colunistas do impresso

A voz dos inocentes

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Com dois anos de idade, no ano de 1866, Mary Ellen Wilson foi entregue pela sua mãe para o Departamento de Caridades de Nova York, quando foi colocada sob os cuidados do casal McCormacks. Com o breve falecimento do guardião, a menina ficou sob os cuidados da viúva, que se casou novamente e foi morar em um apartamento numa área residencial. Nesse local, os vizinhos passaram a ouvir gritos e a testemunhar os maus-tratos contra a criança.

Naquela época, ainda não existiam entidades de proteção às crianças, que assim como os animais eram consideradas propriedade de seus donos, ou seja, de seus pais ou guardiões. Podiam ser "educadas" da maneira que esses entendessem conveniente. A ajuda veio através de uma missionária metodista que trabalhava na região. Ela encontrou a pequena Mary Ellen coberta por hematomas, desnutrida, com claros sinais de maus tratos.

Diante da omissão das autoridades, a mulher foi inspirada a buscar ajuda na "Sociedade Americana de Prevenção à Crueldade Contra os Animais", usando o argumento de que Mary Ellen era humana, portanto, um animal que precisava de proteção e cuidados. O caso chegou na Suprema Corte do Estado de Nova Iorque, onde a menina foi ouvida, sendo comprovados os espancamentos constantes, o abandono, a ausência de alimentação e de cuidados básicos. Quando Mary Ellen tinha 10 anos, a sociedade protetiva venceu a causa conseguindo finalmente o afastamento e a punição de seus agressores.

Esse tratamento inédito em reação ao comportamento costumeiro dos pais e guardiães, ensejou a criação da primeira organização internacional de proteção à criança, "Save the Children of the World", abrindo o caminho para uma justiça especial de proteção à infância. Construía-se uma nova ideologia de caráter tutelar com um paradigma de proteção integral que se difundiu pelo mundo inteiro.

A Constituição de 1988 adotou esse entendimento e, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou a rede protetiva onde família, sociedade e Estado são responsáveis pelas crianças e adolescentes, detentores de direitos especiais pelas suas condições peculiares de pessoas em desenvolvimento.

Mas não basta a lei e nem as sanções previstas. Frequentemente a história de Mary Ellen se repete com outros protagonistas em enredos idênticos. Pequenas vidas são ceifadas exatamente por quem lhes deveria cuidar e proteger. Suas vozes infantis, seus gritos e choros têm ecoado inutilmente.

Somos todos integrantes dessa rede protetiva, não só na condição de familiares ou de autoridades com poder decisório, mas simplesmente como cidadãos. Portanto, nosso dever é de ouvir, prestar atenção, denunciar, proteger e salvar.

O pedido de socorro que parte daquele pequeno ser não pode ser ignorado. Cabe a nós entendermos essa mensagem, assim como a missionária americana o fez. Quem sabe, juntos, conseguimos efetivar o paradigma que começou a ser construído no século 19 por uma corajosa mulher e uma singela sociedade de proteção aos animais.

CONFIRA OUTROS TEXTOS:
Anjos de jaleco

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

O mar e a vida Anterior

O mar e a vida

Próximo

Uma licitação que custa a sair

Colunistas do Impresso