Sou, ou pelo menos me pretendo, cumpridor das leis e das regras. O Direito existe para trazer previsibilidade e estabilidade às relações entre pessoas e instituições e, por isso, penso eu, a obediência voluntária a regras justas e coerentes é importante para a manutenção de uma harmonia social. Sabendo disso, penso já nas providências que terei de tomar em sala de aula, enquanto professor de Direito Constitucional, para atender de maneira adequada aos ditames do tal da Lei “Escola Sem Partido”, se entrar em vigor.
Primeiramente, creio que deverei me ater a ler em voz alta os artigos da Constituição Federal, sem explicá-los ou contextualizá-los. Qualquer forma de interpretação do texto constitucional é fruto de exercício reflexivo e ideológico, o que estarei legalmente impedido de fazer. Ademais, não lerei todos os dispositivos da Constituição. Alguns artigos trazem consigo forte carga ideológica e, atendendo às novas restrições, nem sequer os mencionarei em sala de aula para evitar ser acusado de apologia.
Deixarei de fora, por exemplo, os trechos que falam sobre o direito à propriedade privada (arts. 5º, XXII e 170, II), pois, além de estarem encharcados da construção filosófica de John Locke, servem de óbvia base ideológica para o capitalismo dos séculos XIX e XX. Também me calarei quanto aos dispositivos relacionados à livre iniciativa (art. 1º, IV) e à liberdade de concorrência (art. 170, IV), para não induzir o alunado a acreditar na “mão invisível do mercado” de Adam Smith, ou na “teoria da destruição criativa” de Schumpeter.
Aliás, não deverei também mencionar o artigo 173, que dispõe acerca das empresas estatais e de seu caráter estratégico, a fim de não fazer apologia à teoria econômica Keynesiana. Também não mencionarei os artigos 37 a 41, tocantes à administração pública, para não fazer propaganda da ideologia burocrática de Max Weber. De mesma forma, vou omitir a tripartição de poderes, inscrita no art. 2º, para não fazer proselitismo à teoria de “freios e contrapesos” de Montesquieu.
Hei de esconder dos alunos o parágrafo único do artigo 1º e os incisos I, II e III do artigo 12, para que ninguém se sinta seduzido pela democracia por representação defendida por Alexis De Tocqueville e Stuart Mill. Também deverei evitar os artigos 6º e 7º da Constituição, que tratam sobre os direitos sociais, para não fazer apologia à social democracia alemã de fins do século XIX e início do século XX, que, hoje, inclusive, ocupa a sigla de um dos partidos de maior representação no Congresso Nacional.
Enfim, se entrar em vigor o “Escola Sem Partido”, faria eu a chamada e ficaria olhando as opiniões dos alunos brotarem natural e livremente em suas mentes, sem nenhuma intervenção minha. Mentira! Seria eu o primeiro a descumprir essa insensatez. Correria o risco de ser punido, é verdade, mas nesse caso, para mim, seria até uma honra.