Água, Vida e Cidadania: um simples banho que resgata a dignidade de quem vive na rua

Água, Vida e Cidadania: um simples banho que resgata a dignidade de quem vive na rua

Foto: Vitória Sarturi (Diário)

No centro de Santa Maria, atrás dos portões da Catedral Anglicana do Mediador, um pequeno prédio reformado se transformou, nos últimos dois meses, em abrigo para quem vive nas ruas.O local, onde antes funcionavam repúblicas estudantis e iniciativas comunitárias, hoje serve para oferecer um pouco de dignidade a essa população por meio do Projeto Água, Vida e Cidadania, um espaço de dignidade.

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O serviço, inaugurado em 4 de outubro deste ano, completou dois meses de funcionamento com cerca de 380 atendimentos mensais. Para muitos, a iniciativa representa mais do que um local para banho ou troca de roupa: é a possibilidade de ser chamado pelo nome. 

É ali que os usuários chegam, muitas vezes, após semanas ou meses sem acesso a banho. Recebem sabonete, toalha, itens de higiene e, ao final, podem escolher roupas limpas. As peças usadas ficam para lavagem – um processo organizado pelos próprios frequentadores, que ajudam a manter o local em ordem.


Um espaço destinado para recomeços

Foto: Vitória Sarturi (Diário)

Reformado especialmente para o projeto, o prédio da década de 1960 ganhou chuveiros, máquinas de lavar roupa, geladeiras, área de convivência e sala para atividades de saúde e oficinas educativas.

O espaço funciona em turno integral às segundas-feiras, das 7h30min às 17h, sem intervalo ao meio-dia. Nas terças, quartas e sextas-feiras, o atendimento ocorre à tarde, das 13h30min às 17h. Em dias excepcionais, quando o projeto precisa suspender alguma atividade, a equipe reorganiza a agenda e abre às quintas-feiras à tarde para compensar o atendimento. A coordenação também avalia a possibilidade de ampliar o serviço para os sábados, dependendo da disponibilidade de voluntários.

A iniciativa surgiu quando a Igreja Anglicana dos Estados Unidos lançou um edital voltado à ampliação do acesso à água. A equipe da Diocese Anglicana de Santa Maria decidiu conectar o tema à realidade local: a falta de bebedouros públicos, de locais para banho e de estrutura para pessoas em situação de rua.

O bispo da Diocese Anglicana em Santa Maria, Francisco de Assis da Silva, 66 anos, apresentou o edital à equipe responsável pela proposta e acompanhou o desenvolvimento do projeto.
A preocupação era simples: água é vida, e na rua ninguém tem onde beber, onde tomar banho. Com o espaço desativado da igreja, conseguimos transformar isso em acolhimento e entra a questão do exemplo que Jesus deu na lavagem dos pés dos discípulos. Ele disse: “quem quiser ser o maior, que seja como quem serve”, então esse é o espírito do projeto –  explica.

Segundo ele, desde a inauguração, o local também recebe ações de saúde e oficinas feitas por grupos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Franciscana (UFN) e entidades públicas. Em algumas ocasiões, usuários passaram ali antes de entrevistas de emprego:  banho tomado, barba feita, roupa limpa e um pouco mais de coragem para tentar recomeçar.


Entre voluntários, o movimento de reconstrução

O projeto é mantido integralmente por 12 voluntários, que se revezam entre acolhimento, organização, atividades de saúde e tarefas administrativas. A assistente social Juliana Matias, 34 anos, uma das integrantes do grupo que elaborou o edital aprovado, acompanha de perto o fluxo de pessoas que chegam diariamente.

Ela conta que o objetivo principal é simples, mas profundamente necessário: assegurar água, higiene e convivência a quem não tem onde encontrar esses cuidados.
– A gente recebe novos usuários todos os dias. Muitos chegam destruídos, mas depois do banho conseguem buscar emprego, marcar consulta, reorganizar a vida, mesmo que seja aos poucos. Para além do acesso à água potável, acesso ao banho, é também um espaço potente e de convivência. Também trabalha muito a questão da autoestima, então é um processo que, de fato, a gente vê exercer a cidadania – relata.

Juliana lembra que a reforma do prédio exigiu cuidados estruturais por ser uma construção antiga. Entre a aprovação do edital, em maio, e a liberação dos recursos, em junho, passaram-se poucos meses até que, em outubro, o espaço pudesse ser inaugurado.


Histórias que se repetem

Foto: Vitória Sarturi (Diário)

Voluntários revelam que muitos usuários não têm acesso a chuveiro há semanas. Outros chegam com roupas molhadas da chuva, machucados ou debilitados. Para alguns, o espaço funciona como primeira porta de entrada para o sistema de saúde; para outros, é ponto de descanso depois de noites mal dormidas.

Entre as pessoas que se encaixam nesse perfil, está o de César Renan da Silva, 68 anos, que vive hoje em uma casa abandonada na região central da cidade. Ele descobriu o projeto após saber que havia banho disponível.
Fazia um ano, eu acho, que não tomava banho. Aqui, o pessoal é gente boa. O projeto, pra mim, é importante: banho é importante, banho e roupa – avalia. 

Como Silva, cerca de 85% dos usuários são homens, e muitos chegam acompanhados por problemas de saúde. Depois do banho, não recebem orientação para procurar atendimento médico ou apoio para documentos, currículos e entrevistas de emprego.

Entre banhos, conversas, oficinas e cuidados básicos, emergem gestos que lembram que dignidade também se constrói na simplicidade: um café oferecido, um par de tênis limpo, água fresca no bebedouro, o fato de ser reconhecido não pela condição, mas pela sua história.

Ao completar dois meses, o Projeto Água, Vida e Cidadania segue como um ponto de apoio silencioso, mas essencial, dentro da cidade. Um lugar onde pessoas que quase sempre passam despercebidas encontram não apenas serviços, mas a promessa mínima – e urgente –  de humanidade.


Doações

Embora ofereça higiene, água potável, convivência e apoio básico, o projeto não possui estrutura para garantir alimentação diária. Não há cozinha, nem equipe de preparo de alimentos. Assim, o que chega aos usuários depende de doações eventuais. Em alguns dias, voluntários recebem frutas, pães ou lanches entregues espontaneamente por moradores da cidade – pequenas contribuições que ajudam, mas que não fazem parte do serviço regular.  Voluntários também recebem doações financeiras, utilizadas exclusivamente para a compra de itens de limpeza e manutenção do espaço. As doações devem ser feitas diretamente no local, conforme horário de funcionamento. 


Contato: (55)992022860

Instagram: @aguavidacidadania

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Vitória Sarturi

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