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OPINIÃO: Pegada ecológica

Marta Tocchetto

Pegada ecológica é a contabilidade ambiental que avalia a pressão que exercemos sobre os recursos naturais. É o impacto do nosso modo de vida sobre o planeta. É o nosso rastro ambiental. Se todos os habitantes da Terra adotassem os padrões de consumo dos brasileiros, seriam necessários 1,6 planeta! Significa que faltaria planeta e os recursos naturais se esgotariam em pouco tempo. Ministro uma disciplina para os cursos de Química da UFSM, Educação e Meio Ambiente. 

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Resolvemos calcular nossa pegada ecológica. No mais escandaloso estilo “pregando moral de cuecas”, minha pegada foi a mais alta de todas. Precisei encontrar justificativas (e convincentes) para explicar o resultado aos meus alunos. Analisando, o transporte foi a maior contribuição para minha vergonhosa pegada. Fundamentalmente, porque eu não uso transporte coletivo. Coincidentemente, neste dia, eu fui de ônibus para o campus. Comentei com os alunos que eu gostaria de reduzir a minha pegada, mas era impossível. A parada próxima da minha casa é a penúltima antes da faixa para Camobi. Significa que o lugar disponível é quase no para-brisa e de nada adianta ter direito aos assentos preferenciais. Quem senta nesses lugares fica míope. E, se estiver com fones de ouvidos, transporta-se para outro planeta, um asteroide particular. 

Inspirei-me a escrever sobre o assunto quando li o texto da Sabrina Portela, na edição do Diário do dia 12 de setembro – “o sofrimento diário que o transporte público impõe às pessoas”. Concordo e reforço que é sofrível também, por causa da ausência de senso coletivo. Nas paradas do campus, não há organização de filas e nem demarcação para as diferentes linhas. Os usuários aglomeram-se aleatoriamente. Quando o ônibus estaciona vale a Lei de Darwin (lei dos mais fortes). Para os idosos, mulheres grávidas, crianças, pessoas com alguma limitação e aos que não se submetem, sobram cotovelos e o desconforto do trajeto em pé. Quando presencio essas cenas, tenho a certeza que o transporte público reduz a saúde dos que não consideram essas cenas invisíveis. 

Fico imaginando e já tive oportunidade de perguntar para uma moça que, confortavelmente, ocupava um banco preferencial, enquanto uma senhora muito idosa quase caía ao não conseguir se equilibrar: “Será que tu não vais envelhecer? Não pensas na tua mãe? Na tua avó?” Claro que não tive a resposta. Ela habitava a sua bolha. Vivemos um momento de autismo social. Ninguém faz nada. Todos fazem que não veem nada. O que importa é o benefício pessoal. Não raramente, os que agem com indiferença social criticam a falta de escrúpulos dos outros. São o espelho de uma sociedade que acha normal ocupar espaços indevidos, tirar vantagens, enganar como se fosse esperteza. Enquanto não nos aprimorarmos como seres coletivos, não agirmos como seres sociais, nossas pegadas deixarão marcas profundas, faltarão planetas que as suportem, e apelar para um dia sem carro soa irônico.      


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