Pode o Poder Judiciário intervir nos atos administrativos da Administração Pública? A luta dos freios e contrapesos

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Pode o Poder Judiciário intervir nos atos administrativos da Administração Pública? A luta dos freios e contrapesos

MARCELO BRUM

É interessante entender o que são os atos administrativos e o quanto eles estão atrelados ao nosso cotidiano, tendo em vista que são eles que servem de fundamentação prévia para uma ação concreta que a Administração Pública pretende realizar. Em rápida análise, parece pouco, porém, já parou para pensar que, desde que nascemos, e arrisco dizer que, até mesmo antes de nascer, o indivíduo tem um prévio controle do poder público?

Os atos administrativos resultam em criação de algo, modificação, transmissão ou extinção de direitos que envolvem diretamente o cidadão (aposentadoria, concessão de benéficos, autorização para construção, multas, impostos, concursos, entre outros) e a própria administração (licitação, compras, meio ambiente, etc.)

É importante destacar que todo ato da administração pública se presume legítimo, ou seja, foi praticado de acordo com as leis e princípios que a regem. Sendo assim, os atos administrativos são imediatamente executados, mesmo que viciados ou com defeitos a serem apreciados posteriormente, motivo pelo qual são caracterizados por sua imperatividade. Ou seja, além de impositivos, que independem de nossa anuência, os atos muitas vezes podem ter erros que devem ser corrigidos.

Os atos administrativos são em sua essência de dois tipos:

Atos administrativos vinculados: quando estão previstos em lei e sua forma está estipulada por ela, sem deixar margem para o administrador muda-los. São exemplo aposentadoria compulsória, licença maternidade, multa de trânsito, multa aplicada pelo PROCON, entre outros.

Atos administrativos discricionários: quando o ato deixa ao administrador a escolher, desde que sejam convenientes ou oportunos, o que significa que a administração decidirá quando e como agir. É discricionária, por exemplo, a decisão de quais ruas serão asfaltadas na cidade dentro de cronograma de tempo e de dinheiro, se o alimento vai compor a merenda escolar ou se uma empresa terceirizada é quem vai fazer o fornecimento das refeições.

Pelo Princípio da Independência dos Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal, é vedado ao Poder Judiciário ingressar na análise do mérito administrativo, a fim de apurar a conveniência e oportunidade dos atos da Administração. Ou seja, quando o ato administrativo é discricionário, o legislador já o deixou desta forma para que o administrador tivesse a liberdade de ação. Em contrapartida, cabe ao Judiciário apenas verificar a eventual existência de ilegalidades em sua formação, por exemplo, que se demonstrem os vícios capazes de gerar uma nulidade/ilegalidade de um auto de infração, de uma decisão de banca de concurso ou de um procedimento administrativo.

Nas situações dos concursos públicos, a Administração é livre para estabelecer os critérios e bases do certame, todos pré-estipulados em edital, desde que o faça com igualdade para todos os candidatos, observando-se os princípios constitucionais da razoabilidade e da isonomia.

Por exemplo: um edital de concurso pode prever o teste de aptidão física (TAF), indicando quais exercícios físicos deverão ser executados pelos candidatos. Trata-se, assim, de ato discricionário, sobre o qual o Judiciário não pode intervir. Contudo, a partir do momento que os organizadores do concurso não executam a prova nos moldes e limites estabelecidos pelo edital do concurso, os candidatos podem solicitar medidas judiciais.

Aliás, em matéria de concurso público, em regra, é vedado ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para rever os critérios de formulação de questão, de correção de prova e, por conseguinte, de atribuição de nota, salvo quando existem erros crassos, grosseiros, sua atuação ao exame da observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital.

Assim, a Suprema Corte (STF), no julgamento do RE 632.853, submetido à sistemática da Repercussão Geral – Tema 485, em que firmada a seguinte tese:

“Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também já julgou que:

“Destaco que os Tribunais Superiores, incluindo o próprio STF, tem assentado a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário em caso de incompatibilidade do conteúdo de questões de concurso com o conteúdo programático previsto no edital, mas não admitindo interferência nas resoluções da banca examinadora, ressalvado erro grosseiro.” (Nº 71010377265 (Nº CNJ: 0004893-72.2022.8.21.9000)

Na mesma trilha:

Recurso inominado. Segunda turma recursal da Fazenda Pública. Concurso Público. Município de Arroio do Meio. Utilização de questões inéditas 1. A Suprema Corte, no julgamento do RE 632.853, submetido à sistemática da Repercussão Geral – Tema 485, firmou a tese de que não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. 2. Caso concreto em que verificada a inclusão de questões não inéditas, ferindo o princípio da isonomia. Por isso, devem ser anuladas as questões 20, 21, 22, 23, 26 e 29. A anulação tem eficácia inter partes, redunda na anulação das seis questões exclusivamente para a demandante, que deve ter atribuído a pontuação atinente a estas questões. Necessidade de se reordenar a lista de classificação, não se sabendo se a demandante figurará na lista de classificados, o que por si só, afasta os pleitos indenizatórios. Mesmo reconhecido o direito da autora em tomar posse no cargo público, não faz jus à percepção retroativa dos vencimentos do cargo, na forma do precedente obrigatório do Supremo Tribunal Federal no RE nº 724.347 RG/DF (Tema 671). Caso concreto em que não caracterizada arbitrariedade flagrante que caracterizaria exceção a permitir o pagamento, tampouco de dano moral. Recurso provido em parte. (Recurso Cível, Nº 71008523144,Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Daniel Henrique Dummer, Julgado em: 27-05-2020). Muitas decisões tomadas pelo Judiciário nesse período são invasivas sob o prisma do Direito Administrativo, porém necessárias, tendo em vista a ilegalidade do ato administrativo.

Quando estávamos passando pelo pico da pandemia, vários decretos municipais ou estaduais previam quais atividades profissionais, comerciais e industriais seriam consideradas essenciais e quais seriam interrompidas, tratando este um ato discricionário, pautado na conveniência e oportunidade das medidas de enfrentamento ao coronavírus, embasado na legalidade do poder de polícia do Estado.

Sendo assim, não seria o caso de o Poder Judiciário determinar que uma atividade A ou B também seja permitida a funcionar, inserindo-a no rol de atividades essenciais, pois estaria um poder interferindo no outro de forma ilegal.

Contudo, a própria administração pode rever seus atos a qualquer momento os revogando (quando se tornam inconvenientes ou inoportunos) ou anula-los (quando constata uma ilegalidade), não sendo necessário aguardar por uma decisão judicial.

Podemos concluir, assim, que os atos administrativos são dotados de presunção de veracidade e legitimidade, até que se prove o contrário, de modo que a intervenção do Poder Judiciário. Nos atos, apenas naqueles casos de flagrante ilegalidade, sob pena de intromissão no mérito administrativo e afronta ao princípio da separação dos poderes.

Dr. Thiago Carrão Sturmer, OAB/RS 114.136Mestre em Gestão Pública pela UFSM

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