode mitigá-la, torná-la palatável e, mesmo assim, haverá momentos em que ela retornará como quem chega para ficar.

E a saudade é o pior legado que a pandemia, de tantas irresponsabilidades, nos deixará. A saudade dos que se foram às centenas de milhares sem que os pudéssemos abraçar. A saudade dos amigos cujos abraços foram sendo postergados e ainda não se cumpriram; as saudades dos amores que se perderam para sempre da esperança do encontro e que jamais se realizarão.

É, a saudade "dói como um barco, que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu" .

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