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Deu problema na Kombi

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Lá no interior de onde eu vim, o pessoal costuma dizer que "deu problema na Kombi" quando a situação começa a fugir do controle, já vergando pro lado do estrupício geral.

- Tu não podia ter feito isso comigo. O que os carinha vão pensar de mim? Tô ferrado! Eu não ia fazer nada demais. Por que tu me proibiu de ir com os parça? Olha só o mico que eu paguei.

- Meu filho, senta aqui, vamos conversar. Eu já te falei que não gosto de te ver saindo com essa turma. Ninguém quer nada com o basquete. Trabalho que é bom, só em falar causa brotoeja aos teus amigos. Estudo, então, é ofensa passível de processo por dano moral.

- Mas pai, que mal tem a gente fazer junção na casa do Betinho nos finais de semana? Os pais dele viajam na sexta de tarde pro sítio. Pelo menos tu sabe onde me encontrar caso precise falar comigo. Além do mais, nesta cidade não tem um barzinho de fundamento. É tudo restaurante pra o velharedo encher o pandulho e depois dormir feito uma jiboia esperando cobrinha.

- Acontece que me disseram de fonte segura que esse tal de Betinho anda envolvido com maconha.

- É mentira, inveja pelo dinheiro que ele tem. O Beto é um baita faixa. Por ele e pelos mano eu ponho a mão no fogo.

- Tá bem piá, eu preciso acreditar em ti, pois afinal sou teu pai, mas vê se dá uma selecionada nas companhias. Procura andar com gente direita, e te lembra que o maior babaca é aquele que não tem luz própria, guiando-se na caminhada pela mão dos outros.

Varados alguns meses, deu problema na Kombi:

- Palhaço. Imbecil. Seu corno manso. Vai pra p... que te pariu. Essa tu vai me pagar, nem que para isso eu te espere na porta do inferno. De hoje em diante não sou mais teu filho. Tu tá riscado do meu mapa. Por mim, pode morrer, velho gagá!

E por aí prosseguiu o destampatório pelo canal da latrina. Todo mundo envergonhado pela cena que se apresentava insólita diante dos olhos de quem passava pelo local: um filho xingando e soqueando o pai pela rua afora, e o pai tentando em vão acalmar o filho, que continuava a descompostura, gritando transtornado o que de pior vinha pela fossa da boca. E tudo isso porque o pai foi buscar à força o Henrique na casa do Betinho, onde a turma se reúne agora, dia sim e outro também, para cheirar cocaína e fumar crack.

Um pai ouvindo da pessoa que talvez mais ame na vida que o guri não se considera mais filho. Um filho que logo começará a vender as coisas de valor em casa para embalar o vício. Quando for briqueada a última televisão do quarto, só vai restar o tráfico para sustentar a dependência química das drogas. Não tardarão, pois sempre foi assim com os outros, a condenação transitada em julgado, o cárcere degradante, e o maior formigão do centro da cidade vai virar mulherzinha do líder das galerias do presídio local.

Por fim, a notícia da morte do filho mimoso, encontrada num acerto de contas com outros detentos no escuro da cela. Quatorze estocadas com gana foi o que o médico legista conseguiu contar no corpo já violáceo do futuro doutor.

É, realmente deu problema na Kombi...

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