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Direito e peregrinação das famílias no Chile

data-filename="retriever" style="width: 100%;">No meio de uma revolução civil, em Valparaíso, uma das cidades mais atingidas pelos violentos protestos no Chile, mantém-se uma antiga tradição religiosa: a peregrinação à Virgem de lo Vasqués. Não muito longe, na capital Santiago, ainda sob os efeitos da luta social desencadeada, realizou-se um encontro de juristas de renome internacional, trocando experiências na área de Direito das Famílias.

O cenário não poderia ser mais contrastante. O evento religioso reúne anualmente cerca de 1 milhão de pessoas, caminheiros que durante dias perfazem cerca de 40 quilômetros pela estrada, levando em seus braços réplicas da imagem da Virgem ou do seu Santuário. Vão pedir pelos seus filhos, pela saúde, pelo emprego, pela própria sobrevivência.

Por sua vez, no evento jurídico realizado em um luxuoso hotel na área nobre da cidade, congressistas debatem temas como relação filial, sucessão, acordos de divórcio, tratados internacionais relativos à crianças, adolescente e adultos vulneráveis, intercalado com programações turísticas. No material distribuído, a frase cunhada parecia repetir os gritos que ainda se ouvem nas ruas: "La injusticia em cualquier lugar es uma amenaza para la justicia en todas partes".

No sábado anterior à festa, a partir das 16h, a principal via de acesso entre Santiago e Valparaíso é bloqueada, ficando liberada exclusivamente para os milhares de romeiros que se deslocam de todos os pontos do país. Barreiras policiais impedem a passagem de automóveis e ônibus, o que perdura até o mesmo horário do dia seguinte.

Esse fato interfere na programação do curso, eis que o programa oficial apontava para um passeio na cidade do evento religioso, o que fez o Congresso se encerrar antecipadamente, com um jantar de gala na noite anterior.

Tenho a oportunidade de me misturar naquela multidão, testemunhando um evento religioso infinitamente maior do que nossa tradicional Romaria da Medianeira. Entre a beira da estrada até o altar onde a imagem da Virgem se encontra, um piso vinílico improvisado protege os fiéis que percorrem esse trajeto de joelhos. Na extensão desse caminho, voluntários amparam as pessoas exaustas e emocionadas. Muitas famílias. Pais e mães levam seus filhos nos ombros e vão "mostrar seu olhar" a Nossa Senhora, como no verso imortalizado por Elis Regina.

Observo um pai que se desloca ajoelhado, carregando nos braços um recém-nascido, como uma cena animada de Natal. Os bracinhos do bebê apontam para seu rosto moreno, nesse momento suado e exausto. A verdadeira família se apresenta nos seus anseios e nas suas necessidades.

Essa cena deveria ser o ápice do Congresso, como foi para mim. Talvez a distância das classes nesse país de contrastes tão grandes fosse um pouco mais reduzida. O olhar daquele pai deveria ter sido visto por todos aqueles congressistas, que durante uma semana debateram o Direito das Famílias, no pomposo salão do subsolo Hotel Cumbres Vitacura, em Santiago do Chile.



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