Acompanhando os noticiosos das últimas semanas, pensei estar vivenciando um ''déjà vu'', aquela sensação pitoresca de já ter presenciado uma determinada situação antes. Na verdade, imaginei ter voltado aos anos 90, época em que o discurso hostil ao serviço público imperava, tanto na mídia quanto nas conversas de bar, e os Programas de Demissão Voluntária (PDVs) ganharam fama pelo país.Coloquemo-nos no contexto histórico.
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Naqueles anos 90, vínhamos de duas décadas de crescimento moderado, porém desorganizado da máquina pública, numa farra clientelista que viria depois a gerar uma forte ressaca administrativa para o país. Explico: antes de 1988, não havia a necessidade de concurso para o provimento de cargos públicos e, para se manter no poder, o regime militar promoveu um intenso leilão de cargos em todos os âmbitos de poder.
Pois bem, muitos dos que haviam assumido cargos por indicação política antes de 1988 acabaram adquirindo estabilidade quando da vigência da nova Constituição, e o resultado disso foi o surgimento de um significativo contingente de servidores estáveis e ociosos, não qualificados, descomprometidos ou simplesmente mal alocados, lotados em órgãos desnecessários, frutos da esculhambação administrativa que caracterizou o Brasil pré-Constituição de 1988.Repito aqui o que já escrevi antes: nem naquela época, nem hoje, nossa máquina pública pode ser tida como inchada. Dados fidedignos que já expus neste espaço demonstram isso. No entanto, é de se cogitar, sim, que, nos anos 90, os PDVs pudessem ter feito algum sentido, pelo menos em tese.
Porém, de lá para cá muita coisa mudou. Não é mais verdadeira a tese de que mandar aleatoriamente servidores para casa é sinal de economia. Prova disso é que no Poder Executivo Federal, entre 2003 e 2015, o número de servidores subiu de 485.980 para 617.146 e, mesmo assim, o percentual da arrecadação comprometido com o pagamento de pessoal caiu de 23,69% para 16,64%.Quero dizer, então, que, às vezes, mais é menos.
O fortalecimento de órgãos estratégicos e o robustecimento racional da máquina pública podem, sim, ser altamente benéficos, não apenas para nós, usuários dos serviços do Estado, mas também para as próprias contas públicas.Ao reeditar o PDV, Michel Temer, em vez de demonstrar rigidez no controle do gasto público, só demonstra que não tem nem ideia de como fazê-lo. Passa uma régua e faz surgir o risco de producentes delegados, auditores, procuradores e fiscais, hoje responsáveis pelo funcionamento da máquina pública, sucumbirem aos incentivos do PDV e tomarem o rumo de uma iniciativa privada sempre ávida por cooptá-los.
Uma tragédia administrativa irreparável!Não sou contra a redução de gastos públicos, mas insisto que ela ocorra de maneira criteriosa, e não atabalhoada. Para superar novos problemas, não nos cabe recorrer a soluções do passado, afinal, economia burra não é economia, é irresponsabilidade.