Foto: Vórtex Produtora (Divulgação)
Thiago, Néfi, Flávia, Cláudio e Giordano (respectivamente na imagem), formam o elenco completo do projeto. Felipe (abaixo), é o diretor
Criado em 2023 pelo diretor, dramaturgo e produtor Felipe Martinez, o projeto La Cría – Laboratório de Criação Cênica desenvolve oficinas de teatro em Santa Maria e em municípios da região, como Silveira Martins e São Pedro do Sul. As atividades resultam em pequenas montagens criadas a partir do processo vivido pelos participantes. Entre os grupos formados na terceira edição do La Cría – financiada pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) – um deles é composto por estudantes surdos, que levam ao palco cenas criadas e apresentadas em Língua Brasileira de Sinais (Libras), sem intérpretes.
No dia 14 de dezembro, quatro meses após o início das pesquisas cênicas, os participantes se apresentaram no exercício final do projeto, no Espaço Cultural Victorio Faccin, marcando a conclusão do grupo.
O trabalho desenvolvido com os estudantes surdos parte da construção coletiva de cenas inspiradas em situações cotidianas, exploradas de forma cômica por meio da expressividade corporal. A comunicação em Libras esteve presente, mas, segundo Martinez, o foco foi ampliar os recursos físicos para alcançar públicos que não dominassem a língua.
— O desejo deles, inclusive, foi fazer um espetáculo com uma comunicação mais universal e explorar as corporeidades, os sentimentos, realmente uma forma de expressividade que não ficasse tão calcada em uma língua — destaca o diretor.
Retornos e primeiras vezes no palco
A participação nas oficinas marcou, para alguns integrantes, o primeiro contato com um palco. É o caso de Thiago Sarturi, que havia feito aulas de teatro na infância, mas nunca havia se apresentado em um teatro equipado.
— O teatro é maravilhoso, é uma experiência importante. É a primeira vez que eu estou apresentando em um teatro mesmo — relata.
Ele destaca ainda que o processo oportunizou o aprendizado de diversos termos relacionados a arte cênicas, como “a concentração da cena” e “o corpo grande”.
Néfi Gois também retomou a atuação a partir da oficina. Para ele, o projeto representa reconhecimento para a comunidade surda.
— Já fazia muito tempo que eu não participava de teatro. Foi uma experiência muito boa. É um reconhecimento também da nossa potencialidade — afirma.

A potência visual da arte e a representatividade
A dimensão visual aparece como aspecto central do trabalho.
— Crianças surdas precisam desses elementos visuais. Então, o teatro traz isso: cenas visuais — observa Cláudio Aparecido do Rosário, outro ator do espetáculo.
Felipe Martinez avalia que a noite foi marcada pelo protagonismo surdo não apenas em cena, mas também na proposta de acessibilidade. Ele destaca que a ausência de intérprete foi debatida pelo grupo como parte do experimento estético.
— Eles falaram muito sobre o fato de não ter intérprete, de que a maioria dos recursos para acessibilidade em relação aos surdos é sempre o uso do intérprete e que, nesse caso, a plateia pôde aproveitar uma apresentação sem precisar ficar olhando para um intérprete. Foi uma noite realmente muito especial, foi um nível de acessibilidade pleno, total, e foi muito emocionante ver o resultado acontecendo — afirma.
Giordano Maurer, também ator do projeto, concorda e reforça o peso simbólico do processo:
— A comunidade surda sendo protagonista. Isso é muito importante para nós, mostra também o nosso trabalho, a nossa potência.

Para Flávia do Amaral Rosário, a experiência ainda é rara no teatro e amplia identificação com o público surdo.
— Normalmente a gente vê um teatro só com os ouvintes, ou só com o intérprete. E aqui a gente tem a oportunidade de construir nós mesmos, nós surdos — diz.
Segundo Felipe, a plateia esteve cheia, com pessoas surdas e ouvintes, o que contribui para a pluralidade da criação. O grupo formado por estudantes surdos representa uma ação inédita em termos de projetos culturais financiados por editais públicos na região. Para além da inclusão e acessibilidade, esta iniciativa promove o protagonismo de pessoas com deficiência, colocando-as em destaque na realização de ações culturais, o que também estimula propostas semelhantes no futuro.
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