reportagem especial

VÍDEO: no janeiro lilás, pessoas trans compartilham experiências sobre saúde e acolhimento em Santa Maria

Arianne Lima

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Marcelo Oliveira (Especial)

No Brasil, diariamente, mulheres, crianças, negros, indígenas, pessoas com deficiência e, principalmente, pessoas LGBTS são vítimas de violência, preconceito, racismo e exclusão social. Para esses indivíduos, viver e sonhar com plenitude ainda não é permitido. A maioria desses grupos luta por conquistas e, aos poucos, dá passos em um longo caminho contra a desigualdade. Debatida diariamente, é no primeiro mês do ano que a causa trans tem uma data para marcar as lutas.

Em 29 de janeiro de 2004, um grupo composto por mais de 25 travestis, mulheres e homens trans apresentou a campanha denominada "Travesti e Respeito" em Brasília. A ação, que ganhou repercussão nacional, visava abordar a importância do respeito à diversidade, a luta pelos direitos de pessoas trans, além de outras pautas do movimento. Desde aquele ato, a data tem sido reconhecida cada vez mais como o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Mas os diálogos sobre retrocessos e avanços em diversas esferas sociais ganham força dentro e fora da comunidade o mês todo. O Janeiro Lilás, termo que faz referência à mistura do branco, azul claro e rosa claro - presentes na bandeira trans - traz à tona essas pautas, incluindo a saúde.

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No Rio Grande do Sul, há 13 pontos de atenção à saúde de pessoas trans, um deles inaugurado há cerca de um mês em Santa Maria, cujos atendimentos começaram em janeiro. Nestes espaços, são ofertados exames para tratamentos hormonais e consultas com equipe multidisciplinar de saúde. Apesar do alto número de ambulatórios e da demanda, o Estado ainda conta com apenas um hospital habilitado para realização de cirurgias de redesignação sexual.

Em Porto Alegre, o Hospital de Clínicas já fez 206 procedimentos desde 2008 até novembro do ano passado, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde. Em Santa Maria, janeiro marca outra conquista: a ampliação dos serviços 100% para pessoas trans. Em 2020, foi inaugurado o Transcender, primeiro local via SUS. E agora, em 2022, a Casa de Saúde passou a ter um local de referência, acolhimento e atendimento especializado.

Aos 23 anos de idade, Lucas Ritter Barbosa já conta com os serviços do ambulatório. Ao contrário de Luiza Scheffer Barros, 37 anos, que representa uma geração com pouco acesso, ou de forma precária, aos tratamentos necessários. Nesta reportagem, os dois compartilham suas histórias e mostram as dificuldades pelas quais já passaram e como o acolhimento é importante. Em relatos sobre os próprios processos e percepções, eles vão mesclando passado e presente, recriando um caminho trilhado por grande parte da comunidade trans no interior do Rio Grande do Sul.

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LUCAS

Lucas Ritter Barbosa, 23 anos, sempre teve muitas certezas na vida. Preparando-se para cursar Publicidade e Propaganda, ele afirma que a maior delas sempre foi sobre quem ele realmente é. A decisão em dar um passo definitivo rumo a uma vida de aceitação veio ainda em 2020.

- Sempre foi uma coisa que eu pensei, mas, acabei sempre deixando para depois. Fui empurrando até não dar mais. No final de 2020, comecei a fazer terapia com psicóloga e fui conversando com as pessoas com quem eu tinha mais proximidade para me soltar mais. Conheci muitas pessoas trans, que são meus amigos hoje e me ajudaram a entender. Li muita coisa, porque nós sempre ficamos naquela dúvida e crítica social, que não queremos passar - comenta Lucas.

TERAPIA

Lucas comenta que muitas pessoas, em posição semelhante, acabam se automedicando por opção ou por falta de recursos. Focado em encontrar formas de realizar o acompanhamento com profissionais e passar por processos de descoberta e desenvolvimento seguros, ele resolveu buscar informações e atendimento especializado em Santa Maria. Em fevereiro de 2021, ele deu início à terapia hormonal no ambulatório Transcender, o pioneiro no o atendimento de pessoas trans em Santa Maria. Os primeiros exames são lembrados com emoção:

-A primeira vez que eu fiz o exame que mostra como estão todos os hormônios foi uma sensação bem legal. Tipo "eliminando o que não queria para ter de sobra o que queria". E é muito bom. A realização de todos os processos é muito boa. Vale a pena! Mesmo sendo tudo muito difícil, cada parte que você vai conquistando vale a pena depois.


APOIO

Entre sorrisos, Lucas conta que encontrou o apoio necessário para continuar com a terapia em amigos e, principalmente, na família:

-Quando eu tive medo ou vergonha de falar com eles, todos me acolheram de formas que eu nem imaginava. O apoio da família, que é a coisa mais importante, nem todos têm, infelizmente. E eu tive a sorte de ter.

O desejo de proporcionar a segurança e apoio a outras pessoas trans tem levado Lucas a encabeçar diversas ações em Santa Maria. Ele relata ter criado grupos no WhatsApp para divulgar informações tem acompanhado amigos na confecção de novas carteiras de identidades, além de ter incentivado outras pessoas a buscar consultas em unidades de saúde.

-Eu sempre tento trazer mais pessoas para a nossa comunidade mesmo, porque eu acho que é importante ter alguém para te ajudar, para te mostrar, dizer 'faz assim', que não adianta ir lá, justamente para eliminar um pouco dos problemas que nós temos. Quando você faz a corrida sozinho, não tem ninguém para te dizer 'ah, é mais fácil ir por ali'. Mas, quando você tem alguém para te ajudar e te incentivar a correr atrás, é bem mais fácil.

Enquanto segue com o acompanhamento, Lucas faz planos para o futuro. O jovem criou uma campanha para custear uma mastectomia masculinizadora. A meta para a realização do procedimento, que consiste na retirada da glândula mamária e o reposicionamento da aréola, é R$15 mil. Em vídeos e publicações, ele explica que não se trata de estética, é uma questão de saúde.

-Eu quero fazer a cirurgia antes do alistamento, para tentar me alistar. Então, estou fazendo a vaquinha para conseguir juntar o valor e fazer minha cirurgia. Ela tem pelo SUS. Aqui, na Casa de Saúde, eles estão com a ideia de tentar liberar, porque em Santa Maria não tem. O único lugar que tem é em Porto Alegre. Mas são muitos anos de espera. Então, acabamos buscando outros meios, só que são caros. A ideia é chegar no valor para conseguir chegar no alistamento do jeito que eu quero.

Com ações de divulgação pelas redes sociais, o jovem já conseguiu arrecadar 40% do valor. Para ajudar Lucas, basta entrar em contato pelo Instagram @lucas_ritterb.

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Pedro Piegas (Diário)

LUIZA

Aos 37 anos, a comunicadora e ativista Luiza Scheffer Barros acompanha os avanços em saúde para a comunidade trans em Santa Maria. Engajada desde os 17 anos em ações e eventos por mais respeito à diversidade, ela avalia a caminhada com reflexão. Luiza começou a terapia hormonal em 2001, sem acompanhamento médico.

Sabendo da importância de contar com ajuda profissional durante todo o processo, ela faz questão de compartilhar a própria experiência como uma forma de conscientização:

- Eu comecei toda a minha hormonização na década dos anos 80 e 90. Eu e mais três amigas. Nós começamos escutando amigos, mulheres trans e travestis que trabalhavam na cidade ou vinham por conta de eventos.

Luiza enfatiza que o hormônio é uma prioridade para muitas pessoas. Muito mais do que as mudanças corporais feitas a partir de cirurgias plásticas, por exemplo.

-Na época, não se falava tanto em próteses de silicone. Era a hormonização. Muita gente acha, por conta do estereótipo, que para ser uma mulher trans é preciso ter silicone e 'ser toda feita'. Mas, a questão não é essa. O hormônio é para te deixar mais feminina. Para bloquear alguns hormônios que existem ainda no corpo masculino. E as cirurgias plásticas vão te deixar mais bonita para ti. É para a autoestima - explica.

Após nove anos, Luiza interrompeu a terapia hormonal. Ela relata ter descoberto por meio de um exame que contava com quantitativo a mais de hormônio feminino no corpo. A reflexão sobre a falta de um acompanhamento dá espaço a satisfação em saber que outras pessoas terão a oportunidade.

-Tantos direitos nos foram negados lá atrás. Hoje, ter um ambulatório trans é um marco para nossa história. Poder contar com um acompanhamento médico, de psicólogo, endocrinologista, clínico-geral, enfermeiro e outros profissionais envolvidos é muito importante.

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