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Blusão desbeiçado, sapatos velhos e um par de meias puídas

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Sem muita pressa, o frio vai se enfiando pelas frinchas e desvãos de casas despreparadas para ele e, como ocorre ano após ano, com jeitão de visitante intruso que veio para ficar, ele começa a se instalar em nossas vidas, a se intrometer em nossas camas, a gelar nossos lençóis, a esfriar nosso banho e nossa comida. Este ano, ele demorou mais para mostrar as garras, mas chegou com fortes promessas de hálito gelado nos amanheceres do pago. Eu, há muito tempo ou nem tanto tempo assim, e até já escrevi sobre isso, desisti de me queixar do frio e das invernias rengueadoras de cuscos. De nada adianta reclamar, se queixar ou se enrodilhar como guaipeca solitário na soleira de um galpão.

Todos nós, os assumidos recalcitrantes do verão, com a passagem dos anos, acabamos descobrindo alguns pequenos e deliciosos prazeres que o frio nos pode proporcionar, na medida em que tenhamos ou adquiramos mínimas condições econômico-financeiras para bancá-los. O problema é que boa parte de nossa gente está longe de ter autonomia econômica que lhes permita se aquecer em frente a uma agradável lareira, a enobrecer o paladar com um tinto de casta superior, a desfrutar de uma mesa substanciosa e de otras cositas más, que amenizam a friagem, esquentam os corpos enregelados e fazem do inverno também uma estação prazerosa.

Por isso, amigos, eu lhes faço uma sugestão: escarafunchem seus guardados e vejam se lá no fundo dos guarda-roupas ou daquele baú que enfeita o quarto não há, sobrando, um blusão meio desbeiçado, um casaco meio fora de moda que você gosta e jura que um dia vai usar novamente; uma camisa de lã quase desbotada de tanto uso ou um desusado sobretudo, aquele mesmo que você guardou para, em casa, se proteger da invernia e nunca mais vestiu.

É possível que você encontre também uma calça de lã da qual nem lembrava. E sapatos que há anos apenas ocupam espaço no seu armário. É possível que nessa busca você depare com coisas esquecidas, com coisas guardadas sabe-se lá o porquê e para quê. Coisas que você não mais utilizará, mas que podem ser de extrema utilidade para um bocado de irmãos menos afortunados, que dependem, direta ou indiretamente, da solidariedade que cada um de nós for capaz de demonstrar concretamente.

Como usualmente ocorre, há várias campanhas em andamento na cidade, recolhendo roupas, cobertas e alimentos para distribuição aos mais necessitados. Tratam-se de campanhas sérias, bem organizadas e que merecem o apoio da comunidade santa-mariense. Por que não aproveitarmos, como muitos estão fazendo, o tempo de retraimento social, que a Covid-19 nos impõe, para revisitar nossos guarda-roupas e armários? Quem sabe não encontramos um par de sapatos velhos e meias puídas mas ainda úteis e suficientes para aquecer os pés de um dos tantos irmãos menos afortunados e dependentes de generosidade alheia para ter um pouquinho da dignidade que nosso iníquo país não lhe assegura.

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