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O programa Faz Sentido, que aborda temas ligados à saúde mental todo domingo, está de cara nova. A partir deste mês, a jornalista Fabiana Sparremberger, diretora de Jornalismo do grupo Diário, recebe convidados e especialistas de diferentes áreas da saúde e bem-estar. Além da maior diversidade de participações, outra novidade são os convidados que vão compartilhar histórias de resiliência, esperança, superação e recomeços.
- Será um programa que faz ainda mais sentido para quem busca o essencial da vida. Além do papo e das dicas dos especialistas, vamos trazer pessoas que desapegaram de muitas coisas para investir no que realmente tem valor - conta, animada, a apresentadora.
Da formação original do programa, o psicólogo Carlos Eduardo Seixas segue participando do programa uma vez por mês.
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Na estreia do Faz Sentido 2022, que irá ao ar neste domingo, às 11h, na TV Diário e na rádio CDN, o programa recebeu o psicólogo Diógenes Chaves, que propõe uma reflexão sobre as oportunidades e resoluções para o ano que se iniciou.
RESILIÊNCIA
Na última edição do modelo anterior, apresentada no dia 2 de janeiro, a jornalista Fabiana Sparremberger recebeu a pastora Denise Flores Araújo, presidente do Templo das Nações, igreja de importante representatividade em Santa Maria. Denise, que também é psicóloga e teóloga, perdeu o marido, Pedro de Carvalho Araújo, em março do ano passado, vítima da Covid-19. Em uma conversa sensível e cheia de lembranças, Fabiana e Denise falaram de saúde mental, fé e espiritualidade.
Fabiana - Como a sua relação com a espiritualidade teve início?
Denise - Eu sou de Santa Maria e, durante um certo período da minha adolescência, morei no Pará. Eu tinha 15 anos quando a nossa família se mudou para Marabá para acompanhar a minha irmã e meu cunhado, que é militar. E lá, devido a um problema de saúde dele, nós procuramos uma igreja evangélica.
Fabiana - A partir daí, você se tornou assídua na igreja?
Denise - Sim. É nesse período (adolescência) que o jovem tem uma tendência maior de buscar o contato com a fé, conhecer a Deus e a espiritualidade. Lá, a nossa família teve a oportunidade de criar raízes com as Escrituras Sagradas e ter um conhecimento maior da pessoa de Jesus Cristo.
Fabiana - Vocês encontraram a ajuda que precisavam?
Denise - Estávamos vivendo uma situação delicada e longe da nossa terra. Então, foi na igreja que encontramos acolhimento e refúgio. A partir disso, a nossa relação com a obra de Deus foi consolidada.
Fabiana - O encontro com o pastor Pedro foi no Pará?
Denise - Sim, conheci aquele que seria o meu marido na igreja, no Pará. Ele morava em São Paulo e estava fazendo uma conferência lá. Eu tinha 17 anos. Minha família retornou para o Rio Grande do Sul e, por isso, nos encontramos apenas um ano depois. Em 10 meses, nos casamos e fomos morar em São Paulo. De volta a Santa Maria, tivemos duas filhas, Isabely e Israely, e, nessa história, nasceu também o Templo das Nações.
Fabiana - E como a Psicologia entra nessa história?
Denise - Como pastores, reconhecemos a necessidade de compreender o ser humano de maneira mais completa. Ou seja, sabíamos que a nossa essência é física, espiritual e mental. O ser humano é trino: corpo, alma e espírito. A busca por mais conhecimento, por meio da Psicologia, veio para nos ajudar no pastorado. Meu marido começou a graduação e, como eu o ajudava nos trabalhos, me apaixonei pela área. Ele, então, trancou o curso para me esperar. Fiz vestibular, fomos colegas de aula e nos formamos juntos na Universidade Franciscana (UFN).
Fabiana - Qual a importância da Psicologia e da espiritualidade no seu dia a dia? Como isso ocorre?
Denise - A Psicologia é muito importante para auxiliar no atendimento, tanto de famílias quanto individual. Nem tudo na comunidade cristã é questão espiritual. Embora não misturemos o atendimento psicológico, que ocorre no consultório, e o pastoral, realizado a partir de princípios bíblicos, na igreja e nos grupos de estudos, o conhecimento adquirido no curso foi fundamental para a minha área de atuação.
Fabiana - Você assumiu uma liderança rara. Afinal, ver instituições religiosas comandadas por mulheres ainda não é comum. Como tem sido esse desafio?
Denise - Realmente tem sido um desafio assumir essa postura. A perda do meu marido ainda é recente. Para mim e para as minhas filhas, a dor ainda é constante e irreparável. Manter-se firme e forte é difícil. Aliás, nem sempre estou forte e não escondo isso da minha igreja. Sei, também, que cada membro do Templo das Nações sofreu essa perda.
Fabiana - As pessoas choram e se alegram com você neste tempo. Como é essa mistura de empatia, vontade de proteger, admiração e respeito que a cercam?
Denise - As pessoas que estão perto de mim sabem o quanto eu acredito que a gente não precisa ser forte o tempo todo. Tem dias bem difíceis, em que choro de manhã, à tarde e à noite. Mas é tão bonito saber e poder dizer que não estou só. Tenho sido cercada por pessoas que me ajudam na minha fragilidade. Somos seres humanos. Temos que dizer o que o nosso coração está sentido.
FÉ E SAÚDE MENTAL
Fabiana - Na sua opinião como psicóloga, a preocupação com a espiritualidade, independentemente do credo religioso, pode impactar na saúde mental?
Denise - Nos atendimentos em nossos consultórios, percebemos que as pessoas que exercitam a fé têm uma capacidade muito maior de resiliência e de ressignificar uma situação difícil. A espiritualidade contribui na melhora da saúde mental porque a crença em Deus nos permite dar um novo sentido às situações difíceis que vivemos.
Fabiana - Evangélico, espírita ou católico, ou adeptos de outras religiões... Todos estão sujeitos ao sofrimento, não é?
Denise - Claro. Sou procurada no escritório por muitas pessoas cristãs que vivem situações tão complicadas quanto aquelas que afirmam não ter vínculo com alguma igreja. Estamos nessa vida, e vamos passar por tudo. A chuva e o sol são para todos. Perdi o meu marido devido à Covid e sei que muitas pessoas têm questionamentos, tais como: "ela não é evangélica? Cadê a fé. Cadê Deus?" Minha fé é a mesma. Nosso diferencial é que, na comunhão da igreja e com Deus, conseguimos superar melhor a situação, dar um novo sentido aos dias difíceis.
Fabiana - E como psicóloga? A carga é maior e a cobrança são maiores?
Denise - Sim, às vezes. Uma expressão que ouvi muito: "ah, tu é psicóloga, então, vai tirar de letra a situação". A gente é ser humano. Quando estamos passando por uma situação difícil, não é a psicóloga ou a pastora que estão sofrendo. É a Denise humana. Diante das nossas dores, não há teoria que sustente.
Fabiana - O acolhimento das pessoas à sua volta faz diferença nessa nova rotina?
Denise - Faz muito. Se estou aqui hoje contigo é porque, nesses nove meses de luto, a minha comunidade cristã me acolheu de uma forma inesquecível. Eles estavam comigo dia e noite e chegavam a dormir nos pés da minha cama. A falta, a dor e a perda são latentes, mas vejo ao meu redor muitas pessoas mobilizadas a me verem feliz.
Fabiana - Diante da perda e do luto haverá momentos de choro e dor... Todos devemos estar prontos a acolher quem está em sofrimento. Como ajudar respeitando cada um?
Denise - Acolher e estar por perto... Minha condição não é única. Muitas mulheres ficaram viúvas. Várias mães tiveram que assumir a casa, os filhos e as filhas, assim como eu. O acolhimento nos dá força e ânimo. Quando o ser humano está ferido ou machucado, também existe a tendência de ele se isolar. É preciso estar atento, visto que alguns entram em processo de depressão.
Fabiana - No seu luto, você pensou em se isolar?
Denise - No início, esse foi o meu funcionamento. Eu queria me isolar e não compartilhar a minha dor, mas precisamos das pessoas para isso não ocorrer. A família é fundamental no momento da dificuldade. Como seres humanos, temos a missão de cuidar e estarmos prontos a recebermos cuidados.
Fabiana - Estar presente e se colocar à disposição são ajudas sempre relevantes. Mesmo assim, é preciso respeitar quando a pessoa deseja estar sozinha...
Denise - Sim. Vai ter momentos que a gente vai querer ficar um pouco só, mas é diferente de se isolar. As pessoas são o nosso suporte. Não temos como viver sós.
Fabiana - O Templo das Nações tem um projeto social que acolhe crianças e adolescentes. Que novidades a igreja tem para 2022 neste sentido?
Denise - Há 10 anos, temos um projeto social que atende crianças em situação de vulnerabilidade social, o Projeto Nações em Ação (PNA). Durante a pandemia, conseguimos atender muitas famílias que estavam sem alimento. Junto a algumas empresas parceiras, conseguimos muitas cestas básicas para distribuir à comunidade em geral, não apenas ao pessoal do PNA. Para esse ano, a novidade é uma clínica na igreja, com psicólogos, fisioterapeutas, dentistas, nutricionistas e médicos que irão trabalhar com a gente. Além de dar oportunidade de trabalho a novos profissionais, atenderemos as crianças do PNA, as família da igreja e da comunidade que têm dificuldade de pagar uma consulta especializada.
Fabiana - Como será a seleção dos beneficiados?
Denise - Esses profissionais atenderão seus pacientes de toda a comunidade, mas, como em outras clínicas, conforme horário e disponibilidade dos profissionais. Já temos pessoas na lista de espera para atendimento psicológico, por exemplo. Será necessário comprovar a dificuldade financeira para, então, disponibilizarmos esse suporte.
Fabiana - Vocês já têm os profissionais que atenderão?
Denise - Sim. Já temos alguns profissionais credenciados e outros em processo de seleção. Recebemos contato de advogados comprometidos com a causa social, que já estão à nossa disposição. Com a pandemia, a solidariedade e o olhar para o outro foram ampliados.
Fabiana - Como gestora da igreja e como psicóloga, quais são seus próximos desafios?
Denise - Na igreja, o desafio é a construção do Novo Templo, um projeto do meu marido que vamos dar seguimento. Na pandemia, percebemos a necessidade de ampliar o espaço. Uma equipe de arquitetos, gestores da construção civil e engenheiros está nos ajudando. Já iniciamos os orçamentos e os projetos estruturais da obra. Como instituição espiritual, queremos seguir com os cursos de formação pessoal, Teologia e liderança. Temos uma equipe comprometida e que dá suporte para prosseguir com os projetos.
Fabiana - Você irá atender como psicóloga?
Denise - Nesses últimos meses, não consegui devido a tudo o que nos aconteceu, pois eu assumi a igreja. Sou mãe, pai, gestora da igreja e sigo com os atendimentos pastorais. No entanto, nesse ano, vou reservar tempo para clínica. Estar sempre envolvida ocupa minha mente e me traz a esperança para dar continuidade aos meus projetos pessoais e aos sonhos para a igreja.