Entrevista

'O maior legado é de um homem justo e corajoso', diz neta de Brizola

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Foto: Divulgação/Deputada estadual pelo RS, Juliana Brizola herdou de Leonel Brizola o gosto pela política

Um dos políticos mais destacados da história recente do Brasil, o ex-governador Leonel de Moura Brizola faria 100 anos neste sábado, caso estivesse vivo. O líder trabalhista morreu em 21 de junho de 2004 e está enterrado em São Borja, Fronteira Oeste. Prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e federal e governador em seu Estado natal, Brizola ultrapassou os pagos gaúchos e também foi político no Rio de Janeiro. No Estado fluminense, elegeu-se deputado federal e duas vezes governador.

Em suas gestões, a educação sempre foi prioridade. No Rio Grande do Sul, implantou as brizoletas (escolas com estruturas pré-fabricadas), e no Rio, os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Brizola também ficou conhecido pelas" brigas que comprava" e pela Campanha da Legalidade, movimento liderado por ele, a partir do Rio Grande do Sul, em defesa da democracia e para garantir a posse de João Goulart na Presidência do país.


Diante da luta e resistência à ditadura militar, o líder de esquerda acabou se exilando no Uruguai. Só retornou, em 1979, com a anistia em vigor.
Em seu centenário, a neta de Brizola, a deputada estadual Juliana Brizola, fala da convivência e dos ideias do líder trabalhista.

- Eu convivi com ele até meus 29 anos e tive uma convivência bastante de perto, porque eu também morava no Rio. Quando ele se mudou para o Rio, em 82, toda família foi. Eu só voltei pro Rio Grande do Sul, em 2000, para estudar. E, mesmo depois que eu vim para cá, continuamos próximos - contou ela, em entrevista ao Diário.

Este ano, serão completados 18 anos da morte do ex-governador. Juliana se diz saudosa da companhia do avô e de suas lições.
- Eu o acompanhava nas agendas, então, eu gostaria muito que ele tivesse vivo, agora, para me dar uma luz neste momento tão difícil que vive a política e o povo brasileiro - acrescenta a deputada.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

Diário de Santa Maria - Que lições e lembranças o seu avô lhe deixou?
Juliana Brizola - Então, é um momento bem especial, 100 anos dele. Muita saudade do meu avô, né. Nem parece que ele estaria fazendo 100 anos. Estamos entrando no 18º ano de falecimento dele e é sempre bom a gente relembrar, porque ele faz parte da história do Brasil, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro. E acabou se tornando uma personalidade internacional, e é muito importante a gente mostrar pras novas gerações o quanto teve um líder político nesse país que realmente se preocupava com a população, que tinha um enfoque muito forte na questão da educação, no acesso para todos. Ele via a escola não como um depósito de crianças, mas como algo libertador para que elas chegassem no mercado de trabalho e tivessem as mesmas oportunidades daqueles que puderam pagar uma escola particular. Para mim, além da grande saudade, o maior legado que ele deixa é o amor que ele tinha pelo povo brasileiro e tudo que ele foi capaz de fazer: as resistências, as brigas que ele comprou com gente grande, como os próprios militares, a coerência na política. Ele nunca foi um caçador de votos, sempre dizendo aquilo que acreditava. O maior legado é de um homem justo e corajoso.


Diário - Mas esses ideais de Brizola, especialmente a educação, não foram se perdendo ao longo do tempo no país?
Juliana - Não tenho dúvida. Aqui, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a gente colheu esses frutos até bem pouco tempo. Porque ele investiu muito na educação, construiu as brizoletas, não é à toa que o povo do Rio Grande do Sul levou a fama de um povo politizado, que lia muitos livros. Mas, infelizmente, ao longo do tempo, isso foi se perdendo. Hoje, a gente vê o Estado do Rio Grande amargando índices vergonhosos em relação aos nossos estudantes, a forma como nossos professores são tratados com desrespeito, com falta de salário digno, a falta da escola em tempo integral. E, como diria o Dr. Darcy Ribeiro (vice de Brizola no Rio de Janeiro), talvez a crise na educação não seja uma crise, talvez seja um projeto. Meu avô sabia que era muito importante priorizar a educação e isso não tem mágica. É investimento. É destinar parte do orçamento que existe para educação. A educação no Estado foi largada. A pandemia veio mostrar o abismo que existe entre as escolas públicas e particulares.

Diário - O próprio PDT não deixou de lado alguns ideais? O partido, por exemplo, já fez alianças no Brasil com siglas que Brizola reprovaria, deputados chegaram a votar a favor da Reforma Previdência, da PEC dos Precatórios?
Juliana - Com certeza, perder um líder como Leonel Brizola não é qualquer coisa para um partido. Depois da morte dele, o PDT ficou meio perdido. Com muitas dificuldades de deixar sua marca, mas hoje, eu vejo o PDT resgatando tudo isso. Tentando fazer com que o partido volte a ser aquele partido norteado por Brizola. E vejo muito isso na liderança do Ciro Gomes (pré-candidato a presidente), que é uma pessoa muito preparada e muito séria, que entende como se fazer para priorizar a educação, então eu estou levando muita fé nesse novo momento do PDT, apesar de termos algumas traições, o que não é um privilégio no partido. Em todos os partidos, sempre têm essas questões. E é um novo rumo do projeto para o Brasil, um projeto de desenvolvimento. O trabalhismo nasce como um equilíbrio entre o capital e o trabalho. Nós não somos contra a iniciativa privada, contra a propriedade privada. Meu avô até dizia: "sou tão a favor da propriedade privada, que eu quero ela pra todos".


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Foto: Arquivo Pessoal/

Juliana com o avô em sua formatura de Direito. Ela se diz saudosa das lições de Brizola

Diário - O PDT já não tem a mesma projeção que teve no passado, quando Brizola era sua principal liderança. A que se deve isso?

Juliana - Eu acredito que durante muito tempo ficamos sem uma grande liderança. Brizola é um daqueles estadistas que nascem de 50 em 50 anos, então a perda do Brizola afetou a política brasileira e é natural que o partido tenha ficado baqueado. Aos poucos, a gente vai vendo um resgate e, hoje, eu vejo muitas possibilidades no Ciro Gomes. Aposto em um segundo turno entre Ciro e Lula. Então, tenho muita esperança. Temos um tempo antes da eleição. Os brizolistas, se ainda têm alguma dúvida sobre o Ciro, escutem o que ele fala. Ele quer seguir o mesmo caminho, adequando-o ao atual momento. Meu avô falava muito em soberania nacional e, hoje, o Ciro Gomes também fala. Nós precisamos fomentar, aqui, o incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento de inovação, tecnologia. Hoje, há um grande retorno nesse sentido, eu estou com muita esperança que o PDT vai voltar a ter grandes chances de governar o país e tantos outros Estados.


Diário - Brizola combatia ideias conservadoras, se estivesse vivo, como a senhora imagina a avaliação que seu avô faria da onda conservadora vivida no Brasil atualmente?
Juliana - Eu acredito que ele reagiria com muita sabedoria. Essa mesma onda já existiu em 1964, a gente não pode esquecer a campanha que foi feita contra o ex-presidente João Goulart, que foi chamado de comunista e era, na verdade, um grande latifundiário. E essas questões são falta de conhecimento, de educação de qualidade. Eu vejo que vivemos esse outro momento dentro do partido, que é importante justificar nossas lutas, nossas defesas, nos diferenciando do PT que não fez as reformas necessárias para o povo brasileiro.
(Colaborou Leandra Cruber)

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