Uma pequena história: eu vivi em uma pequena cidade no interior de Santa Catariana há mais de 40 anos. Lá, a agricultura era de subsistência, o ar puro e a água fresca e limpa do poço. Nós íamos para horta com nossa mãe e comíamos os vegetais muitas vezes direto da terra, só passávamos na roupa a cenoura, a beterraba, a couve, o repolho, a salsinha, alimentos que eram festa aos sentidos gustativos. Até porco criávamos um a dois por ano, assim como galinhas. As brincadeiras da época eram desbravar, descobrir e fantasiar os caminhos, como andar de carrinho de morro, subir em árvores, novos esconderijos na mata, comer frutas silvestres, brincar de queimada, de polícia e ladrão, esconde-esconde, pega-pega, escalar os morros, voar com os cipós e, muitas vezes, nós saímos de casa após almoço e só retornávamos ao anoitecer. É claro que levávamos "bronca", mas nunca desistimos dessa vida boa saudável. Muitas crianças participavam dessa festa de descobertas, desafios e alegrias, éramos quatro em casa e junto com os vizinhos chegávamos às vezes dez ou doze crianças, uma festa ao ar livre cheia de aprendizados, medos, desafios, machucados, quedas de pedras, cortes nos pés e joelhos, nada disso nos demovia daquela vida única, verdadeira e feliz.
Qual a razão dessa pequena história?
As pessoas provavelmente pensam nostalgicamente do tempo que comiam banha e faziam algo semelhante ao que descrevi acima. Recebo respostas e justificavas dessa forma: "... a banha é muito mais saudável, nossos avós comiam, ou nós também comíamos, mas agora vimos que todos os óleos, esses óleos são cancerígenos conforme a internet".
A desinformação presente é algo sem precedentes, e desta forma precisamos, enquanto profissionais, nos embasar cientificamente com pesquisas de relevância para contrapor e justificar a não veracidade dessas mensagens, que muitas vezes tem outro objetivo escuso e até mesmo uma "fake news".
Bom, vamos falar sobre a banha
É uma fonte gordura saturada, com alguma quantidade de ácido oleico - o mesmo do azeite de oliva - tem colesterol por ser de origem animal, em cada 100g de banha há 88,7g de gordura, sendo 32,2g de gordura saturada, 42g de gordura monoinsaturada e 10,3g de gordura poli-insaturada.
Até ai, tudo quase perfeito, mas por que não consumir?
Muito simples, se fosse consumida por pessoas que têm hábitos saudáveis de vida que vivam no interior, que trabalhem sol a sol na terra, que comam produtos orgânicos produzidos no local, que não morem próximo a lavouras com agrotóxicos, que não usem essa banha para fritura, quem sabe teríamos poucos fatores a contradizer o consumo esporádico.
A realidade diferencia um morador urbano, estressado, exposto ao meio ambiente poluído, sem prática de atividade física regular, que verduras e legumes não chegam ao seu prato com frequência, que ingerem bebida alcoólica, fumam... E por ai vai uma relação de contradições em sua qualidade de vida. Além disso, a banha apresenta seu ponto de fusão baixo, isso quer dizer que pode causar formação de acroleína em temperaturas maiores que 40°C, o que a torna altamente cancerígena, aumenta dislipidemia, e possivelmente pode levar a um acidente vascular encefálico, assim como um infarto entre outros. Por essas premissas, o consumo de banha não é indicado .
Os tempos são outros, os modos de vida também, e, portanto, a quantidade do consumo de gordura saturada deve ficar abaixo dos 10% do total, e colesterol até 300mg dia, e lembrar que não é somente a banha a fonte dessas gorduras. O leite, os queijos, as carnes e até mesmo muitos óleos também entram nesta lista.
Os óleos não são ruins como se apregoa. Usando-os de forma comedida e variando os tipos de óleos - como soja, arroz, milho, girassol e canola -, evitando frituras, margarinas e outros alimentos ricos em gordura hidrogenada - até mesmo biscoitos água e sal e cream cracker - reduzindo drasticamente o consumo de alimentos industrializados de forma geral, consumindo regularmente frutas verduras e legumes e tendo uma boa hidratação já há promoção de saúde nessa vida "moderna e corrida".
A banha não deve ser ressuscitada como fonte de gordura, pois os dados epidemiológicos sobre as doenças crônicas e principalmente câncer já são alarmantes acima do que o sistema de saúde pode suportar.
Buscar equilíbrio sempre será o melhor caminho para os tempos atuais e futuros juntamente com atividade física, boa alimentação, orientação nutricional, consciência do todo em nosso entorno, paz e tranquilidade sempre, e por fim cuidado e atenção às informações propagadas por alguns meios de comunicação, na dúvida consulte um nutricionista.