plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

A culpa é de quem mesmo?
Juliana Petermann 
Professora universitária

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No último dia 18 de agosto, comemorou-se o dia do estagiário e da estagiária. No meu feed, a comemoração esteve baseada em memes, construídos, por exemplo, a partir da ideia de que o cafezinho é tarefa de quem está começando. Ou memes que fazem piada dizendo que qualquer erro no local de trabalho é culpa do estagiário ou da estagiária. Ou ainda, aqueles memes que sustentam que o início da vida profissional é marcado por serviços aleatórios, por pegadinhas ou até mesmo por humilhações. Não vou bancar a ranzinza aqui e condenar qualquer brincadeira. Mas quero observar alguns aspectos a respeito desse início, que já é complicado por si só, e que ganha contornos ainda mais ásperos no Brasil de hoje, pandêmico e em crise.

DADOS QUE PREOCUPAM

14,7% da população economicamente ativa do Brasil está desempregada e, para a juventude, esse dado é ainda mais cruel: na faixa etária de 14 a 17 anos, 46% estão procurando trabalho. Entre 18 a 24 anos, 31% das pessoas vivem a mesma situação. O estudo global "Millenials e Geração Z", feito pela Deloitte, indica que o maior medo da juventude brasileira, no ano de 2021, é o desemprego. Além disso, a nossa juventude sofre mais estresse e ansiedade do que a juventude de outros países. Os motivos desse sofrimento são: a preocupação com o futuro financeiro, a possibilidade do desemprego e as incertezas na carreira. A pesquisa revela ainda que, no contexto pandêmico, a juventude não se sente confortável em conversar sobre estresse ou ansiedade no ambiente de trabalho, lugar que também não oferece nenhum suporte de saúde mental. Diante de um contexto desses, será que o começo precisa ser dificultado por uma experiência de estágio pouco amistosa?

COMO É QUE SE COMEÇA?

A docência me faz ver essa questão a partir do ponto de vista de quem faz o estágio. Consigo acompanhar e me solidarizar com o - por vezes, inóspito - início da carreira. O estágio parece reproduzir, de forma exacerbada, as lógicas do mundo do trabalho, quase que de forma caricatural: a exigência de um perfil multitarefa, a percepção do trabalho como um martírio e a reprodução de um revanchismo que tornam cíclicas más recepções na esfera profissional. 

Aquela pessoa que foi hostilizada no início da carreira acha, por bem, fazer o mesmo com quem está começando. Será que, ao contrário disso, não poderíamos sustentar uma lógica de afeto, de acolhimento e de orientação nesse início, que pode marcar a forma como o trabalho será visto para sempre? Será que a culpa é sempre do estagiário ou da estagiária?

Vida de "profe"
Eni Celidonio
Professora universitária

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Gente, vou contar o que pode acontecer quando você está numa aula, meses depois de passar em um concurso do município.

Sim... Antes de entrar na UFSM, fui "profe" de Ensino Fundamental. A escola era o Neíta Ramos, em Itaara. Os alunos eram todos de área rural. Eu trabalhava de manhã no Sant'Anna e de tarde no Neíta. Era uma loucura, mas era uma delícia. Pois bem, comecei com duas turmas de quinta série e uma de oitava. E estava feliz da vida, porque não conheço nada melhor do que um monte de olhinhos curiosos brilhando, depois de chocolate, é claro.

A escola era bem pequena, portanto, as salas de aula também eram bem pequenas, mas os colegas eram maravilhosos, o ambiente o melhor possível, todos se ajudavam, estávamos todos no mesmo barco, ninguém queria derrubar ninguém, um verdadeiro paraíso. Sempre digo que eu era feliz e sabia. Mas, como tudo na vida um dia dá xabu, eis que aconteceu comigo um fato que não sei até hoje se era a sério ou de brincadeira, mas vamos lá.

Estava eu, com minha voz maviosa, ensinando aos meninos análise sintática interna (era o que eu tinha que ministrar segundo a coordenadora) e me entra um aluno com um walkman, batucando nas mesas, como se estivesse num show de pagode. Pedi educadamente que parasse com aquilo e me guardasse o aparelho. É claro que fui ignorada. Ele sentou na última carteira do lado da porta, à minha esquerda. Tornei a pedir que desligasse aquilo, tirasse os fones e guardasse. Óbvio que me ignorou de novo. A turma começou a rir e eu fui calmamente onde ele estava, tirei os fones do ouvido dele e disse que ia tomar o aparelho, mas que devolveria assim que a aula acabasse. Aí começou o showzinho particular...

- Profe, tem horas que eu queria dar um teco assim, bem no meio dos seus olhos!

Eu, assustada, não sabia se levava na brincadeira ou se levava a sério. Tinha pouco tempo de escola, não conhecia os meninos, a turma ficou parada olhando pra mim, esperando uma reação. Pensei rápido: se eu não fizer nada, esse menino cresce e depois ninguém mais segura, ou seja, se eu perder o domínio da turma agora, é pedir demissão e trabalhar na Renner. Respirei fundo e respondi:

- Está certo... Então, faz assim: eu vou lá no carro, pego a minha arma, você pega a sua e vamos brincar de duelo. Só tem um detalhe, quero que você saiba que todo sábado eu vou no Mallet treinar tiro com um FAL-762.

Detalhe: só ouvia falar desse tal de FAL, nunca tinha sido apresentada a um, não sabia segurar nem um revólver de brinquedo, e rezei para todos os meus santos e orixás que a criatura não topasse o meu trato. A turma estava toda petrificada, S... (não tem como esquecer esse nome) se ajeitou na cadeira, deu um sorrisinho maroto e me respondeu:

- Credo, profe! Eu tava só zoanu!

Eu dei Graças aos Céus da mesa do professor ter uma proteção à frente, de tal sorte que os alunos não podiam ver as pernas do professor. Não fosse isso, eles iam ver como os meus joelhos batiam e chacoalhavam, de tanto que eu estava nervosa.

É cada uma... E ainda tem quem acredite que vida de professor é fácil...

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