
Foto: Nathália Schneider (Arquivo/Diário)
Com o aumento de notícias sobre queda de avião, aumenta também a sensação de que estão acontecendo cada vez mais acidentes aéreos. Dados do Painel Sipaer, desenvolvido pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, relevam que em 2024 o número de quedas de avião no Brasil aumentou. Entretanto, não é muito maior do que o registrado nos últimos anos.
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É importante explicar o efeito psicológico de notícias envolvendo acidentes aéreos. Para a psicóloga clínica Laura Fagundes, especialista em Clínica Psicanalítica pela Universidade Franciscana (UFN), a proximidade desses eventos com o dia a dia das pessoas influencia na percepção de aumento. No Rio Grande do Sul, um avião de pequeno porte caiu em Gramado e matou todos os 10 passageiros a bordo, em dezembro. O acidente, segundo maior em números de vítimas em 2024 no Brasil, atrás somente do acidente aéreo de Vinhedo (SP), que deixou 62 mortos, é um exemplo de como essa proximidade é capaz de trazer uma sensação de aumento aos gaúchos.
– Isso fomenta a fantasia das pessoas. Algumas têm pensamentos como "nossa, eu estava planejando ir para Gramado nessa semana, poderia ter sido comigo", além das inúmeras ideias que costumamos ter no nosso dia a dia. Há também de se considerar a proximidade desse acidente que aconteceu em Gramado, uma cidade próxima e familiar no nosso Estado, o que facilita o pensamento de ser um risco próximo e possível – explica Laura.
Além disso, os acidentes de Gramado e de Vinhedos ocorreram no mesmo ano, com pouco mais de quatro meses de diferença entre um e outro. Para a psicóloga, quanto mais se noticia esses acidentes, mais se cria um "pano de fundo" no inconsciente da comunidade, um repertório mental. Isso faz com que o que antes era "distante e abstrato" se torne "próximo, concreto".
Outro aspecto importante é a frequência com que informações sobre acidentes aéreos são noticiadas, sem necessariamente ser algo grave. Para o psicólogo e psicanalista Matheus Giacomini Palma, essa repetição se relaciona diretamente com sentimentos mais íntimos do ser humano, como medos ou angústias.
– Isso desperta afetos e ansiedades que talvez já existissem, mas encontravam-se dispersos. Muitas vezes, miramos nosso sofrimento em um alvo externo, deslocando aquilo que nos inquieta. Há exemplos históricos e cotidianos de como certos discursos exploram esse mecanismo, usando o excesso de informação para moldar percepções, alimentar medos e até justificar ações políticas.
Normas de segurança
O professor de Engenharia Aeroespacial da UFSM André Luis da Silva destaca que é impossível prevenir uma catástrofe aérea em sua totalidade, mas que profissionais e especialistas trabalham para garantir que o risco seja mínimo.
A normativa aeronáutica de segurança foi instituída na década de 1970 e rege, até os dias atuais, a construção de aviões, o padrão e os critérios de segurança das aeronaves. O professor reforça que, apesar de ser uma norma com mais de 50 anos, é frequentemente atualizada e é ela que serve de parâmetro para a aviação mundial.
Além disso, o professor destaca que muitos aviões comerciais utilizam cinco níveis de segurança para garantir o pleno funcionamento de partes "críticas" do avião, como o motor ou a estabilidade do voo.
– Ou seja, para você perder uma função, perder o controle de uma parte do avião, tem que perder os cinco níveis. Então, é muito difícil você desativar uma função crítica de um avião. No caso do acidente da Voepass (em Vinhedos, 2024) foi uma situação muito crítica e extremamente difícil de acontecer, mas quando se acumula gelo, é como se você perdesse aquela peça. Não importa se você tem redundância de 5 níveis dentro do avião. Se o lado de fora está comprometido com bloco de gelo, pode existir o melhor equipamento do mundo dentro do avião que não vai resolver. Ele virou uma pedra.
Regras para decolar
O professor também explica que para decolar, os pilotos precisam apresentar um plano de voo e um certificado de manutenções atualizado. Caso seja verificado algum erro nas habilitações, a aeronave não é autorizada a levantar voo.
Cada avião tem um tipo específico de manutenção de suas peças, que varia conforma quantidades de horas de voo. Essas especificações são definidas no momento de sua construção.
– O critério motor é, digamos, a cada mil horas. Então, a manutenção é feita a cada 500 horas, por exemplo. Ela é feita muito antes do que no projeto para diminuir a chance [de acidente].
As manutenções são feitas em oficinas e por profissionais especializados, visto que as peças têm um padrão aeronáutico e precisam ser rastreáveis. Entretanto, o professor alerta que isso exige um nível de profundidade elevado de fiscalização e que, muitas vezes, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) "não consegue fiscalizar tudo nos mínimos detalhes".
– Então pode acontecer de aviões voem com a manutenção atrasada ou com a manutenção supostamente em dia, mas que foram colocadas peças usadas. Por isso que tantas vezes as autoridades só verificam se tudo estava em ordem depois que um acidente ocorre, porque no momento da habilitação pro voo, a varredura não é tão profunda assim.
Histórico de acidentes
Dados do Painel Sipaer mostram que, se comparados os últimos 5 anos da movimentação aérea no Brasil, houve um aumento no número de acidentes aéreos em 2024. Entre 2020 a 2023, o número de mortes ficou em uma média de 78,6. Confira abaixo:
N° acidentes | Acidentes fatais | Mortes | |
2020 | 150 | 38 | 55 |
2021 | 141 | 26 | 60 |
2022 | 138 | 36 | 49 |
2023 | 155 | 30 | 77 |
2024 | 175 | 44 | 152 |
2025 | 39* | 12* | 13* |
*Informações até o momento
De acordo com o professor, o número médio de acidentes anuais na aviação comercial é definido, desde a criação da norma, com base em parâmetros de números de voos.
– Por exemplo, a taxa de um acidente catastrófico é de uma a cada um milhão de horas de voo. Então, digamos que em um ano vai ter 10 milhões de horas de voo, isso significa que existe uma probabilidade concreta de ocorrer dez acidentes catastróficos naquele ano. É assim que a regra é feita.
Ele destaca que mesmo com um aumento massivo de voos, com previsão de 5,2 bilhões de passageiros em 40 milhões de voos no mundo ao longo de 2025, segundo dados da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata), o número relativo de acidentes se mantém.
Essa proporção é feita com base nas regras de segurança da indústria nuclear que, segundo o professor, são ainda mais rigorosas, sendo a probabilidade de falha de "uma a cada 100 milhões de horas de operação". Entretanto, no caso da aviação civil, o fator econômico impossibilita que as regras sejam rigorosas quanto na indústria nuclear, ou o preço das passagens seria excessivamente caro.
– Isso significa que é 100 vezes mais seguro. Na aviação, o risco é aumentado em 100. Mas isso não é por acaso, tem um cálculo econômico por trás. Pra projetar um sistema que fosse tão seguro quanto um reator nuclear e uma manutenção que garantisse essa segurança, o valor da passagem multiplicasse 200, 300 vezes. Ia tornar a aviação inviável. Então esse é um dilema é sempre discutido pelos especialistas de segurança.
Piora em 2024
Em 2024, foi registrado um aumento no número de acidentes aeronáuticos no Brasil. Ao todo, foram 175 ocorrências, sendo 44 acidentes fatais e 152 mortes.
No mundo, o número também aumentou. Dados da Iata mostram que foi registrado um acidente aéreo a cada 880 mil voos em 2024.