plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Outros voos
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Na última semana, vivi algo inédito. Pela primeira vez, fiquei mais de cinco horas sem meu filho. Uma viagem a trabalho e a necessidade de ficar três dias longe. Na bagagem, a maternidade marcada pela pandemia. Com certificado e papel passado de ser mãe por um ano e quase 10 meses para, só então, saber como é estar algum tempo sem o meu pedacinho grudado em mim. Vi saindo de casa uma outra pessoa. Embarquei diferente de quem eu era antes de ser mãe e diferente daquela que passou um ano e meio em casa, em isolamento social. Uma dupla camada de sedimentos de transformação. O avião subiu e, das nuvens, consegui me observar melhor. Meus contornos e fronteiras. Os meus limites.

OLHAR-SE DO ALTO

Será que ainda sei sair de casa sozinha? Será que ainda sei agir socialmente? Nem falo em fazer networking. Isso eu nunca soube. Mas de conversas de elevador, ritos básicos de socialização. Uma energia enorme investida em processos básicos do cotidiano e a necessidade de me saber pessoa no mundo de novo. De reaprender uma coisa que parece impossível de desaprender: ficar só. A mobilidade do corpo que pode andar ereto dessa vez. Acompanhar um ser pequeno no desenvolvimento da capacidade de andar registra na memória do nosso corpo um jeito arqueado, atento, um pouco tenso pelos passos incertos que o menino dá. A ociosidade dos braços. O colo vazio por um tempo. É difícil? Senti falta da voz do meu filho, embora ele ainda fale pouco. Da pele dele. Do cheiro do cabelinho. Do jeito que o sol reflete em cada cacho. E do jeito que ele me pega pela mão: toda a mãozinha abraça apenas um dos meus dedos. Me puxa para que eu leia para ele. Mostre o livro dos bichos. Imite o som de cada um. E, nível avançado, cante uma música sobre cada animal: pintinhos amarelinhos, borboletinhas fazendo chocolate, o sapo que não lava o pé, elefantes, caranguejos e toda a fauna em notas musicais. Me deu uma saudade danada.

ATERRISSAR E VOLTAR

Claro que ficar longe do bebê só é possível pelo cuidado compartilhado e, felizmente, tenho um companheiro para isso. Dá saudade, mas, também, é bom. Lembrar que, ainda que mude drasticamente a nossa vida, a maternidade não é a única coisa que define uma mulher. Lembrar das músicas que quero colocar para rodar no meu fone de ouvido. Comer sem alimentar. Passar algumas horas sem cuidar. Ainda que a maternidade traga uma felicidade imensa, embora essa não seja uma garantia, é muito bom redescobrir os prazeres de estar só, em minha companhia. Pousar e reabastecer para voltar: já contando os minutos para rever o meu pequeno.

O silêncio e a neura
Eni Celidonio
Professora universitária

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Olha só: eu odeio silêncio. Sério, acho que até já falei sobre isso. Sabe aquele silêncio de monge tibetano? Pois é, passo longe. Nada contra quem faz um dia de silêncio, não censuro quem faz meditação, longe disso! Mas eu preciso de um barulho, mas não é de um barulho único, tipo gotas de chuva batendo no telhado, ou um galo cantando, não... Eu preciso de barulho de carros passando, gente conversando, crianças brincando, sei lá, de muito barulho a tal ponto que eu não consiga identificar quem está fazendo o barulho. Devo me tratar? Talvez, mas é bem assim que eu sou.

Quando eu morava em Copacabana, havia o Teatro Opinião bem em frente à portaria do meu prédio. Toda a quinta-feira, tinha a chamada Sessão Maldita, com shows de rock pesado, quando conheci Eduardo Dusek e sua barulheira infernal. Sexta era dia de roda de samba: Cartola, Mano Décio, Candeia, e o povo saía cantando rua afora, numa batucada que faria a bateria da Mocidade Independente parecer orquestra de violinos.

Pois, um belo dia, era janeiro, um calor infernal, a cariocada fugindo pra serra, e lá pras tantas, explodiu um duto de gás na rua. Gente, o gás na minha rua era subterrâneo, os canos passavam por baixo das calçadas e sei lá por que cargas d'água, um dos dutos explodiu. O barulho foi ensurdecedor! Os vidros da janela do edifício em frente ao meu se quebraram e caíram, desde o sétimo andar; a tampa do bueiro voou e caiu sobre um pobre de um Opala, que não tinha nada a ver com o pato. Parecia guerra!

Nem preciso dizer que ninguém dormiu depois disso. Era um tal de luzes acendendo pela rua que não foi fácil. Eu sempre pensei que esse fosse o maior susto que eu tive na vida... Pensei, não penso mais.

Eis que ontem, primeiro dia de dezembro, estava eu tentando dormir na casa da minha filha, em Porto Alegre. A rua dela é movimentada, mas só durante o dia. À noite, passam carros, é verdade, mas nem de perto a quantidade que passa durante o dia. Os quartos são de frente para a rua, mas eu não me incomodo nem um pouco com o barulho, como já frisei. Pois bem, eu estava quase dormindo quando ouvi freadas e um barulho ensurdecedor: Fui ver o que tinha acontecido e me deparei com uma kombi na calçada e um carro virado na contramão. E quem disse que alguém conseguiu dormir aqui depois disso? Eu fiquei apavorada, pensando que alguém poderia ter se machucado, mas, graças a Deus, uma mulher gritava "Fiquem tranquilos, foi só uns amassados no carro mesmo". E um barulho de lata, como se alguém estivesse batendo na lataria do carro para que ele voltasse a andar. E o sono acabou aí...

No dia seguinte, vi o estrago: os carros bateram e a Kombi não só subiu na calçada, como também foi batendo nas grades do prédio da frente. Agora, imaginem a barulheira de carro contra ferro! Coisa mais horrível! Desse barulho, decididamente, eu não gosto...

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