O liberalismo não é uma teoria simples. É, na verdade, uma teia de várias teorias complexas relativas à ética, política, economia, filosofia, direito e sociologia, as quais, unidas, formam uma doutrina de complexidade ímpar, e que, de maneira fascinante, oferece respostas coerentes para vários dos dilemas que afligiam e afligem as sociedades antigas e modernas. Simpatizo muito com alguns pressupostos do liberalismo, muito embora, não possa me dizer um liberal. Não sou liberal porque, como doutrina baseada na liberdade individual, o liberalismo pressupõe uma crença quase religiosa na capacidade de os indivíduos se autodeterminarem e de que não vão utilizar suas liberdades para sobrepujar aqueles mais fracos, crença esta que eu definitivamente não tenho.
Não sou liberal, mas lamento o fato de não termos no Brasil movimentos verdadeiramente liberais, dedicados a defender o liberalismo de maneira completa, coerente, fundamentada e responsável. Se, por aqui, tivéssemos liberais de verdade, seriam eles os primeiros a gritar pela redistribuição fundiária, por exemplo. O liberalismo presume livre circulação de bens e riquezas, o que não acontece quando poucas famílias concentram grandes faixas de terra e, diante da inexistente tributação, retiram-nas do mercado, sentam-se nelas sem preocupação nenhuma em dar-lhes boa utilização e agem tais quais verdadeiros gigolôs de vaca, como diria o ex-presidente Figueiredo.
OPINIÃO: Quem tem boca vai a Roma
Se nossos liberais fossem realmente liberais, seriam favoráveis a uma maior taxação das heranças. O liberalismo pressupõe a rejeição a privilégios hereditários e a valorização do mérito individual. Não há mérito algum em receber uma bolada de herança, aliás, elas tendem apenas a desequilibrar uma competição que, pelo ideário liberal, deveria ser justa. Não à toa o imposto sobre as heranças é de 40% nos EUA e Inglaterra, 50% na Suíça e Alemanha e 60% na França, enquanto que, no Brasil, é de apenas 4%, em média.
OPINIÃO: Pacto por onde vivemos
O liberalismo é doutrina que coloca o indivíduo como senhor de si e, por isso, recusa ingerências legais, morais ou religiosas sobre comportamentos individuais. Assim nossos liberais, se realmente o fossem, já teriam abraçado com veemência causas feministas e da comunidade LGBT. Também já teriam aderido à defesa da legalização da maconha e até do aborto, pautas que estão muito mais avançadas em países realmente liberais. Aliás, um liberal de verdade jamais seria capaz de propor algo como o ¿Escola Sem Partido¿. É inacreditável que surja justamente de alguém que se diz liberal a ideia de o Estado ditar o que pode e o que não pode ser ministrado em sala de aula.
Enfim, no Brasil não existem liberais de fato, ou, se existem, estão escondidos, com vergonha desses grupos infanto-juvenis que hoje posam de porta-vozes do liberalismo, um pensamento muito mais profundo e complexo do que comportam as redes sociais. É uma pena!